Última flor do Lácio, inculta e bela,
És a um tempo, esplendor e sepultura:
ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela.
Esta é a primeira quadra do soneto Língua Portuguesa, do príncipe dos poetas parnasianos brasileiros, Olavo Bilac. Este soneto, forma preferida pelos poetas parnasianos, guarda uma série de características fundamentais ao movimento, como o uso de linguagem culta, descrições detalhadas e rigor na métrica e nas rimas.
Com a metáfora do primeiro verso, Bilac afirma que a Língua Portuguesa foi a última língua neolatina originária do latim vulgar falado na região italiana do Lácio.
No segundo verso, exalta a nova língua, descendente do latim, em esplendor, com o uso em ascensão.
Mas, ao mesmo tempo em que a língua portuguesa tem seu uso mais disseminado, acaba por promover a morte do latim levando a sua sepultura.
Nos últimos versos, realça que o português — da mesma forma que o latim vulgar, como uma matéria bruta minerada — também estaria sendo lapidado pelo uso.
Qual a relação disso com a questão de diesel e o Diesel R? Entre as riquezas que a língua portuguesa apresenta, citamos as palavras polissêmicas, aquelas que têm mais de um significado, mas que compartilham uma origem etimológica comum.
Algumas vezes, são termos que adquiriram significados diferentes ao longo do tempo. O próprio último verso da quadra tem um exemplo disso.
“Vela” pode significar uma peça composta de um combustível sólido cuja chama serve para iluminar, tecido forte e resistente que se prende a uma estrutura para capturar a energia dos ventos como embarcações e moinhos, um elemento de matéria porosa, que serve para purificar a água, a medida física de intensidade luminosa ou ainda uma peça do motor de combustão ciclo Otto a carburação.
Porém, no caso específico do poema, trata do ato de permanecer em vigília, vigiar, guardar — os cascalhos guardavam a matéria bruta.
Fique explícito, portanto, que o próprio significado varia com o tempo, a tecnologia e a visão da sociedade sobre o tema. Assim, podemos afirmar que, no Brasil, somente pode ser denominado de diesel o produto comercial que atende aos parâmetros da legislação vigente.
Atualmente no país, pode ser considerado diesel pronto ao consumo final, um produto que tenha adição no mínimo de 15% de biodiesel e de acordo com a resolução da ANP de primeiro de agosto de 2025.
Portanto, o produto que a Petrobras de forma tão orgulhosamente anunciou estar fornecendo para transporte rodoviário e geração de energia da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) tem, potencialmente, 25% de carbono de origem não fóssil.
Ao realizar o coprocessamento de biomassa em suas unidades de processo, os hidrotratamentos de diesel, além de atender o teor máximo legal de enxofre, a empresa efetivamente reduz adicionalmente a quantidade de carbono fóssil na parcela mineral do diesel.
Em tempo: o chamado Diesel R, do mesmo modo que Diesel A, são produtos comercializados apenas para distribuidoras de combustíveis, que abastecem postos em todo o país sendo destinados à formulação de Diesel B no Brasil.
Isto somente corrobora o fato que quando tratamos de diesel, como produto final no Brasil, obrigatoriamente teremos a adição de biodiesel.
Alguns comentários adicionais, apenas de intuito didático.
O óleo diesel mineral é uma mistura complexa de hidrocarbonetos (compostos apenas com carbono e hidrogênio), obtida a partir do refino do petróleo, enquanto o biodiesel é composto por ésteres alquílicos de ácidos graxos obtidos pela transformação química dos triglicerídeos existentes na biomassa, principalmente óleos vegetais e gorduras animais.
Foi adotado por convenção denominar-se biodiesel ao produto obtido pelo processo de esterificação de biomassa, onde as gorduras são decompostas e reagem com metanol para produzir um produto final semelhante ao diesel.
Portanto o biodiesel puro (B100) é um combustível composto 100% por ésteres de ácidos graxos derivados de óleos vegetais ou gordura animal.
Este composto difere da composição química do diesel mineral para o qual os motores diesel são projetados.
Assim, o biodiesel puro, além de oferecer benefícios na eliminação de emissões de gases de efeito estufa, também reduz emissões de alguns outros poluentes.
