BRASÍLIA – Desde o primeiro semestre, a equipe da Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia tem mantido uma articulação entre agências para chegar a uma solução que dê mais acesso à infraestrutura e promova a concorrência no mercado de combustível de aviação.
O diagnóstico, nada inédito, é que o setor está praticamente fechado nas mãos das três maiores empresas — Air BP, BR Distribuidora e Raízen.
O trabalho interno envolve a ANAC (aviação civil) e ANP (combustíveis), além de outras áreas do governo, como o próprio Ministério da Infraestrutura.
De uma forma simplificada, pode-se dizer que a regulação da ANP é do aeroporto para fora e da ANAC, do aeroporto para dentro. Mas há uma série de momentos em que há interseção das duas agências em uma mesma etapa.
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A ideia é usar parte do diagnóstico da situação já feita no início deste ano pelo Subcomitê de Abastecimento de Combustível de Aviação, no Abastece Brasil, para também oferecer a equipe técnica da própria Economia em estudos e avaliações adicionais.
“O diagnóstico que a gente tem preliminar hoje é de que existe uma dificuldade prática no acesso, em especial no mercado em Guarulhos”, afirma o subsecretário de Regulação e Mercado do Ministério da Economia, Edson Silveira Sobrinho.
O trabalho para uma resolução conjunta, na visão do subsecretário, tem maiores chances de resultar em uma mudança regulatória sem falhas ou brechas, que possa garantir a aplicação das novas regras.
Não há planos para levar o assunto para o Congresso Nacional, ao moldes do que precisou ser feito para o mercado de gás natural.
“Até o momento não identificamos a necessidade de legislação ou mudanças de decretos. Estamos trabalhando com a possibilidade de regulação em conjunto das agências”, explicou.
Criação de comitê de usuários é avaliado pela ANAC
Dentre as muitas propostas de solução para diversificar o segmento de distribuição de QAV, uma das que devem ir à consulta pública na ANAC é a criação de um comitê de usuários para avaliar a entrada de novos atores nos Parques de Abastecimento de Aeronaves (PAAs).
Ou seja, as próprias empresas aéreas também teriam poder de decidir sobre a movimentação de distribuidoras dentro dos aeroportos. Em último caso, se mesmo assim o novo player entender que não há embasamento para um pleito de entrada, pode recorrer à ANAC, a quem caberia a arbitragem.
“A gente sabe que tem um elo com todo interesse em fazer com o que o preço do combustível seja menor possível. Então, nessa revisão, estamos estudando uma forma de fazer com que as empresas aéreas tenham poder na certificação de novas companhias dentro do aeroporto”, explicou o diretor da ANAC, Tiago Pereira.
Segundo ele, a entrada da visão dos consumidores poderia, inclusive, ajudar a agência a tomar decisões, ao passo que as informações já chegariam no órgão regulador com contrapontos por já ter sido discutida num primeiro nível.
Um outro ponto levantado por agentes do setor como uma possível saída para a concentração do atual mercado, especialmente nos PAAs, seria a desverticalização da operação da rede de hidrantes e dutos por um agente independente, que não participasse da cadeia de distribuição.
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A ideia era repetir o modelo já adotado em outras áreas, como a energia elétrica com o Operador Nacional do Sistema (ONS), mas específico para cada aeroporto.
Entretanto, Pereira destaca que a medida não é a preferida porque implicaria na criação de mais um elo da cadeia e necessariamente em um custo adicional às empresas aéreas.
“Esse operador vai cobrar uma margem de remuneração, né? Então tem a margem da Petrobras, a margem da distribuidora e aí poderíamos ter uma tendência de aumento do preço”, pontuou.
Segundo o diretor, existe cautela com o desenho da revisão da regulação para que as medidas não acabem gerando mais distorções do que benefícios.
Uma das metas é encerrar os questionamentos judiciais
A expectativa da ANAC, em trabalho conjunto com a equipe econômica, é que a nova minuta de resolução esteja pronta para consulta pública até o final do ano.
O tema é considerado prioritário dentro da agência, especialmente após recentes judicializações da sanção da agência com a concessionária de Guarulhos.
A Raízen, segunda maior no mercado também acionou judicialmente o governo pelo leilão de aeroportos de abril, que terminou com concessão de 22 aeroportos no Sul, Centro-Oeste, Norte e Nordeste, pela inclusão de cláusulas contratuais regulando o acesso ao suprimento de combustíveis.
A empresa entende que sem previsão legal ou regulatória, a ANAC ficaria impedida de exigir a garantia de acesso por contrato de concessão.
Procuradas pelas epbr, tanto a Raízen como a Air bp defenderam que a preservação da segurança regulatória é fundamental para viabilizar novos investimentos no mercado de downstream para aviação. Veja a íntegra dos posicionamentos no fim do texto.
“Avaliamos que qualquer tipo de intervenção estatal na economia e no funcionamento do mercado constitui um retrocesso e um desincentivo a investimentos”, diz a Raízen.
A Air bp reiterou “a importância do regulador na manutenção da clareza e segurança jurídica como parte fundamental para viabilização do investimento no setor de aviação”.
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A revisão pretendida é da Resolução nº 302 de 2014, que assegura o livre acesso às infraestruturas aeroportuárias para que empresas aéreas ou terceiros possam atuar na prestação de serviços auxiliares ao transporte aéreo, como o abastecimento das aeronaves.
As novas regras, se aprovadas pela diretoria colegiada da ANAC, passam a valer para todos os concessionários de aeroportos no Brasil.
A regulamentação atual não define exatamente quais são as facilidades que devem ser acessadas para que seja configurado o livre acesso em condições não discriminatórias.
Há entendimento dentro da agência que o compartilhamento das estruturas de tancagem, dutos e hidrantes, que compõem os PAAs, são consideradas essenciais para a atividade da distribuição, especialmente nos aeroportos de Guarulhos e Galeão.
Os dois representam cerca de 60% do consumo de QAV no Brasil pela demanda de abastecimento em maior escala de voos internacionais. Também é usado pelas distribuidoras como suprimento de outros aeroportos próximos, como em Congonhas e Santos Dumont.
Já para o restante dos aeroportos, a agência pretende monitorar os novos contratos. A partir da última rodada de licitação de aeroportos, a ANAC passou a autorizar previamente os contratos de concessão para avaliar possíveis medidas concentradoras de mercado no segmento de abastecimento de aeronaves.
Na ANP, defesa por regra de acesso para terceiros
No mesmo esforço concentrado para novos modelos de comercialização e armazenamento, a ANP avalia quatro modelos a serem adotados nos aeroportos, de acordo com o porte, infraestrutura e a restrição do espaço operacional.
A principal delas é para a base de distribuição de combustíveis com regra de acesso, que poderia ter uma nova regulamentação para acesso de terceiros à infraestrutura existente. De forma semelhante ao que é feito para dutos e terminais aquaviários, a ANP seria responsável por mediar os casos que não fossem aceitos pela concessionária ou pelas outras distribuidoras.
Para isso, também deve versar sobre os critérios técnicos de entrada e a forma de remuneração dos ativos, dois pontos que têm sido motivo de discordância entre as distribuidoras que detém participação no mercado e outras que desejam acessar a infraestrutura.
A agência também estuda uma adoção de um modelo que crie a figura do operador logístico, responsáveis pela operação da infraestrutura de armazenamento para aeroportos estratégicos abastecidos por dutos.
Isso permitirá, por exemplo, que os locais sejam utilizados como hubs de distribuição para outros aeroportos independente da atuação da distribuidora em grandes aeroportos, como Guarulhos.
Porém, o tema não anda com tanta celeridade dentro da agência. A revisão das resoluções nº 17 e 18 de 2006 estão em análise desde 2019 e são constantemente incluídas – e postergadas – na agenda regulatória.
A saída da Petrobras do mercado de refino e o Novo Mercado de Gás demandou trabalho redobrado de regulação da agência nos últimos anos. Internamente, já se admite que mais uma vez a revisão das regras para o QAV pode ficar para o próximo ano.
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O que dizem as distribuidoras?
“A Air bp reafirma seu prestígio à livre concorrência e ao melhor atendimento, segurança e qualidade daqueles que usufruem dos aeroportos brasileiros.
Tais princípios norteiam a sua atuação e investimentos feitos em infraestrutura e nas operações de distribuição de QAV – atividade notoriamente sensível e complexa que exige experiência comprovada e compromisso com a segurança operacional.
Da mesma forma reiteramos a importância do regulador na manutenção da clareza e segurança jurídica como parte fundamental para viabilização do investimento no setor de aviação”.
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“A Raízen participa ativamente de diversas discussões setoriais que buscam um ambiente concorrencial isonômico, além de fazer recorrentes investimentos em infraestrutura para abastecer o Brasil em seus diversos modais.
Entendemos que o mercado de querosene de aviação tem oportunidades reais em andamento quando debatemos a questão do preço do produto, como o desinvestimento das refinarias da Petrobras, hoje fornecedora única e com produção insuficiente para atender a demanda nacional e os leilões portuários, que devem atrair mais investimentos no segmento, impulsionando a modernização e aumento de capacidade.
Também avaliamos que qualquer tipo de intervenção estatal na economia e no funcionamento do mercado constitui um retrocesso e um desincentivo a investimentos.”
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Procurada, a BR Distribuidora preferiu não se manifestar.
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