Biocombustíveis

Projeto Combustível do Futuro: uma boa iniciativa que precisa de ajustes

Por Roberto Ardenghy, Valéria Lima e Sylvie D’Apote

Projeto Combustível do Futuro é fruto de ampla discussão e contribuição de diferentes atores da sociedade, mas precisa de ajustes. Na imagem: Sessão deliberativa no Plenário para discussão e votação de propostas, em 20/12/2023 (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
Pela ampla participação da sociedade na discussão, o IBP apoia o projeto (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

O Projeto de Lei 4516/23, batizado de Combustível do Futuro, enviado à Câmara dos Deputados pelo Governo Federal em 2023, apresenta um conjunto de medidas visando a ampliar o uso de combustíveis sustentáveis e de baixa intensidade de carbono na matriz de transportes brasileira e o incremento de eficiência energética dos veículos.

O texto proposto pelo Executivo foi fruto de ampla discussão e contribuição de diferentes atores da sociedade civil, entre agentes privados, entidades setoriais e entes públicos no âmbito do Programa Combustível do Futuro, instituído pelo CNPE em 2021 e coordenado pelo Ministério de Minas e Energia (MME).

Pela ampla participação da sociedade na discussão desta matéria, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), representante das principais empresas do setor de petróleo, gás e combustíveis, apoia o projeto.

O texto do Executivo apresenta, de forma objetiva, proposições importantes para que o país amplie a descarbonização da mobilidade, incorporando o desenvolvimento de rotas tecnológicas mais modernas para produção de biocombustíveis, a exemplo do diesel verde (HVO) e do combustível sustentável de aviação (SAF).

Produtos estes que, além de apresentarem uma queima mais limpa, podem ser utilizados em motores e equipamentos existentes sem necessidade de adaptações, devido à sua característica drop-in. Ou seja, promovem o adensamento tecnológico da economia preservando a infraestrutura existente.

Outro ponto a ser elogiado no texto do PL é a implementação de um mandato de descarbonização para o setor de aviação, para além das tradicionais metas de percentuais volumétricos de mistura de biocombustíveis aos combustíveis fósseis.

Essa proposta está em linha com modelos adotados em outros países, de forma bem-sucedida, e incentiva a utilização de meios alternativos para atendimento das metas de redução de emissões, incluindo a mistura de SAF com o querosene de aviação fóssil. Isso gera maior flexibilidade, promove a inovação, eficiência e competitividade no setor.

Entretanto, o IBP entende que alguns pontos da minuta de substitutivo do PL, apresentada pelo relator (embora preserve boa parte do texto original) necessitam de maior aprofundamento, pois não foram amplamente debatidos previamente com a sociedade.

Mistura obrigatória

O primeiro deles, refere-se à proposta de elevação dos teores de mistura de biodiesel éster no diesel para 20% até 2030, e 25% após 2031, sem a necessidade da comprovação de viabilidade técnica que leve em conta os impactos técnico-mecânicos, econômicos e ambientais da medida.

É importante mencionar que para a elevação do percentual do etanol anidro na gasolina para 35% a proposta legislativa prevê, de forma correta, a realização de testes. Causa preocupação que o mesmo dispositivo não seja aplicado ao biodiesel.

O IBP considera fundamental manter a isonomia de tratamento entre biocombustíveis com a exigência de testes para elevação dos teores de mistura.

Autoridade do CNPE

Esta isonomia deve também ser aplicada quanto à autoridade do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE – de definir os percentuais anuais aplicados aos mandatos de cada biocombustível, a partir do limite máximo definido em Lei.

O CNPE é o órgão de assessoramento do presidente da República para formulação de políticas e diretrizes de energia com visão estratégica sobre as necessidades, as oportunidades e as ameaças ao país. O texto original do substitutivo traz limitações à atuação do Conselho, o que pode colocar em risco a segurança de abastecimento no país.

Cabe reforçar ainda que a definição de aumento de mistura de biodiesel éster no diesel comercializado nacionalmente deve permitir que as alterações necessárias tanto na infraestrutura como na logística sejam feitas em tempo hábil, sob pena de gerar uma corrida por produto e por caminhões para transportá-lo, com potencial elevação de preços e riscos ao abastecimento.

Adicionalmente, vale reconhecer que a proposta de lei avança com a introdução do diesel verde. Mas além dele, é fundamental que a política pública tenha um olhar abrangente e recepcione continuamente outras tecnologias inovadoras de produção.

Tecnologias mais modernas que permitam o incremento da mistura e que sejam compatíveis com a evolução dos motores, cujo limite de emissões estão cada vez mais rigorosos e exigem combustíveis com elevado teor de pureza.

Em resumo: a diversidade de rotas e de produto estimula a competição a qualidade e a eficiência, com óbvios benefícios ao consumidor. Este movimento, naturalmente, contribuirá para o processo de modernização da indústria nacional, alinhando o potencial agrícola brasileiro e promovendo a ampliação do uso de biomassa.

Esta competição deve ser completa, prevendo também a abertura da importação para o biodiesel éster, único produto dentre todos os combustíveis comercializados no país que tem a sua importação interditada.

Programa Nacional de Biometano

Outro ponto de preocupação do IBP está na introdução, no substitutivo do Projeto de Lei, do Programa Nacional de Biometano sem o devido debate e avaliação técnica e econômica.

É preciso deixar claro que o somos favoráveis à inserção do biometano na matriz energética nacional, tendo em vista sua complementariedade com o gás natural e seu potencial de descarbonização da cadeia do gás natural.

Porém, o tema não guarda relação direta com a mobilidade e a forma como o PL endereça a ampliação do biometano na matriz energética, impondo a compra obrigatória do energético (ou de certificados de origem) pelos produtores e importadores de gás natural, necessita de maior análise e discussão com a sociedade, pois pode gerar ineficiências nas estratégias de descarbonização tantos dos produtores quanto dos consumidores de gás natural e colocar em risco políticas do governo federal que visam aumentar a oferta e a competitividade do gás, para gerar crescimento econômico no país.

O IBP considera, portanto, crucial o aprofundamento dos pontos acima mencionados para que possamos construir um arcabouço regulatório e legislativo transparente e objetivo e um ambiente de negócios atraente com previsibilidade e segurança jurídica. Dessa forma, conseguiremos avançar na descarbonização da economia e colocar o Brasil em papel de destaque – e com competitividade – no processo da transição energética.

Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás – IBP (Foto: Divulgação)
Roberto Ardenghy
Valéria Amoroso Lima, diretora executiva de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás – IBP (Foto: André Luiz Mello/Divulgação)
Valéria Lima
Sylvie D’Apote, diretora executiva de Gás Natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás – IBP (Foto: Divulgação)
Sylvie D’Apote

Roberto Ardenghy é presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).

Valéria Amoroso Lima é diretora executiva de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).

Sylvie D’Apote é diretora executiva de Gás Natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).