BRASÍLIA – O governo federal se envolveu em mais uma polêmica nos seus recém-completados 100 dias de governo. A ligação de Bolsonaro ao presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, com o pedido de recuo no ajuste do diesel deixou claro ao mercado a interferência do Executivo na petroleira. A associação imediata é com práticas dos governos petistas, notadamente o período em que a ex-presidente Dilma Rousseff era amplamente criticado pelo represamento de preços.
O congelamento de preços, que pelos cálculos da Abicom deve custar à Petrobras R$ 14 milhões diariamente, foi um acalento aos caminhoneiros. Líderes da categoria do setor vêm há mais de um mês conversando com autoridades do governo para mostrar sua insatisfação com os reajustes e ameaçando a paralisação dos serviços. Em entrevista ao Estadão, Wallace Landim diz que o recuo “prova que mais uma vez o presidente está do nosso lado”.
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Para a Petrobras, a medida não significa uma ameaça à paridade internacional. Em notas enviadas ontem e hoje ao mercado, a companhia afirma que avaliou ser possível manter os preços inalterados por mais tempo e que tem compromisso com a política de preços. Em nota, o Ministério de Minas e Energia citou a justificativa da companhia – a proteção por meio de mecanismos de hedge – e também que “reafirma seu compromisso de não intervenção no mercado”.
De acordo com o governo, a interferência na Petrobras é uma “medida temporária” para acalmar os ânimos – e mostra como o presidente está mais preocupado em fazer afagos aos caminhoneiros do que com a estabilidade dos mercados financeiro e de combustível. E agora?
Se insistir em atender plenamente às demandas do setor de cargas e segurar o preço do diesel, como fazia a gestão petista, Bolsonaro corre o risco de repetir erros de gestões passada e pode ter que se conformar com o apelido “Dilma de calças”, que circula pelos bastidores do mercado financeiro.
++ Agenda de Bolsonaro desafia visão de Castello Branco para a Petrobras
O problema é que a proposta não se sustenta. Represar os preços sem mudanças na estrutura do mercado e, pior, interferindo em uma decisão executiva da Petrobras é encomendar uma pressão inflacionária mais forte no futuro. O efeito claro é na depreciação do real frente ao dólar, que, ao se valorizar, torna maior a disparidade de preços.
A paridade internacional e a política de preços da Petrobras foi promessa de campanha de Bolsonaro. O congelamento afeta o balanço da Petrobras e distorce ainda mais o mercado de combustíveis. As empresas privadas que investem em combustível no País buscam previsibilidade de mercados mundiais, impossível sem uma política clara de preços da Petrobras, a líder dominante do mercado.
Além do mercado, há o peso do componente político. Bolsonaro se elegeu às custas de uma plataforma ultraliberal que tem nome e sobrenome: Paulo Guedes. Todo o esforço do Ministério da Economia tem sido para desestatizar e abrir o mercado de exploração, refino e distribuição. Especialmente no setor de petróleo e gás, Guedes tem reforçado a necessidade de quebrar monopólios para permitir a redução de custos à partir da concorrência.
O ministro da economia afirmou hoje à repórteres nos EUA que “É uma inferência razoável, aparentemente”. Antes, disse nem sequer saber do que os jornalistas estavam falando, ao ser questionado sobre a interferência de Bolsonaro junto à Castello Branco. Guedes está nos EUA e deve retornar apenas na segunda-feira,15.
A interferência do presidente na política de preços pode gerar atritos com o encarregado da pasta econômica – que atualmente toca a Previdência e a Reforma Tributária como principais pautas do governo. A contradição no “liberal-intervencionismo” também faz do governo uma grande vidraça para parlamentares da oposição e do chamado Centrão, uma relação que já não caminha muito bem.
O peso da impopularidade
O governo tem a opção de retomar a política de preços adotada em 2016, de busca da paridade, e o presidente assumir a quebra do encanto por parte dos caminhoneiros sob o risco de novas manifestações e greves.
Bolsonaro diz não acreditar nas pesquisas, mas assiste a popularidade de seu governo cair à cada novo levantamento e seria colocado à prova em uma situação semelhante ao que ocorreu no final de maio do ano passado.
Cabe lembrar que, nesta época, o presidente da Petrobras pediu demissão devido aos atritos gerados por causa dos ajustes de combustíveis. A interferência na política de preços em resposta à grave de maio de 2018, mesmo que temporária, levou à queda do então presidente da estatal, Pedro Parente.
Em carta enviada à Presidência com seu pedido de demissão, Parente afirmou que a greve dos caminhoneiros e suas “graves consequências para a vida do país” questionaram a política de preço adotadas durante a sua gestão. O ex-presidente da estatal caiu porque não abriu mão de mexer na política de preços e sofreu um grande desgaste após a pressão do setor de cargas.
Política é a única saída possível
A equipe econômica de Guedes tem defendido a redução de preço dos derivados de petróleo a partir da abertura dos mercados, incluindo a desestatização da própria Petrobras, mas nenhuma dessas ações terá efeito imediato. As iniciativas frustradas feitas durante o governo Temer mostram que essa saída também não é trivial.
A possibilidade de diminuir o preço do diesel por meio de uma mudança tributária poderia ser outro caminho para o governo, mas leva tempo por depender de aval no Congresso Nacional. Além disso, o maior encargo atualmente no combustível é o ICMS, que corresponde por cerca de 15% do preço atualmente. A redução do imposto de arrecadação estadual dependeria de uma iniciativa dos governadores, que em geral estão com as contas públicas no vermelho. Será difícil achar algum governador que esteja disposto a abrir mão de receita sem contrapartidas do governo federal.
A partir da articulação política, o governo pode arrumar uma saída para atender os caminhoneiros e garantir a ordem do abastecimento geral. O Ministério da Infraestrutura tem anunciado iniciativas, como desburocratização para os caminhoneiros e melhorias em serviços e infraestrutura. O diálogo com o setor de cargas também é importante. Entretanto, não há espaço para interferência no preço de combustíveis se Bolsonaro quiser manter a proposta de uma economia liberal.