Porém, ele apresenta algumas desvantagens como menor conteúdo de energia, degradação ao longo do tempo devido ao crescimento microbiano e incompatibilidades com os motores a diesel convencionais, entre outras.
Existem poucos casos no mundo atualmente de utilização prática de combustível 100% sustentável no que tange à eliminação de emissões de gases de efeito estufa.
Um dos casos é do Brasil, com utilização do veículo leve de motor ciclo Otto flex que potencialmente pode rodar com combustível 100% de origem de biomassa, no caso álcool etílico.
A utilização de motor ciclo diesel, com combustível 100% de origem de biomassa, no caso do biodiesel de transesterificação, tem sido restrito a alguns países e frotas específicas.
Em tempo, o Diesel R 10, composto por lei de 15% de biodiesel e adicionais 10% de carbono não fóssil, incluídos no processamento na refinaria substituindo o carbono mineral, é uma afirmação da realização da transição energética justa, conciliando produção de óleo e gás com foco em baixo carbono e desenvolvimento de energias mais limpas e sustentáveis.
Realça-se que um diesel com 25% de teor de carbono não fóssil supera a maioria dos mandatos atualmente existentes pelos diversos países, e não se trata de um suprimento especial extemporâneo, mas sim de uma produção que está planejada e sendo investida para ser continuada no Brasil.
A maioria dos países utiliza misturas com diesel fóssil, como B5 (5% biodiesel + 95% diesel), B10, B20 etc., principalmente por questões de custo, disponibilidade de matéria-prima e compatibilidade com motores.
E mesmo no Brasil, o biodiesel de rota de transesterificação é originado em até 15% a partir de gordura animal.
Deve ser considerado, portanto, no mínimo, algum comedimento ou ponderação prévia antes de serem lançadas críticas à atuação de qualquer empresa que procura reestabelecer o equilíbrio no seu ambiente de negócio visando a garantir a própria sobrevivência e atendendo os requisitos das dimensões socioeconômica e ambiental, que justamente vem a ser atingir a tal sustentabilidade.
Em especial no caso da Petrobras, empresa criada há mais de 70 anos com uma missão, atualmente redigida na seguinte forma: prover energia que assegure prosperidade de forma ética, justa, segura e competitiva.
E cujo conjunto de valores podemos ousar resumir em uma frase simples: cuidado com as pessoas, integridade, sustentabilidade, inovação e compromisso com a empresa e com o país. [1]
Sustentabilidade
Como mensurarmos se estamos efetivamente, tornando o planeta mais sustentável? A análise dimensional é uma ferramenta da física usada para verificar a consistência de equações e prever fórmulas, baseando-se no princípio de que todos os termos de uma equação física devem ter as mesmas dimensões.
Ela expressa grandezas físicas em termos de dimensões fundamentais, como massa (M), espaço (L) e Tempo (T). Sob essa ótica, fica claro que sustentabilidade é um valor que deve ser medido no tempo.
Qualquer tempo que ganhamos, qualquer impacto que adiamos, qualquer recurso natural que podemos postergar o uso, estamos ganhando sustentabilidade.
Nesta visão, não cabe qualquer reclamação ou crítica quanto a eventual solução não ser perfeita ou não atender plenamente a expectativa de algum agente específico da sociedade.
O não banimento imediato das emissões de gases do efeito estufa não deve gerar a imputação de culpa a qualquer dos agentes atuais do mercado.
Em especial quanto ao uso de energia, a sociedade humana em 200 anos multiplicou o uso deste precioso recurso em algumas milhões de vezes, comparado ao crescimento populacional.
Esta fantástica disponibilidade energética, nos propiciou desenvolvimento humano, conforto, longevidade e desenvolvimentos tecnológicos que historicamente, residiam nos nossos mais loucos sonhos.
A tarefa de substituição da forma de que vimos utilizando esse recurso não é simples e nem isenta de polémica.
Não é à toa que estamos na 30ª conferência discutindo o mesmo tema, apesar de haver concordância, já há muito tempo, que dominamos os meios para se não eliminar, pelo menos mitigar criticamente os impactos.
Portanto qualquer redução de emissão por menor que seja, nos provê um bem extremamente precioso — o tempo.
Carlos Augusto Arentz Pereira é professor adjunto do Departamento de Engenharia Sanitária e Meio Ambiente da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
[1] https://petrobras.com.br/quem-somos/estrategia
