RIO — O corte de produção voluntário anunciado pela Opep+ mostra que o grupo vai se esforçar para manter o barril acima dos US$ 80, preço que permite o equilíbrio fiscal dos principais países integrantes do cartel, na visão de analistas.
O cenário cria um desafio adicional para os esforços dos bancos centrais de países que buscam reduzir a inflação, impulsionada pela alta nos preços da energia depois da invasão da Ucrânia pela Rússia — país que integra a Opep+.
O diretor do CBIE, Bruno Pascon, lembra que na década passada o poder da Opep de realizar movimentos desse tipo foi reduzido, com a possibilidade de os Estados Unidos aumentarem rapidamente a produção não-convencional em momentos de alta do barril.
Agora, entretanto, com a capacidade de aumento da extração americana limitada, a Opep voltou a ter mais poder na definição dos preços globais. “Voltamos a ter uma Opep forte, que dita os preços mundiais”, diz Pascon.
Para o pesquisador do Ineep, Adhemar Mineiro, o cartel demonstrou que não vai colaborar com os esforços de administração da inflação nas economias ocidentais. “A sinalização é de que o cartel está vivo e ativo na tentativa de evitar quedas de preços”, diz.
Ao todo, o grupo anunciou que vai reduzir a produção até o fim de 2023 em 1,66 milhão de barris/dia a partir de maio, sendo os maiores cortes na produção da Arábia Saudita e da Rússia, que se comprometeram com uma queda de 500 mil barris/dia cada.
Ministro defende proteção de consumidores
Em nota, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), afirmou que o país “não pode mais ficar refém das decisões arbitrárias da OPEP” e que o governo vai trabalhar para proteger a população da volatilidade dos preços internacionais.
“É prioridade para o governo do presidente Lula investir na modernização e ampliação do nosso parque de refino e fomentar ainda mais a utilização de biocombustíveis. Com isso, vamos diminuir drasticamente a dependência internacional dos derivados de petróleo”, disse.
O Brasil não pode mais ficar refém das decisões arbitrárias da OPEP de limitar a produção de petróleo. Devemos ocupar o papel estratégico que cabe ao nosso país, reduzindo o poder desses grandes produtores de influenciar, com tanta força, o mercado internacional. (1/3)
— Alexandre Silveira (@asilveiramg) April 3, 2023
No Brasil, a alta do barril de petróleo impacta os debates sobre a inflação e a taxa de juros, alvo de críticas de integrantes do governo federal — além de indicar novos debates sobre a política de preços da Petrobras.
Ocorre também em meio à reta final da articulação entre estados, União e mercado de combustíveis para concluir a reforma do ICMS dos combustíveis, que passará a ser fixo por quantidade vendida e deixará de oscilar com os preços nas bombas.
As alíquotas definidas para entrar em vigor entre maio (diesel e GLP) e junho (gasolina comum), contudo, representam uma elevação do imposto em boa parte dos estados.
O pesquisador do Ineep lembra que o tema volta à tona num momento em que a Petrobras passa por discussões internas sobre a nova composição da diretoria e a elaboração de um novo plano de negócios. “É um momento sensível”, diz Adhemar Mineiro.
Mineiro defende que o cenário deveria levar o país a discutir novos investimentos em refino para reduzir a dependência externa.
Defasagem contrapõe Petrobras e importadores
Pascon, do CBIE, diz que é possível que a defasagem dos preços da gasolina alcance até 15% nos próximos dias.
Na manhã desta segunda (3/4), o CBIE já calculava que a gasolina vendida pela Petrobras estava 9,34% abaixo dos preços internacionais. Já a StoneX estima que hoje ainda há espaço para queda de 0,9% nos preços da Petrobras.
Nos cálculos da Abicom, a defasagem da gasolina é, em média, de 4%.
A Petrobras assinou, no governo de Jair Bolsonaro (PL), compromissos de abertura do mercado de combustíveis — o acordo para venda de refinarias assinado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O atual presidente da empresa, Jean Paul Prates (PT) defende que será preciso questionar o acordo e que a Petrobras não deve manter práticas comerciais voltadas à abertura de mercado para concorrentes.
Choque surpreende mercado e sinaliza mais instabilidade
Confirmado nesta segunda (3/4), a redução na produção era esperada por analistas estrangeiros, embora em menor escala
Além disso, marca também uma mudança no padrão das decisões a respeito da definição dos tetos de produção do cartel e aliados, que vinham ocorrendo nas reuniões agendadas do grupo.
“A maneira como a OPEP e os aliados negociaram e anunciaram o corte, assim como o momento, foi inesperado; é um prenúncio de surpresas adiante”, diz o diretor executivo do mercado de petróleo, downstream e químicos da S&P Global Commodity Insights, Bhushan Bahree.
Na visão do analista, o cartel pode voltar a ampliar a produção ao longo do ano, a depender sobretudo do crescimento da demanda chinesa.
Antes do corte, a recuperação do consumo da China era visto como o principal fator de pressão para aumento no preço do barril no curto prazo.
Nesta segunda (3/4), o Brent fechou na casa dos US$ 84, depois de encerrar a semana passada em US$ 79. O Goldman Sachs aumentou as projeções para o preço do barril ao final do ano, que agora passam a ser de US$ 95, ante a previsão anterior de US$ 90.
Os analistas do banco ressaltaram que o corte de produção da Opep ocorre num momento de expectativa de alta na demanda global, com a recuperação chinesa e em que as margens do setor de refino permanecem altas.
Para os analistas da Bloomberg Intelligence, Fernando Valle e Brett Gibbs, o cenário de “cabo de guerra” entre a Opep+ e o Federal Reserve, o banco central americano, sobre a inflação está longe do fim.
“O aumento nas taxas de juros globais tem diminuído investimento e consumo, levando a uma sobreoferta de petróleo. Os cortes ajudam a trazer equilíbrio ao mercado, mas podem levar o Federal Reserve a continuar os aumentos nas taxas de juros para reduzir ainda mais o consumo e conter a inflação”, diz Valle.
Há dúvidas, no entanto, sobre o cumprimento dos cortes, dado que acordos similares no passado não foram seguidos. Os analistas lembram que 30% dependem da Rússia, que falhou em cumprir promessas semelhantes no passado.