RIO — A recente disputa comercial entre Brasil e Estados Unidos em relação ao etanol tem mobilizado o setor sucroenergético brasileiro e levantado questionamentos sobre os impactos para a indústria nacional.
Enquanto os EUA reivindicam uma redução na tarifa de 18% imposta pelo Brasil ao etanol importado, o governo brasileiro sugere a negociação de tarifas sobre o açúcar como contrapartida.
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), tem conversado com representantes do governo norte-americano, que esperam uma concessão brasileira sobre o etanol antes de avançar nas negociações.
Atualmente, o Brasil aplica uma tarifa de 18% sobre o etanol importado, enquanto os EUA cobram 2,5% sobre o produto brasileiro. Em medida anunciada em fevereiro, Donald Trump anunciou “tarifas recíprocas”, citando o biocombustível.
Em resposta à pressão norte-americana, o Brasil propôs discutir a redução da tarifa sobre o açúcar brasileiro, que hoje enfrenta uma taxa de 80% sobre volumes que excedam a cota anual de 146 mil toneladas.
Atributo ambiental
A União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) é crítica à inclusão do etanol no Memorando de Tarifas Recíprocas anunciado por Donald Trump, considerando a medida um retrocesso no combate às mudanças climáticas.
“A medida pretende colocar no mesmo patamar o etanol produzido no Brasil e nos Estados Unidos, embora possuam atributos ambientais e potencial de descarbonização diferentes, e portanto não faz sentido falar em reciprocidade”, disse a entidade em nota enviada à agência eixos.
Para a Unica, caso a medida se confirme, será “mais um passo dos Estados Unidos rumo ao abandono à rota de combate à mudança do clima”.
Impactos econômicos para a indústria
A entrada de etanol norte-americano poderia impactar pontualmente o mercado brasileiro, sobretudo o Nordeste, que historicamente importa etanol anidro dos EUA para suprir demandas na entressafra, avaliam especialistas.
No entanto, a StoneX considera que o impulso dado pelo uso do milho na produção nacional de etanol reduz a necessidade de importações, minimizando impactos na oferta e nos preços internos.
“O Brasil é um grande produtor de etanol, o que garante sua autossuficiência. A possível redução de tarifa ao biocombustível importado poderia permitir a entrada de mais etanol no Brasil, apenas se houver algum problema de oferta doméstica”, explica Marcelo Bonifácio Filho, analista de Inteligência de Mercado de Açúcar e Etanol da StoneX, em entrevista à agência eixos.
Já a Pecege Consultoria e Projetos enxerga riscos na competição entre os produtos derivados do milho.
“A diminuição ou eliminação dessa tarifa tornaria o etanol de milho norte-americano mais competitivo em relação ao produzido internamente, especialmente durante períodos de entressafra da cana-de-açúcar, quando a oferta doméstica é menor, em especial no Nordeste brasileiro”, analisa Haroldo Torres, sócio do Pecege.
Governo estuda E30
O Ministério de Minas e Energia (MME) marcou para 17 de março a apresentação dos estudos para a elevação da mistura obrigatória de etanol anidro na gasolina comum. Com a aprovação da lei do programa Combustível do Futuro, o limite passou de 27,5%, praticado atualmente, para 30%.
A medida tem potencial para impulsionar a demanda pelo biocombustível. No entanto, especialistas divergem sobre o papel das importações nesse contexto.
Raphael Bulascoschi, analista de Inteligência de Mercado de Milho da StoneX, aponta que a produção brasileira vem crescendo ano a ano, puxada pela expansão do uso de outras matérias-primas, além da cana, na indústria, o que contribui para a manutenção da oferta.
“De fato, o incentivo à importação dialoga com o aumento da mistura na gasolina, mas não necessariamente haverá dependência das importações para o cumprimento do mandato”, diz Bulascoschi.
Torres, por outro lado, reforça a tese de que a importação poderia suprir parte dessa necessidade extra, especialmente em períodos de baixa produção nacional.
“É crucial avaliar se essa estratégia não desestimularia investimentos na produção doméstica de etanol, comprometendo a sustentabilidade do setor a longo prazo”, alerta.
Açúcar x etanol
A possível ampliação da cota de exportação de açúcar para os EUA, em discussão na mesa de negociações, também levanta questionamentos sobre o direcionamento da produção das usinas.
Embora o aumento da cota possa favorecer a produção de açúcar, analistas indicam que os preços internacionais já tornam o adoçante mais rentável do que o combustível renovável.
“Os preços do açúcar vêm descolados do etanol pelo menos desde o segundo semestre de 2022, de acordo com diversos episódios que baratearam o etanol brasileiro até início de 2024, ao contrário de um açúcar no mercado internacional mantido em patamares historicamente sustentados”, explica Bonifácio Filho.
“Essa comunhão de fatores mantém o adoçante em uma posição preferencial em termos de mix das usinas de cana, independente de acordos bilaterais”, completa.
Além disso, analista pontua que o possível aumento da cota de exportação tende a apresentar um volume “irrisório” frente à perspectiva de embarque brasileiro de açúcar na safra, ou ao fluxo global da commodity.
Torres observa que os preços atuais já estão direcionando usinas à maior produção do adoçante, o que deve persistir no caso da ampliação da cota.
“Se essa cota for ampliada, as usinas podem optar por direcionar uma parcela maior da cana-de-açúcar para a produção de açúcar, visando aproveitar as condições favoráveis de exportação”, conclui.