O biometano é um valioso componente nas estratégias de diversos países para a redução das emissões de GEE, conforme se verifica no documento Net Zero by 2050 – A Roadmap for the Global Energy Sector publicado pela Agência Internacional de Energia (IEA) em 2021 e atualizado em 2023.
É neste contexto que o mercado de biometano vem se desenvolvendo no Brasil.
No âmbito federal o biometano está presente em diversos dispositivos legais como a Nova Lei do Gás (Lei nº 14.134/2021) e seu decreto regulamentador (Decreto nº 10.712/2021) que estabelecem que ele está sujeito a mesma regulamentação do gás natural, dada a equivalência destes produtos.
Na sequência, foram publicadas as Resoluções ANP nº 886/2022 e 906/2022 que estabelecem as especificações que o biometano oriundo de aterros sanitários e de estações de tratamento de esgoto e de resíduos orgânicos agrossilvopastoris, respectivamente, devem atender, assegurando assim a sua equivalência ao gás natural.
Tais dispositivos viabilizam a movimentação do biometano através das redes de transporte e distribuição e sua utilização pelos consumidores sem qualquer necessidade de modificação de suas instalações.
Ademais, outras legislações incentivam o mercado de biometano, como por exemplo a Lei nº 13.576/2017 (RenovaBio) que possibilita a geração de créditos de descarbonização (CBIOs) para a produção de biometano e o Decreto nº 11.003/2022, que institui a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano.
No âmbito fiscal, se destaca a Portaria Normativa nº 37/GM/MME, que incluiu a produção de biometano no rol de projetos de infraestrutura passíveis de enquadramento no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi).
Cabe destacar a aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei no 528/2020 (PL do Combustível do Futuro), que entre outras providências institui o Programa Nacional de Biometano, contêm diversos incentivos à produção, comercialização e consumo deste energético.
Ocorre que, do ponto de vista regulatório, o art. 25 da Constituição da República estabelece que cabe aos estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, o que inclui o biometano.
Sendo assim, o fomento do mercado de biometano no Brasil requer não só esforços federais, mas também que cada um dos estados tenha legislação adequada não só para viabilizar, mas também para incentivar o uso do energético.
Panorama do biometano nos estados
Dos 27 estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal, em somente 7 há legislação que estabelece política de incentivo para o biometano. Além disso se ressalta que nestes estados estão localizadas 19 plantas de produção de biometano, de um total de 27, conforme dados do Biogas Map, disponível no site da CIBiogás.
Observa-se que estes estados seguem avançando no fomento ao mercado de biometano, a saber: realização de chamadas públicas para aquisição de biometano pelas distribuidoras locais de gás; programas de ampliação da malha de distribuição em regiões em que há potencial de produção de biometano (corredores verdes), e; metas para mistura de biometano ao gás natural e incentivos fiscais.
Certamente os estados devem no futuro próximo revisarem e atualizarem sua legislação para fomentar ainda mais o produto, considerando, entre outros, os seguintes aspectos:
- geração de facilidades para permitir a conexão da usina de biometano a malha de distribuição;
- adaptação das plantas de biogás existentes para produção de biometano de forma substitutiva, alternativa ou complementar, conforme o caso;
- uso de biometano no transporte público urbano;
- incentivos para valoração dos atributos ambientais do biometano;
- opção do consumidor cativo adquirir da distribuidora de gás somente biometano;
- e criação do mercado livre de biometano
Por outro lado, dentre os 20 estados que não possuem políticas de incentivo ao biometano, inclusive, alguns já possuem malha distribuição de gás com extensão superior a 500 km ou/e plantas de produção de biometano. Tais infraestruturas, já disponíveis, podem favorecer o fomento do mercado de biometano nos respectivos estados.
O mercado aguarda a legislação estadual que será criada para inserir e incentivar o uso do biometano quando já existe infraestrutura.
Soluções para o lixo
Nos demais estados em que não há nenhuma infraestrutura para distribuição de gás, ainda assim é oportuno considerar o fomento do biometano a partir da produção originada em locais em que há grande concentração de resíduos, urbanos ou rurais e sua distribuição por meio rodoviário em locais próximos.
A depender do volume de produção, o consumo do energético pode ser direcionado ao transporte público e/ou prédios públicos. A viabilização destas ações iniciais de fomento ao uso de biometano requer a aprovação de legislação adequada.
Além da política de incentivo ao biometano brevemente comentada neste artigo, destaca-se que incentivos fiscais dos estados também têm importante papel no fomento ao mercado de biometano.
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Por fim é oportuno comentar que o aproveitamento energético dos resíduos urbanos e rurais é um dos princípios da Política Nacional de Resíduos, conforme previsto na Lei nº 12.305/2010.
Neste sentido se destaca que os Planos Estaduais de Resíduos Sólidos em vigor contem metas para o aproveitamento energético dos gases gerados nas unidades de disposição final de resíduos sólidos. Sendo assim, a criação e o aperfeiçoamento das políticas de incentivo ao biometano também se contextualizam com as exigências da referida lei.
Como se pode ver, o crescimento do mercado de biometano estará limitado se não houver o engajamento de cada um dos estados em conjunto com as ações da União.
Políticas públicas estaduais para o uso do biometano e incentivos fiscais adequados são determinantes para que os estados se beneficiem do uso deste energético com preços competitivos, favorecendo o crescimento econômico dos estados em paralelo com o cumprimento das metas de descarbonização e dos Planos Estaduais de Resíduos.
Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.
Camila Mendes Vianna Cardoso é sócia e Paulo Campos Fernandes é advogado do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados.