Existem muitas narrativas ao redor dos preços dos combustíveis no Brasil, antagônicas, politizadas e fortemente ideológicas.
Algumas delas defendem que a Petrobras deve ser utilizada para oferecer combustíveis mais baratos, uma vez que a Cia é estatal, grande produtora de petróleo e com a quase totalidade da capacidade de refino no país.
A esta narrativa pode-se intitular de o “Brasil-Arábia Saudita”.
Outra vertente fomenta que a Petrobras deve operar em mercado aberto, com um modelo de governança privado, que ela não deve fazer subsídios e que o melhor retorno social é o lucro gerado pela empresa e pelo ambiente competitivo.
Esta é a narrativa do “Brasil-Noruega”. A real condição do Brasil, apesar de encontrar pontos em comum com os dois países citados, é muito diferente, observe.
A Arábia Saudita
O desértico país do Oriente Médio, governado por uma monarquia absolutista, possui uma população próxima dos 34 milhões de habitantes e tem a exportação de petróleo como a principal atividade econômica no país.
Suas reservas de petróleo provadas são de quase 300 bilhões de barris, a segunda maior do mundo.
A produção média de petróleo saudita nos últimos cinco anos foi de 12 milhões de barris por dia (bpd), enquanto o consumo se situou em 3,8 milhões de bpd no mesmo período (consumo per capta de 40,8 barris).
Com uma produção três vezes superior consumo, operando em mercado fechado, onde a estatal Saudi Aramco coordena a produção e o refino de petróleo do país, os preços dos derivados são subsidiados pelo Governo.
Um comparativo de preços da gasolina e do diesel entre o Brasil e a Arábia Saudita pode ser observado no Quadro 1 a seguir.
Quadro 1 – Preços dos combustíveis Arábia Saudita e Brasil, fevereiro de 2021
Um dado interessante é que a capacidade de refino da Arábia Saudita, segundo dados da BP Statistical Review, estava em 2,8 milhões de bpd em 2019, enquanto o consumo de derivados era de 3,8 milhões de bpd.
Ao mesmo tempo, a Saudi Aramco possuía 6,4 milhões de bpd em capacidade instalada, isto é, a maior parte da capacidade instalada está fora da Arábia Saudita, tornando o reino saudita um importador líquido de pouco mais 1,0 milhão de bpd derivados de petróleo.
Tal situação pode parecer estranha para o segundo maior produtor de petróleo do mundo, mas é parte da estratégia dos sauditas para vender o petróleo deles mundo afora.
Constroem refinarias e centrais petroquímicas em outros países para utilizarem o óleo saudita, importando parte dos derivados produzidos por estas unidades de refino. Perde-se na margem de refino e logística, mas ganha-se em mercado.
A Noruega
O pequeno país escandinavo, uma democracia parlamentarista, possui uma população de pouco mais de 5 milhões de habitantes e tem a exportação de petróleo e gás como atividade relevante na economia, mas com uma pauta de exportações muito mais diversificada do que Arábia Saudita.
As reservas de petróleo provadas da Noruega são de aproximadamente 8 bilhões de barris.
A produção média de petróleo na Noruega nos últimos cinco anos foi de 1,9 milhão de barris por dia (bpd), enquanto o consumo se situou em 0,2 milhões de bpd no mesmo período (consumo per capta de 14,6 barris).
O mercado de petróleo norueguês possui uma produção nove vezes superior ao consumo, operando em mercado aberto, com grande participação das estatais Equinor e Petoro, que coordenam os investimentos e participações em produção de óleo e gás no país.
Ao contrário do que ocorre na Arábia Saudita, os preços dos combustíveis não são subsidiados na Noruega, sendo eles, inclusive, fortemente taxados pelo Governo norueguês.
Os recursos advindos da exploração e produção de petróleo compõem um fundo soberano, que hoje já acumula mais de 1 trilhão de dólares em recursos, com investimentos em variadas áreas.
A ideia é que a riqueza gerada pelo petróleo seja utilizada por gerações futuras, além de diminuir o peso do setor no PIB do país. Um comparativo de preços da gasolina e do diesel entre o Brasil e a Noruega pode ser observado no Quadro 2 a seguir.
Quadro 2 – Preços dos combustíveis Noruega e Brasil, fevereiro de 2021
A capacidade de refino da Noruega é de 340 kbpd, com duas refinarias instaladas no país, sendo a maior delas da Equinor (230 kbpd) e outra da Exxon (110 kbpd), o que lhes garante um excedente de capacidade de 60% acima do consumo. As duas refinarias atendem o consumo interno e operam como exportadoras líquidas de derivados no país.
O Brasil
O gigante da América do Sul, uma democracia republicana, possui uma população aproximada de 210 milhões de habitantes, a primeira grande diferença entre os países anteriormente citados. A população brasileira é 6 vezes maior do que a saudita e 42 vezes maior do que a norueguesa. A regulação do mercado de O&G no país difere também dos demais países utilizados na comparação.
A Petrobras exerceu o monopólio das atividades de exploração, produção e refino no Brasil de 1953 a 1997, quando a legislação mudou no sentido de abertura do mercado, através da Lei 9.478/97 que ficou conhecida como “Lei do Petróleo”.
Em 1997, a produção de petróleo da Petrobras atendia a 50% das necessidades do país, sendo a outra metade importada. O Brasil só passou a produzir volumes de petróleo superiores ao consumo a partir de 2006 e somente nos últimos anos é que as exportações do “ouro negro” brasileiro começaram a ganhar relevância.
