O salto na competição do downstream brasileiro

Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) está à venda

Na área de petróleo, o downstream agrega as atividades de refino, transporte, armazenamento, distribuição e revenda de derivados, sendo um segmento centenário no país, cujas atividades iniciaram-se quatro décadas antes da criação da Petrobras, no início do século XX.

Antes mesmo de se encontrar ou refinar petróleo em solo nacional, a comercialização de derivados já se fazia presente. As primeiras iniciativas contaram essencialmente com investimentos de agentes privados, até o advento do monopólio estatal das atividades de refino, em 1953.

Os registros oficiais dão conta de que a primeira distribuidora de combustíveis a desembarcar no país foi a ESSO, subsidiária da lendária Standard Oil, da família Rockefeller, em meados de 1912.

Na sequência, viriam Anglo-Mexican (subsidiária da Shell), em 1913, Texaco, em 1915, e Atlantic, em 1922, todas multinacionais que já tinham algumas décadas de estrada (SINDICOM, 2010). A primeira empresa brasileira de grande porte no setor foi a Ipiranga, criada em 1934.

A Ipiranga, por sinal, foi pioneira na atividade de refino de petróleo no país, tendo inaugurado uma pequena destilaria em Uruguaiana (RS) em 1934 e pouco depois a primeira refinaria propriamente dita, a Refinaria Ipiranga, em 1937, na cidade de Rio Grande (RS) (GAUTO, 2018).

A medida que o consumo de derivados de petróleo no Brasil crescia, novos projetos de refino eram demandados.

Na esteira das descobertas de petróleo no Recôncavo Baiano no nordeste, veio a Refinaria de Mataripe (atual RLAM). No sudeste, surgiram as refinarias Matarazzo (extinta na década de 1970), União (atual RECAP), Manguinhos (atual REFIT) e Cubatão (atual RPBC).

No norte, a refinaria de Manaus (atual REMAN) foi erguida. O parque de refino construído até 1953 contava com forte investimento privado (ver tabela 1) e só não fora maior porque o Conselho Nacional do Petróleo proibia a participação de estrangeiros no setor desde 1938.

A criação da Petrobras e o monopólio estatal

Quando a Petrobras foi criada em 1953, o segmento de downstream tinha quatro décadas de desenvolvimento no país, contava com 6 refinadores privados, 2 refinarias estatais, relevantes grupos distribuidores (ESSO, Shell, Texaco, Atlantic, Ipiranga e Gulf Oil eram os maiores) e uma rede revendedora que crescia exponencialmente.

Os registros históricos descrevem uma dura batalha no Congresso Federal a respeito da abrangência do monopólio estatal. Após muita discussão, temendo uma represália por parte dos grandes distribuidores estrangeiros, os legisladores deixaram de fora do monopólio as atividades de distribuição e comércio de derivados.

Criou-se ali, de forma fortuita ou não, uma reserva de mercado histórica: nenhum posto revendedor pode comprar combustíveis no Brasil sem passar por um distribuidor, ou seja, não é possível comprar diretamente do refinador/produtor.

O monopólio estatal acabou por tornar obrigatória a figura do distribuidor. Esta questão não se trata de uma crítica, mas de uma mera observação dos fatos.

O monopólio legal ficou então limitado à exploração, produção e refino de petróleo.

O E&P era ainda incipiente no país, enquanto o refino era mais desenvolvido, de forma que o monopólio estatal foi duro para os refinadores privados existentes àquela época: as refinarias privadas não poderiam ser ampliadas, as concessões foram mantidas, mas elas não poderiam crescer.

Sob a ótica econômica, é difícil de entender tal imposição legal, pois é muito mais econômico ampliar uma unidade já existente do que construir uma nova. Esta foi mais uma imposição legislativa que teve reflexos históricos.

Com pouco petróleo e demanda crescente, a Petrobras nos seus primeiros anos de existência somou esforços para ampliar o parque refinador. Os refinadores privados que poderiam ter ajudado nestes investimentos, eram impedidos por lei.

O fardo ficou todo a cargo da estatal. Assim, com o passar do tempo, as refinarias privadas perderam relevância na concorrência e na composição do parque de refino.

Quando o monopólio da Petrobras foi quebrado em 1997, as infraestruturas de refino, escoamento, importação e exportação eram quase que integralmente dominados pela empresa. Uma barreira de entrada enorme para novos agentes.

De forma complementar, a frequente interferência do Governo nos preços dos combustíveis dificultou ou impossibilitou o investimento privado no segmento, conforme já comentado nos artigos “Por que as gigantes do petróleo Shell, BP, Chevron, Exxon ou Total nunca investiram em refino no Brasil?” e “Desafios do refino privado após o fim do monopólio estatal”. Este quadro, todavia, está mudando.

As mudanças em curso

O downstream brasileiro está passando por mudanças profundas. O monopólio de fato existente no refino se encaminha para um encolhimento. Poder-se-ia citar ainda a desverticalização do mercado de gás natural, como parte da transformação em andamento.

Com foco voltado ao E&P, para dar fôlego aos investimentos, é amplamente reconhecido que a Petrobras tem papel fundamental neste processo. Dentre os ativos a venda, está metade da capacidade de refino do país.

Três refinarias estão mais adiantadas, RLAM (BA), REMAN (AM) e RPCC (RN). Espera-se ainda os desdobramentos de REFAP (RS), SIX (PR), REGAP (MG) e LUBNOR (CE). REPAR (PR) e RNEST (PE) não avançaram nas negociações, podendo voltar ao mercado mais adiante.

Dadas as expectativas, o investimento privado no refino retornou. Uma pequena refinaria que está sendo erguida na Bahia, a ampliação de outra unidade existente também em território baiano, a adaptação de uma planta industrial para refino de petróleo em São Paulo e os projetos de duas novas unidades de refino no Espírito Santo demonstram o otimismo em relação a este novo momento do refino no país (veja mais detalhes em “Um novo mercado de refino”).

O mercado de gás segue na mesma linha.

No âmbito regulatório, várias iniciativas estão sendo discutidas, tais como a venda direta do produtor ao revendedor, o delivery de combustíveis, o self-service nos postos revendedores, o fim da tutela à bandeira, alterações no modelo de aquisição de biodiesel, a regulamentação dos biocombustíveis avançados, questões tributárias do Novo Mercado de Gás, entre outros temas.

Como é típico dos momentos de grandes transformações, há incertezas, reações favoráveis e contrárias, com intensas discussões a respeito destes tópicos, onde cada agente apresenta seu ponto de vista. O importante, contudo, é que esteja ocorrendo o debate e que se avance, com intuito de se buscar um mercado mais dinâmico e competitivo.

O somatório de esforços para quebrar antigas barreiras, abrir o mercado de refino de petróleo e gás natural, aumentar a concorrência entre os elos da cadeia, fomentar novos produtos e serviços é que elevará o segmento de downstream a outro patamar competitivo, tornando-o mais atrativo aos investimentos.

É um momento histórico. O consumidor brasileiro tem muito a ganhar com este processo em curso. Os resultados não são imediatos, mas eles já podem ser vislumbrados no horizonte. Há muito por fazer, mas o salto competitivo do downstream está chegando.

Referências

GAUTO, M. 80 anos do refino de petróleo no Brasil: de 1937 a 2017. Porto Alegre: GautoBooks, 2018.

SINDICOM. A história da distribuição de combustíveis no Brasil. Rio de Janeiro: SINDICOM, 2010.