Diante do impacto da pandemia da covid-19, todos temos que repensar prioridades. A realidade mudou drasticamente e o que era normal em nosso cotidiano agora parece fazer parte de um passado distante. Muitos produtos e serviços perderam relevância nesse período de quarentena, outros passaram a ser mais claramente percebidos como essenciais, como é o caso da energia.
Com as pessoas passando mais tempo em suas casas, o equilíbrio do consumo entre as diversas formas de energia muda expressivamente. Dentre os energéticos que tendem a ter aumento de consumo durante esse período está o gás de botijão – ou GLP.
O GLP (gás liquefeito de petróleo) é um energético derivado do petróleo, produzido, sobretudo nas refinarias, juntamente com a gasolina. No Brasil, quase todo o GLP consumido é produzido pela Petrobras, principalmente na região Sudeste, ou importado pela empresa, dona de toda a infraestrutura capaz de viabilizar sua importação.
Segundo dados da ANP, em 2019, do total de 13 milhões de metros cúbicos de GLP consumidos no Brasil, cerca de 56% foram produzidos no país e outros 27% importados, a maioria dos Estados Unidos e da Argentina. Cerca de 95% das famílias brasileiras utilizam gás de botijão para cozinhar. Ou seja, para a grande maioria da população o GLP é um insumo básico, essencial, sem o qual não é possível preparar a comida da família.
Em situações específicas, na ausência do botijão, é possível utilizar a biomassa (lenha, de menor qualidade energética) ou o gás canalizado, que depende de infraestrutura. No curto prazo, no entanto, não é possível substituir o GLP de forma segura, principalmente para as populações mais vulneráveis de grandes centros urbanos.
Com a diminuição da circulação de veículos leves e ônibus houve queda significativa na demanda por combustíveis líquidos. Segundo o presidente da Petrobras, em março de 2020 houve queda significativa no consumo, comparado ao mesmo período em 2019: 35% para gasolina, 22% no diesel e do 84% para querosene de aviação. Essa diminuição brusca da demanda, aliada ao cenário internacional de preços baixos de petróleo, leva produtores de petróleo a conter seus custos de operação, reduzindo sua produção.
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A Petrobras anunciou corte na produção de petróleo de 200 mil barris/dia e um ajuste no processamento do cru em suas refinarias, para se adequar à demanda por derivados de petróleo. Ao produzir e processar menos petróleo e gás associado para a produção de combustíveis automotivos, reduz-se também a produção de GLP.
Já o aumento no consumo de GLP em março desse ano foi de cerca de 23%, efeito da crescente demanda imposta pela quarentena e mais pessoas utilizando o gás em casa.
Com isso, houve relatos de falta de botijões em algumas regiões, particularmente na cidade de São Paulo. Houve ainda relatos de preços abusivos, com botijões sendo vendidos a valores superiores a 100 reais em alguns casos – o que pode ser explicado por aumentos de custos de logística na cadeia decorrente da dificuldade de suprimento, pela existência de um mercado informal e também pela própria escassez do produto. Mas, primeiramente, é preciso garantir a oferta de GLP.
A alternativa foi importar o GLP: a Petrobras anunciou a importação de 350 mil toneladas de GLP – ou cerca de 27,4 milhões de botijões de uso doméstico de 13 quilos para abril. Esse volume corresponde a aproximadamente 80% do consumo equivalente de botijões de 13 quilos no Brasil em abril do ano passado. Com expectativa de redução da produção interna de GLP, é importante que haja um planejamento coordenado para a importação desse energético, essencial nesse período de isolamento.
A boa notícia é que há estoques do produto disponível nos principais produtores e os preços no mercado internacional caíram cerca de 20% no primeiro trimestre de 2020, reflexo da queda de demanda e dos preços de petróleo.
Atualmente algumas propostas de lei estão em análise com o objetivo de caminhar para a resolução das questões, uma delas é a isenção de PIS e Cofins para facilitar o acesso do consumidor final ao gás. Por sua vez, a Petrobras já diminuiu os preços na refinaria em 10%, para R$21,85, e enfatiza a necessidade de que as distribuidoras repassem esse desconto para o consumidor.
Há diversas iniciativas importantes e urgentes para o setor de energia sendo discutidos no setor, sob a liderança do MME. Dada a importância do GLP para os domicílios brasileiros e a dificuldade de sua substituição, nesse momento de crise é importante garantir o fornecimento do botijão, principalmente em periferias e favelas de grandes centros urbanos.
Na Índia, também grande usuária de GLP, a solução encontrada para proteger a população mais pobre foi oferecer 3 meses de GLP gratuitos. No cenário atual, GLP é quase tão fundamental quanto a cesta básica – a rigor, torna a cesta básica útil em sua plenitude.
Para o futuro, fica a lição de pensarmos em medidas mais estruturais, que possam garantir alternativas ao uso de GLP para cozinhar. Mas isso é outro debate.
Lavinia Hollanda é doutora em Economia pela EPGE-FGV e diretora executiva da Escopo Energia
Gabriela Silva é mestre em Planejamento Energético pelo PPE-COPPE e consultora da Escopo Energia
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