As reservas de petróleo brasileiras provadas são de 12,7 bilhões de barris (sem contar com as reservas do pré-sal cujas estimativas conservadoras apontam para no mínimo três vezes este valor), ainda assim estamos muito longe dos sauditas.
A produção média de petróleo brasileira de 2015 a 2019 foi de 2,7 milhões de barris por dia (bpd), enquanto o consumo se situou em 2,4 milhões de bpd no mesmo período (consumo per capta de 4,2 barris). Estes números nos permitem inferir que a produção de petróleo no Brasil esteve muito próxima do consumo.
Não fossem os biocombustíveis, etanol e biodiesel, seríamos, inclusive, deficitários em volume de óleo equivalente.
Outro fator a ser considerado é que hoje parte significativa do petróleo produzido no Brasil é realizado por empresas privadas. Em 2019, por exemplo, a Petrobras foi responsável por 74% do petróleo produzido no país, enquanto 26% foi de outros concessionários.
Considerando apenas a parcela produzida pela Petrobras nos últimos cinco anos, o volume produzido pela estatal foi levemente inferior ao consumido no país, isto é, a parcela da estatal sozinha não garantiria a autossuficiência volumétrica ao país, embora tenha importância relevante neste feito (ver gráfico 1).
Gráfico 1 – Comparação da produção de petróleo Petrobras e o consumo do Brasil (Fonte: elaboração própria, a partir de dados Petrobras e BP Statistical Review).
De forma complementar, ao analisarmos o parque de refino brasileiro, observa-se que a capacidade instalada, da ordem de 2,2 milhões de bpd, é menor do que o consumo de derivados verificado no país nos últimos cinco anos. Como não há excedente de refino, o Brasil é hoje importador líquido de derivados.
A autossuficiência em derivados é bem mais complicada de se conseguir, pois demanda excedente de capacidade de refino, como o existente na Noruega, por exemplo, o que exige investimentos para aumentar a produção de derivados leves e para o escoamento intrarregional.
Isso tudo a preços que viabilizem tal ampliação da oferta interna de derivados, isto é, a preços de paridade de importação.
Em busca de um rumo
Os dados aqui apresentados deixam claro que o mercado de O&G no Brasil é muito diferente do da Arábia Saudita e da Noruega, em diversos aspectos. Regulação de mercado, tamanho das populações, produção, consumo e da taxação sobre petróleo e derivados, que regem distintamente cada nação.
Uma população seis vezes menor do que a brasileira, em um mercado fechado e abundância de petróleo, produzido a baixo custo, permite aos sauditas um subsídio nos preços dos combustíveis.
Isso leva os árabes a serem “esbanjadores” da commodity, com um consumo per capta de petróleo quase dez vezes superior ao brasileiro, o que os torna também grandes emissores de gases de efeito estufa.
Já a Noruega, com uma população pequena e com grande excedente de óleo comparado ao seu consumo, optou por taxar fortemente a produção de petróleo, gasolina e diesel, utilizando os recursos como poupança para as gerações futuras.
No Brasil, a partir das descobertas do pré-sal é que se vislumbrou a autossuficiência em petróleo, algo conquistado na Noruega há 45 anos e há mais de 60 na Arábia Saudita.
Muitos imaginam que a Petrobras deveria ser instrumento do Estado na precificação dos combustíveis, como fora durante o monopólio legal, a exemplo da estatal árabe Saudi Aramco.
O discurso esbarra em questões legais, uma vez que nosso mercado é aberto e conta hoje com dezenas de outros produtores independentes, além do volume de petróleo da estatal brasileira ser insuficiente para bancar qualquer benesse significativa como a que ocorre nas arábias.
O modelo de partilha de produção no Brasil, utilizado nos leilões das áreas do pré-sal, buscou espelhar-se no modelo norueguês, cuja estatal Equinor teve papel importante no desenvolvimento do setor de O&G no Mar do Norte.
Na Noruega, contudo, a estatal sempre esteve orientada às condições de mercado em relação aos investimentos e governança corporativa, com visão de gerar riquezas a longo prazo. Por lá, o modelo foi um sucesso, um case bastante estudado por profissionais da indústria de O&G. No Brasil, o desfecho foi diferente do imaginado.
Os números deixam claro que as condições que o Brasil dispõe para oferecer vantagens, leia-se subsídios, aos preços dos combustíveis são limitadas, assim como para fazer poupança de longo prazo a partir das receitas do petróleo.
Neste sentido, não se tem a “bonança” dos sauditas nem as condições da Noruega. Em relação aos preços dos combustíveis, é preciso trilhar um caminho próprio, voltado às particularidades do país, que converse com as potencialidades em bioenergia, inclusive.
A “dupla personalidade” do Brasil Arábia-Noruega tem reduzido a potencial geração de valor dos ativos de energia no país, atrasando a tão almejada prosperidade que as riquezas naturais podem oferecer. Entre o sol escaldante das areias do oriente médio e as águas geladas da península escandinava, o Brasil precisa encontrar o seu rumo.
REFERÊNCIAS
BP Statistical Review of World Energy June 2020. Disponível em: <https://www.bp.com/en/global/corporate/energy-economics/statistical-review-of-world-energy.html>. Acessado em fevereiro de 2020.
(ANP) Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis. Dados estatísticos. Disponível em: <https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/dados-estatisticos#>. Acessado em fevereiro de 2021.
PETROBRAS. Central de Resultados. Relatório de produção e vendas 2019. Disponível em: <https://www.investidorpetrobras.com.br/resultados-e-comunicados/central-de-resultados/>. Acessado em fevereiro de 2021.
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