Guerra tarifária

Por que o mercado brasileiro de etanol está na mira do tarifaço de Trump?

Etanol e açúcar ficam fora de lista de isenções do tarifaço de Trump sobre produtos brasileiros

Presidente Donald Trump assina ordens executivas para apoiar a indústria do carvão durante evento 'Unleashing American Energy', em 8 de abril de 2025 (Foto Casa Branca)
Donald Trump assina ordens executivas para apoiar a indústria do carvão durante evento 'Unleashing American Energy' (Foto Casa Branca)

BRASÍLIA — A Casa Branca publicou nesta quarta (30/7) a ordem executiva do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, oficializando a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros e, ao contrário da primeira declaração de Trump, não será para tudo.

Petróleo e derivados estão isentos, assim como minério de ferro, celulose e aeronaves, altamente relevantes na pauta do comércio Brasil-EUA

Mas não há menção a etanol ou açúcar entre as isenções, indicando que, a princípio, esses produtos estão sujeitos às taxas — e podem ser objeto de negociações entre os dois governos. 

Na última terça (29/7), a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, reconheceu, em entrevista à Globonews, que etanol e terras raras estão entre as questões a serem resolvidas nas negociações em torno da tarifa de 50%.

O acesso ao mercado brasileiro de etanol está entre os principais alvos da investigação aberta pelos Estados Unidos em 15 de julho.

O processo foi iniciado, a pedido de Donald Trump, pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR, na sigla em inglês), com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974.

Ela determina apuração sobre práticas que supostamente prejudicam o comércio internacional norte-americano para concluir se há ou não irregularidades e, então, punir ações consideradas discriminatórias com sanções aos países-alvo.

No caso do etanol, a investigação vai analisar se atos, políticas e práticas adotadas pelo governo brasileiro são consideradas arbitrárias, discriminatórias e oneram ou criam barreiras ao comércio estadunidense, incluindo possíveis restrições à entrada do biocombustível dos EUA no Brasil.

Na visão do USTR, o Brasil “desistiu de oferecer tratamento praticamente livre de tarifas para as exportações americanas de etanol em caráter recíproco” e, em vez disso, agora aplica uma tarifa “substancialmente mais alta” ao produto importado.

Atualmente, o Brasil cobra 18% de tarifa sobre o etanol importado, enquanto os EUA aplicam 2,5% sobre o etanol brasileiro.

A cota tarifária (CTQ) sobre a importação do etanol de fora do Mercosul começou a ser aplicada em 2017, com uma alíquota de 20%, e é uma medida para equilibrar a concorrência com o mercado interno, especialmente no Nordeste, onde a produção é menos competitiva.

De acordo com dados da consultoria Datagro, de fevereiro de 2023 a junho de 2025, o Brasil importou 204,14 milhões de litros do biocombustível norte-americano, por um valor total de US$ 97,82 milhões.

Mas a conta não é simples. A cota do etanol norte-americano busca compatibilidade com as tarifas aplicadas pelos Estados Unidos ao açúcar brasileiro. Ou seja, para que o Brasil abra seu mercado para o biocombustível, os EUA precisariam aumentar a cota de importação do adoçante.

Ciúmes da Índia

Os EUA são os maiores produtores de etanol no mundo, com cerca de 58 bilhões de litros/ano. O Brasil vem em seguida, com cerca de 37 bilhões de litros em 2024.

Diferente do Brasil, onde a cana é predominante, o etanol estadunidense é baseado no milho. E essa diferença dá vantagem ao produto brasileiro no comércio internacional.

Por ter uma pegada de carbono menor, o etanol de cana tem ganhado mercados, inclusive nos EUA, para cumprir mandatos de descarbonização.

E recentemente o país sul-americano tem construído parcerias para alavancar ainda mais o biocombustível como uma solução de transição energética.

Exemplo disso é a Aliança Global de Biocombustíveis (GBA, na sigla em inglês) lançada pela Índia, em 2023, quando presidiu o G20. Brasil e EUA (então sob a liderança de Joe Biden) são os cofundadores.

