Por Felipe Maciel e Gustavo Gaudarde
Impedir a venda direta de etanol entre fornecedores e postos, potencialmente, cria uma reserva de mercado para Ipiranga, Raízen/Shell e BR Distribuidora, em um mercado já extremamente concentrado, dificultando ou, até mesmo, limitando a concorrência no setor. A avaliação é do procurador chefe do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência, Walter de Agra Júnior, em despacho assinado no último dia 5 de dezembro, que conta com apoio na ANP.
O procurador está recomendando que a ANP reanalise o art. 2º, inciso VI e art. 6º da Resolução ANP nº 43/2009, o art. 31 e o art. 32 da Resolução ANP nº 58/2014, o art. 25º, §§ 2º e o 4º da Resolução ANP nº 41/2013. Diz que se a agência revogar ou modificar as normas pode afastar as distorções regulatórias existentes que propiciam a distorção concorrencial no mercado de distribuição de etanol e outros combustíveis e da revenda.
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O Cade também indica que a regra de fidelidade a bandeira implica em um potencial fechamento (market foreclosure) a praticamente todas as pequenas distribuidoras, que ficam impedidas de vender para quase 60% do mercado de varejista.
“Isto porque a fidelidade a bandeira veda que as pequenas distribuidoras forneçam para a maioria dos postos, que são bandeirados pelos três citados players, mas não veda que estes players forneçam para os postos não bandeirados”, comenta.
++ Despacho Nº 69-2018-PFE-CADE-CADE-PGF-AGU
Os efeitos negativos da fidelização das bandeiras vem sendo tratado pelo ANP e pelo governo. Relatório do grupo de trabalho formado por Fazenda, MME e ANP para analisar os impactos da venda direta do etanol entre usineiros e postos revendedores apontou em 21 de dezembro de 2018, que “é importante a reavaliação dessa restrição [exclusividade da bandeira] , em paralelo à eventual autorização da venda direta [do etanol]”, em linha com a conclusão do relatório do Cade.
A Plural, associação que representa as grandes distribuidoras, argumenta que o fim da obrigatoriedade da venda direta do etanol vai elevar custos logísticos e pode comprometer uma série de processos de controle ao longo da cadeia.
A associação defende que além do controle de qualidade do combustível, feito nas distribuidoras, a manutenção das regras vigentes permitem ganhos de escala na contratação de serviços que, na ponta, beneficiam o consumidor.
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“A liberação da venda direta pode gerar novos arranjos comerciais competitivos no setor, potencialmente aumentando a ineficiência da exclusividade na venda de combustíveis aos revendedores “bandeirados”. Sob este aspecto, a eliminação da regulação pública à fidelidade de bandeira já está sendo avaliada pela ANP e houve uma TPC específica para tratar do tema”, conclui o relatório.
++ Posição da Plural na íntegra
“[A regra atual permite] uma estrutura que distinga os papéis envolvidos (produtores, distribuidores e varejistas/consumidores) e apresente como vantagens economia de escala que permita negociações em grandes volumes e otimização de fretes. E ainda um relacionamento comercial sólido entre distribuição e revenda que facilite a concessão de crédito aos agentes que operam no varejo e capilaridade que garanta a presença do etanol em todos os estados do país (…)”, diz o comunicado da Plural.
++ Relatório completo do GT ANP/MME/Fazenda sobre venda direta do etanol
No relatório, argumenta-se que a liberação da venda direta no caso específico do etanol, ficará limitada aos postos de bandeira branca, porque mesmo sem a exigência de os usineiros venderem para as distribuidores, os postos embandeirados continuação com a restrição contratual.
++ Fazenda recomenda novo projeto no Congresso para liberar venda direta do etanol
A TPC (tomada publica de contribuições) citada foi aberta pela ANP em setembro de 2018 e concluída dois meses depois. A íntegra das contribuições e o relatório da agência, que pode sugerir mudanças na regulação, ainda não foram publicados.
A Agência Nacional de Petróleo (ANP) afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que está alinhada com o Cade e que já se manifestou favoravelmente à venda direta de etanol.
++ Quem é contra (e quem é a favor) da venda direta de etanol
“A Nota Técnica do Grupo de Trabalho consolida a análise das contribuições recebidas e conclui que não há óbices regulatórios para a venda direta de etanol das usinas, restando a questão tributária do PIS/COFINS e do ICMS, o que também já foi objeto de manifestação de GT do Ministério da Fazenda do qual a ANP participou. É importante observar que mudanças nas resoluções existentes precisam passar pelo devido processo, que prevê consulta e audiência públicas.”, diz nota enviada pela agência.
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Preços
A partir dos dados de preço de venda de combustíveis no varejo, coletados pela ANP até junho de 2018, é possível notar que, considerando as médias regionais, de fato os postos bandeira branca, sem acordo comercial com distribuidoras, vendem etanol e diesel mais barato.
No caso do diesel, a diferença entre as médias dos postos com bandeira em relação aos de bandeira branca é crescente nos últimos anos, mas variando de 1% a 3% mais caro nos postos embandeirados. No caso do etanol, a diferença é maior, mas a curva é inversa: enquanto os preços sobem, a diferença entre os modelos comerciais está caindo.
Nota: os gráficos levam em conta dados disponíveis nesta sexta-feira (25) no site da ANP, referentes aos levantamentos feitos até junho de 2018. Optou-se por excluir o zero do eixo dos preços para dar mais destaques às diferenças de preços.
Discussão no Congresso
O Senado Federal aprovou o Projeto de Decreto Legislativo nº 61 em junho de 2018, que exclui a exigência normativa da ANP, liberando a venda direta do etanol. Atualmente, o projeto está na Câmara dos Deputados. Também tramita o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) de Sustação de Atos Normativos do Poder Executivo nº 916/2018, com o mesmo objetivo e tramita na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados.
A epbr procurou as distribuidoras Raízen, BR e Ipiranga. As empresas informaram que suas posições são manifestadas pelo posicionamento da Plural, associação que representa as distribuidoras.
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As resoluções
O ofício do Cade pede que a ANP reanalise “para, se assim entender, revogar ou modificar” três resoluções, editadas entre 2009 e 2013.
— Art. 2º, inciso VI (modificado em 2011) e art. 6º da Resolução ANP nº 43/2009
O texto estabelece, no art. 2º, que o fornecedor de etanol (produtor, cooperativa, importador ou comercializador) não pode exercer as atividades de distribuição ou revenda varejista de combustíveis líquidos; e no 6º, que a venda só pode ser feita para outro produtor, distribuidores autorizados pela ANP ou para o mercado externo. É a resolução alvo dos projetos de lei que pretendem liberar a venda direta do etanol.
++ Setembro, 2018: Pressão pela venda direta de etanol reduziu no Congresso, diz deputado
— Art. 31 e art. 32 da Resolução ANP nº 58/2014, modificados, respectivamente, em 2018 e 2015
É a resolução que impede a venda de combustível para postos que optaram pela bandeira de um distribuidor concorrente, garantindo a fidelização da marca (art. 32). E define, no art. 31, que a capacidade de armazenagem e de distribuição das distribuidoras apenas poderão ser complementadas por outro distribuidor; por terminal autorizado pela ANP; fornecedor de etanol, exclusivamente para o anidro; e refinaria de petróleo (incluída em agosto de 2018). O etanol anidro é misturado à gasolina.
— Art. 25º, §§ 2º e 4º da Resolução ANP nº 41/2013
Também prevê a fidelização do varejista que deve “adquirir, armazenar e comercializar somente combustível automotivo fornecido pelo distribuidor do qual exiba a marca comercial” (art. 25, § 4º).