Opinião

Por que precisamos falar seriamente sobre regulação no mercado de GLP?

O que o setor de GLP necessita é de um debate sério, que tenha como prioridade a proteção dos consumidores, especialmente, os mais vulneráveis, escreve Fabrício Duarte

Fabrício Duarte é o diretor executivo da Associação Internacional de Gás Liquefeito de Petróleo — AIGLP (Foto Divulgação)
Fabrício Duarte é o diretor executivo da Associação Internacional de Gás Liquefeito de Petróleo — AIGLP (Foto Divulgação)

Estamos o tempo todo na estrada, debatendo e promovendo as melhores práticas do setor de gás liquefeito de petróleo (GLP). É evidente que cada mercado possui suas próprias características, moldadas por realidades econômicas, sociais e institucionais distintas. 

Justamente por isso, qualquer tentativa de replicar um modelo regulatório precisa partir de uma premissa essencial: mercados só podem ser comparados — e eventualmente adaptados — quando são, de fato, comparáveis.

Muito tem sido discutido recentemente sobre possíveis mudanças regulatórias no Brasil, especialmente relacionadas ao enchimento remoto e ao fim da rastreabilidade por marca

Ao lado de propostas fundamentadas em análises técnicas sérias, também surgem promessas perigosas: discursos simplistas que prometem quedas expressivas de preços ao consumidor, sem apresentar estudos econômicos robustos que sustentem tais projeções.

A verdade é que prometer redução de custos sem compreender a complexidade da cadeia logística e os riscos envolvidos é, no mínimo, temerário. 

Experiências internacionais mostram que soluções supostamente inovadoras, mas mal implementadas, resultam em aumento de acidentes, sucateamento do parque de botijões e desestruturação da rede de distribuição. O que se vende como modernização, na prática, pode representar um retrocesso.

O que o setor de GLP realmente necessita é de um debate sério, amparado por dados e estudos, que tenha como prioridade a segurança, a eficiência e a proteção dos consumidores — especialmente os mais vulneráveis. 

Este artigo visa a contribuir com a reflexão sobre os rumos do setor no Brasil, com foco na importância de uma regulação bem estruturada e eficaz.

Nos países onde o modelo de enchimento remoto e fracionado foi adotado, a responsabilidade pela manutenção dos botijões foi transferida para os consumidores, que precisam transportar seus vasilhames até os pontos de recarga e arcar com os custos de sucateamento e substituição ao final da vida útil do cilindro. 

Essa prática enfraquece a qualidade do serviço ao retirar da cadeia de distribuição a responsabilidade técnica e operacional sobre ativos que exigem manutenção constante, inspeções rigorosas e rastreabilidade.

O resultado é o uso prolongado de botijões fora dos padrões técnicos e sem a devida requalificação, o que aumenta significativamente o risco de acidentes e coloca em perigo a segurança das famílias.

Esse modelo, sob o pretexto de reduzir custos operacionais, compromete pilares fundamentais de qualidade, confiança e segurança, que são essenciais para qualquer serviço destinado à população. 

Experiência internacional na regulação de GLP

As experiências de países como Quênia, Haiti, Namíbia, África do Sul, Tailândia, Gana e Nigéria evidenciam que a adoção dessas práticas resultou em deterioração da infraestrutura, aumento de acidentes (muitos com vítimas fatais) e retração nos investimentos privados, o que compromete a sustentabilidade do setor.

Do ponto de vista econômico, os benefícios do abastecimento fracionado também se mostram questionáveis. 

No Paraguai, por exemplo, onde essa prática é permitida, o custo por quilograma de GLP é mais alto quando adquirido de forma fracionada do que na compra de um botijão cheio diretamente das distribuidoras.

Embora o tíquete médio do consumidor seja menor, o preço final pago por unidade de gás é superior, tornando a proposta menos vantajosa do que parece à primeira vista.

Além disso, o modelo favorece a informalidade, dificulta a fiscalização e aumenta os riscos de práticas ilegais, como o roubo de GLP. Como resultado, cerca de 80% do parque de botijões do Paraguai está em condições de requalificação. Pergunta-se: será este o caminho que queremos seguir no Brasil?

A marca, nesse contexto, assume um papel fundamental. Ela representa a garantia de que o botijão passou por processos rigorosos de requalificação, enchimento, transporte e distribuição, atendendo aos mais altos padrões técnicos.

A marca também facilita a fiscalização e permite rastreabilidade rápida em casos de incidentes, funcionando como um importante instrumento de proteção ao consumidor.

Com relação às propostas de adoção de novas tecnologias para rastreamento de vasilhames, como sistemas de leitura eletrônica, é importante destacar que não há, na experiência internacional, qualquer exigência legal que substitua a identificação por marca.

Qualquer alternativa nesse sentido exigiria inovações tecnológicas ainda não existentes, que necessitariam ser avaliadas com rigor para assegurar a viabilidade regulatória e fiscalizatória.

O papel do Gás para Todos

Muitas das soluções que hoje são apresentadas como disruptivas e inovadoras, na prática, são modelos já rejeitados em mercados internacionais, seja por comprometerem a segurança, seja por diminuírem a qualidade do serviço. Não existem soluções simples para problemas complexos. 

A inclusão energética da população mais vulnerável deve ser garantida por programas sociais robustos, como o Gás para Todos, que assegurem o fornecimento de gás de forma segura e acessível.

Para o restante da cadeia de valor, o que se espera é uma regulação moderna e eficaz, que incentive a concorrência, mas que, acima de tudo, garanta um serviço de qualidade e segurança à sociedade.

Se a revisão do marco regulatório for necessária, que ela seja baseada em critérios técnicos sólidos e na experiência internacional.

A regulação deve buscar aprimorar o mercado, promovendo maior segurança, eficiência e confiança — e não comprometer esses pilares em nome de uma inovação que, na prática, pode resultar em mais riscos do que benefícios.


Fabrício Duarte é o diretor executivo da Associação Internacional de Gás Liquefeito de Petróleo (AIGLP). Tem mais de 30 anos de experiência em gestão pública e privada, e com forte atuação em relacionamento institucional no Brasil e na América Latina.

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