De lá para cá, o Brasil tem aprofundado suas relações com a Índia, entre outros países da Ásia, em busca de novos consumidores para o etanol brasileiro — o que despertou o ciúme de Trump.

Isso fica claro no documento da USTR, onde o Brasil é acusado de reduzir tarifas para parceiros comerciais como Índia e México.

“Nesses acordos, o Brasil concede tratamento tarifário preferencial mais baixo apenas a certos grandes parceiros comerciais em setores específicos, incluindo setores nos quais esses parceiros comerciais são globalmente competitivos”.

“Esse tratamento preferencial se aplica a centenas de produtos em vários setores, como produtos agrícolas, veículos automotores e peças, minerais, produtos químicos e máquinas”.

Confira a lista de 694 produtos que não serão taxados pelos EUA.

Barreira ambiental

A emissão de créditos de descarbonização (CBIOs) no RenovaBio é mais um argumento usado por Trump para atacar as relações comerciais com o Brasil.

Em abril, o governo dos EUA chegou a mencionar a política brasileira de incentivo aos biocombustíveis em seu relatório anual sobre barreiras comerciais que prejudicam os exportadores norte-americanos.

Além da crítica à tarifa de 18% sobre o etanol dos EUA, o Renovabio é tratado no documento como política não-tarifária

“Os produtores não brasileiros de biocombustíveis não são elegíveis para participar e se qualificar para créditos de carbono no âmbito do programa”, diz o relatório. 

“Os Estados Unidos continuam a se envolver com o Brasil, inclusive por meio de comentários formais sobre as recentes revisões preliminares do RenovaBio, para instar o Brasil a revisar suas regulamentações e permitir que os produtores americanos sejam tratados igualmente no programa”, completa.

O coração do RenovaBio é a emissão e comercialização de créditos de descarbonização que remuneram a eficiência energética e ambiental na produção de biocombustíveis. Cada CBIO equivale a uma tonelada de carbono que deixou de ser lançada na atmosfera no processo.

Estrangeiros podem se certificar para participar do programa e emitir créditos, mas apenas uma empresa norte-americana tentou certificação no programa até então, de acordo com informações da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

É o pedido da Plymouth Energy LLC, produtora de etanol de milho sediada em Iowa, no centro-oeste dos EUA. O biocombustível será importado pela Copersucar.

A consulta pública da certificação foi encerrada e em 31 de março a firma inspetora encaminhou para a ANP relatório final para análise e aprovação.

Neste meio tempo, a ANP também atualizou as regras de certificação no programa — uma discussão iniciada em 2023 — definindo critérios de elegibilidade de produtores de biocombustíveis estrangeiros.

Tanto brasileiros quanto estrangeiros precisam cumprir com a regra básica de não supressão de vegetação nativa desde 27 de novembro de 2018. Mas no caso dos produtores nacionais, é preciso também estar com Cadastro Ambiental Rural (CAR) ativo ou pendente.

E30 dá espaço para importação

O início das tarifas de Trump coincide com a entrada em vigor, no Brasil, do aumento da mistura de etanol na gasolina, de 27% para 30% em 1º de agosto.

O que significa aumento de demanda para o anidro, dando alguma margem para importação do biocombustível, de acordo com pesquisa da Argus.

A consultoria aponta um espaço para importações da ordem de 400 mil a 800 mil m³ de etanol até o fim da safra de cana-de-açúcar, em março de 2026 — volume que não é registrado há pelo menos quatro anos.

Significa uma média entre 50 mil a 100 mil³ por mês até o encerramento do ciclo. A título de comparação, o Brasil importou 25 mil m³ de etanol por mês, em média, no primeiro semestre de 2025, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

A Argus analisa ainda que a maior parte dos lotes deve ser originada nos Estados Unidos e entregue no Nordeste, principalmente nos portos de Itaqui (MA) e Suape (PE), em função da proximidade geográfica.

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