Opinião

O recorde da exportação de petróleo e o descompasso entre o crescimento da produção e a capacidade de refino no Brasil

Pré-sal impulsiona exportações, que atingem 1,75 milhão de barris/dia, mas falta de investimentos em refino amplia dependência externa de derivados, escreve Francismar Ferreira

Francismar Ferreira é pesquisador da área de Exploração e Produção do Ineep — Instituto Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Foto Divulgação)
Francismar Ferreira é pesquisador da área de Exploração e Produção do Ineep (Foto Divulgação)

Em 2024, o Brasil alcançou um marco significativo ao exportar, pela primeira vez em um ano, mais da metade de sua produção de petróleo. O desempenho resulta do incremento na produção, especialmente impulsionada pelos campos do pré-sal, em um cenário caracterizado por baixos investimentos em refino no país.

Isso alerta para um problema estrutural do Brasil e do setor: a especialização na exportação de óleo cru sem avanço no refino pode aprofundar a reprimarização da economia, comprometer o desenvolvimento industrial e econômico do país e ainda aumentar a dependência externa, em especial, de derivados de petróleo.

De acordo com a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em 2024, o Brasil exportou em média 1,75 milhão de barris de petróleo por dia (MMb/d), o que corresponde a cerca de 52,2% da produção total de petróleo, que foi de 3,36 MMb/d.

A China se destacou como o principal destino dessas exportações, absorvendo aproximadamente 44% do volume total. Outros mercados importantes foram os Estados Unidos e a Espanha, que receberam, respectivamente, 13,7% e 10,7% das vendas externas. Além disso, o volume de petróleo exportado em 2024 posicionou a commodity como líder da pauta das exportações brasileiras.

Ao longo da última década, o Brasil observou um crescimento significativo nas exportações de petróleo. Entre 2014 e 2024, a produção de óleo cresceu a uma taxa média anual de cerca de 4,1%, enquanto o aumento das exportações alcançou uma taxa de aproximadamente 13,2% ao ano.

Isso significa que o incremento no volume exportado foi cerca de três vezes superior ao crescimento da produção. Os dados detalhados sobre essa evolução podem ser visualizados no gráfico abaixo.

Em 2024, a Petrobras respondeu por 34% do total de petróleo cru exportado, enquanto a maior parte das exportações ficou a cargo de outras petroleiras atuantes no Brasil. É uma realidade que tem se consolidado como uma tendência nos últimos anos. Observa-se, de maneira geral, uma diminuição da participação proporcional da Petrobras, acompanhada por um aumento na fatia das demais companhias.

Essa dinâmica é impulsionada especialmente pelo crescimento da produção de petróleo no país por petroleiras multinacionais, que não possuem unidades de refino no Brasil, além de empresas independentes não integradas verticalmente. Assim, a exportação do petróleo bruto produzido no país por essas petroleiras se torna uma alternativa vantajosa.

O gráfico a seguir ilustra a participação da Petrobras nas exportações de petróleo cru do Brasil.

Apesar da diminuição da participação proporcional das exportações de petróleo do país, a Petrobras tem aumentado seu volume exportado, conforme ilustra o gráfico acima. Em 2014, a empresa exportou cerca de 232 mil de barris por dia (b/d), representando 11% de sua produção. Em 2024, esse número subiu para cerca 600 mil b/d, correspondendo a aproximadamente 28% da produção total.

No entanto, a expansão do volume exportado pela Petrobras não se justifica somente pelo aumento da produção. A isso se acrescenta a redução de sua capacidade de refino decorrente da venda de importante parte do parque de refino da estatal [1].  Segundo dados da ANP, a capacidade de refino da Petrobras em 2014 era de aproximadamente 2,31 milhões de b/d, enquanto em 2023 esse número caiu para 1,9 milhão de b/d.

Os desinvestimentos das refinarias da Petrobras foram a principal medida do setor de refino ao longo da última década. Como resultado, a capacidade de refino do país permaneceu praticamente inalterada.

De acordo com a ANP, em 2014, a capacidade de refino do Brasil era de 2,35 milhões de barris por dia (b/d), e em 2023, esse número subiu para 2,43 milhões b/d. Isso representa uma taxa de crescimento anual de aproximadamente 0,37%, muito aquém do aumento da produção.

Paralelamente, a taxa de crescimento do consumo de combustíveis no Brasil aumentou em 0,40% ao ano, passando de 2,49 milhões b/d em 2014 para 2,58 milhões b/d em 2023. Isso indica que a demanda por derivados cresceu a um ritmo superior ao da capacidade de refino. Assim, apesar do aumento da produção, o Brasil continuou dependente da importação de derivados de petróleo para suprir o abastecimento interno.

Segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia 2034 da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a perspectiva é que o país mantenha sua atuação como exportador de óleo cru nos próximos anos, inclusive ampliando em termos absolutos o volume exportado.

O mesmo plano aponta ainda que o Brasil permanecerá dependente da importação de derivados para suprir a demanda interna. Essa situação, entre outros fatores, torna os preços dos combustíveis mais suscetíveis às flutuações resultantes das dinâmicas geopolíticas e econômicas que ocorrem no cenário global.

Em meio a isso, encontra-se o debate sobre a necessidade de atividades exploratórias visando à reposição das reservas nacionais e à manutenção dos níveis de produção. A Petrobras, em particular, tem se empenhado em avançar em novas fronteiras, com foco na Margem Equatorial.

Contudo, a ênfase nos investimentos em exploração e produção (E&P), voltados principalmente para novas descobertas, sem a devida articulação com investimentos em refino, poderá reforçar a posição do Brasil como mero exportador de petróleo cru. Dessa forma, o petróleo proveniente de novas descobertas pode não se traduzir em um amplo desenvolvimento industrial e econômico em razão do descompasso entre produção e refino.

Em resumo, é importante romper com medidas de curto prazo baseadas em ganhos financeiros imediatos oriundos da exportação de óleo cru para a estruturação de um planejamento abrangente e integrado, com investimentos estratégicos em E&P e refino. Trata-se de uma iniciativa fundamental para assegurar o abastecimento interno e fortalecer a segurança energética do país no longo prazo.

Além disso, essa medida pode ao mesmo tempo impulsionar o desenvolvimento industrial, tecnológico e econômico, ao aumentar a agregação de valor ao petróleo nacional e ainda reposicionar o Brasil no mercado internacional de óleo.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Francismar Ferreira é doutor em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisador da área de Exploração e Produção do Instituto Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).


Referência

[1] Entre 2021 e 2022, foram privatizadas as refinarias Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, que atualmente é conhecida como Refinaria Mataripe (REMAT); a Refinaria Isaac Sabbá (REMAN), no Amazonas, atualmente chamada de Refinarias Amazonas (REAM); e a Refinaria Clara Camarão (RECC), no Rio Grande do Norte, que passou a ser denominada Refinaria 3R Potiguar. Em conjunto essas refinarias possuem uma capacidade de refino de aproximadamente 468 mil b/d segundo a ANP (2023).


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