FT vs. HEFA

SAF de vinhaça de cana quer disputar mercado com coprocessado e macaúba 

Geo prevê a construção de uma planta em São Paulo para produzir SAF, acoplada a uma unidade de biogás já existente

Usina de biogás da Geo biogas, em Tamboara/PR (Foto Divulgação)
Usina de biogás da Geo biogas, em Tamboara/PR (Foto Divulgação)

RIO — A corrida para produzir combustível sustentável de aviação (SAF) no Brasil ganhou um novo competidor — e com uma rota tecnológica que aposta nos resíduos. 

Enquanto avançam projetos baseados em óleo vegetal, como o coprocessado da Petrobras e o SAF de macaúba da Acelen, a Geo biogas quer provar que a vinhaça e a torta de filtro da cana-de-açúcar podem dar origem ao querosene renovável “mais competitivo do mundo”, com menor pegada de carbono e maior aceitação internacional.

O projeto desenvolvido pela empresa com tradição na produção de biogás a partir de resíduos de biomassa do setor sucroenergético, em parceria com a Agência Alemã para Cooperação Internacional (GIZ), prevê a construção de uma planta em São Paulo para produzir SAF, acoplada a uma unidade de biogás já existente. 

“O primeiro passo é a transformação desse resíduo [vinhaça e torta de filtro] em biogás e, depois, usá-lo para a produção do SAF. O biogás é formado de metano e CO2. Esse CO2, como não veio de queima, é considerado biogênico”, explica Allyson de Oliveira, diretor de Tecnologia da Geo, em entrevista à agência eixos

Incluída recentemente nas prioridades do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a biorrefinaria será, inicialmente, um piloto em escala industrial, com início de implementação no ano que vem.

“Nessa primeira fase estamos falando de 100 a 150 mil litros por ano”, diz Oliveira. 

A ideia é usar essa etapa para superar barreiras regulatórias e de certificação. Em uma segunda fase, a produção pode chegar a 200 ou 300 mil litros anuais, com a inclusão de um eletrolisador para produção concomitante de e-SAF.

O investimento total é de cerca de 7,8 milhões de euros, dos quais 1,5 milhão vem do Ministério da Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha, implementados pela GIZ no programa develoPPP.

Certificação e vantagem competitiva no Corsia

Um dos principais entraves para rotas de SAF é a contabilidade de carbono e a aceitação nos mercados internacionais, especialmente quando se trata de matéria-prima oriunda de oleaginosas, como a soja, que enfrentam grandes questionamentos sobre seu impacto no desmatamento e na competição com alimentos.

Oliveira afirma que a rota de produção de SAF a partir de torta de filtro e vinhaça foi aprovada recentemente pelo Corsia, o esquema internacional de compensação e redução de carbono da aviação civil. 

O processo envolveu órgãos reguladores brasileiros, como Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), e apoio internacional, como da GIZ. Segundo ele, o resultado é uma rota com uma das menores intensidades de carbono do programa. 

“A partir dos resíduos, estamos na menor faixa de intensidade de carbono do Corsia. Então, o nosso bônus do Corsia seria o máximo”, conta.

Na prática, isso se traduz em vantagem econômica e um grande diferencial competitivo no mercado global.

“Nossos estudos iniciais apontam para o SAF mais competitivo do mundo, quando a gente usa essa rota”.

Disputa com coprocessamento e oleaginosas

O avanço da Geo ocorre em um cenário de competição com outras rotas. 

No Brasil, recentemente, a Vibra anunciou que passará a abastecer dois voos com SAF importado, produzido a partir de óleo de cozinha usado.

Já a Petrobras divulgou o lançamento do primeiro SAF produzido totalmente no Brasil, mas via coprocessamento. Além desses, há o projeto da Acelen, que prevê inicialmente o uso de óleo de soja e, em uma segunda fase, de macaúba

Para Oliveira, cada rota tem seus méritos, mas também limitações claras.

“A macaúba é uma rota que ainda exige um desenvolvimento técnico a ser feito”, pontua. 

Já no caso do coprocessamento, a intensidade de carbono do produto final ainda fica próxima à do fóssil. “Temos ali 1, 2, 3% de redução. É muito esforço para pouco lucro”, comenta o diretor da Geo.

Sobre rotas baseadas em óleo de cozinha usado, ele destaca que não há óleo de fritura suficiente no mundo para atender toda a aviação e a logística de coleta impõe gargalos relevantes.

Neste cenário, os resíduos da cana oferecem escala, ainda mais no Brasil.

“Quando falamos de torta de filtro, vinhaça, bagaço e outros resíduos, o potencial é de atender toda a demanda de querosene de aviação do Brasil. Não é só a demanda de SAF, é a demanda de querosene de aviação”. 

Do ponto de vista tecnológico, a Geo aposta na rota Fischer-Tropsch, que transforma o gás metano em líquido.

“É uma rota que está em utilização na Alemanha há mais de um século”, defende. O desafio, segundo ele, é adaptar essa tecnologia à escala do biogás.

Garantias ao mercado europeu

Para Bernd Mayer, diretor do projeto develoPPP para produção de SAF a partir de resíduos de biomassa implementado pela GIZ Brasil, o caráter inovador foi decisivo para o apoio alemão.

Ele conta que a ideia de produzir SAF a partir de resíduos da cana chamou atenção desde o início.

“A vantagem é que o Brasil tem muito agronegócio, o feedstock, o resíduo orgânico é abundante. O potencial para essa rota é enorme”.

Mayer, contudo, ressalta que a certificação é um dos maiores desafios.

“A primeira pergunta que fazem, especialmente no mercado europeu, é: como você garante que a matéria-prima é resíduo?”

Segundo ele, garantir a certificação de toda a cadeia é fundamental para atrair offtakers europeus e investidores. 

“Com isso você vai dar uma segurança para as pessoas e também para potenciais investidores”.

Mayer lembra ainda que, embora o processo Fischer-Tropsch não seja novo, o tipo de resíduos utilizados e adição de eletrólise são inéditos. 

“Nada é novo. Só que juntar todos esses processos para a produção de SAF e ainda uma eletrólise é absolutamente novo”.

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