A recente aprovação da Lei do Combustível do Futuro, Lei nº 14.993, de 8 de outubro de 2024, representa um marco essencial para o setor de biocombustíveis no país, o impulsionando rumo a uma economia mais sustentável e competitiva.
A legislação oferece uma estrutura regulatória inovadora que promove os combustíveis renováveis, como o biodiesel e o bioquerosene, por exemplo, e destaca o Brasil como referência em sustentabilidade e inovação energética, além de fomentar a agricultura familiar, incentivar a interiorização da indústria e criar uma base sólida de previsibilidade para os empreendedores.
Em um momento em que as mudanças climáticas demandam ações urgentes, a incorporação progressiva desses combustíveis na matriz energética é fundamental para a redução na emissão de gases de efeito estufa e dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), que são altamente agressivos para a saúde humana e ao meio ambiente, e são liberados com a queima dos combustíveis fósseis, a exemplo do diesel.
Dessa forma, o Brasil avança em sua responsabilidade ambiental e também em sua competitividade global no setor de energia limpa.
Um estudo publicado na revista científica Environmental Research, elaborado a partir de uma parceria entre a Harvard University, a University College London, a University of Birmingham e a University of Leicester, levantou que 8 milhões de pessoas morrem todos os anos no mundo em decorrência da queima de combustíveis fósseis. Isso representa 20% de todos os óbitos registrados anualmente, excetuando o período de pandemia.
Na conclusão da pesquisa, confirmam-se outros dados sobre o assunto: as doenças respiratórias têm crescido junto da poluição causada pela queima de carvão mineral, gasolina e diesel. São exemplos disso asma, câncer de pulmão, doenças coronárias, derrames e morte prematura.
Biocombustíveis são aliados na luta contra as mudanças climáticas
Ao estabelecer metas de uso dos biocombustíveis, a lei reforça também o compromisso brasileiro com os acordos climáticos internacionais e com vistas a alcançar a neutralidade de carbono até 2050.
A discussão sobre descarbonização, biocombustíveis e alternativas para reduzir poluentes e promover o desenvolvimento sustentável está cada vez mais conectada às políticas climáticas globais. A Conferência das Partes (COP) da ONU tem sido um palco crucial para debates sobre o futuro climático e a necessidade de ações mais ambiciosas de corte de emissões.
Na COP28, realizada em 2023 em Dubai, o foco foi a transição para uma economia de baixo carbono, com ênfase na necessidade de metas mais rigorosas para reduzir as emissões nos setores de energia, transporte e indústria. A conferência destacou o papel dos biocombustíveis, como etanol e biodiesel, além da importância das tecnologias de captura de carbono e do apoio financeiro a países em desenvolvimento.
Outro fórum importante foi o Corsia (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation), que visa reduzir as emissões de carbono da aviação internacional por meio de compensações e investimentos em projetos de redução de emissões.
Nesse contexto, a implementação de combustíveis sustentáveis de aviação (Sustentaiable Aviation Fuel – SAF) tem se mostrado uma alternativa viável para atingir as metas de neutralização de carbono no setor aéreo. Além dos acordos específicos, os princípios ESG (ambiental, social e governança) têm ganhado força nas práticas empresariais globais, influenciando o setor de energia e biocombustíveis.
Brasil na liderança das políticas globais de descarbonização
Essas discussões colocam o Brasil em uma posição estratégica, orientando as decisões globais nos próximos anos, que serão cruciais para definir o papel dos biocombustíveis e outras alternativas nas metas climáticas internacionais.
Em paralelo a isso, o Brasil também sai na frente, mais uma vez, estabelecendo novos padrões com prazos mais curtos. A Lei nº 14.933/24 estabeleceu que, a partir de agora, a meta é a adição de 20% de biodiesel no diesel, até 2030 e na aviação, as companhias aéreas serão obrigadas a descarbonizar suas operações com a utilização de bioquerosene ou SAF. Com o advento da lei, as emissões de gases de efeito estufa no setor aéreo, a partir de 2027, devem ser reduzidas em pelo menos 1% ao ano, chegando a 10% em 2037.
Com metas mais arrojadas, a economia também acelera, principalmente no que diz respeito à agricultura familiar, que ganha um protagonismo ainda maior nesta nova política.
A Lei nº 14.933/24 prioriza a utilização de matérias-primas provenientes da agricultura familiar para a produção de biodiesel e bioquerosene, promovendo a inclusão de pequenos produtores e estimulando o desenvolvimento regional.
Há ainda um incentivo para a interiorização da indústria, promovendo a criação de polos industriais fora dos grandes centros urbanos. A lei visa descentralizar a produção, estimulando a geração de empregos e fortalecendo o desenvolvimento regional, especialmente em áreas do interior que historicamente têm menos oportunidades econômicas.
Além disso, o Brasil possui uma abundância de matérias-primas estratégicas para a produção de biocombustíveis, como soja, milho, palma e cana-de-açúcar, que são cultivadas em larga escala no território nacional, garantindo uma base sólida e diversificada para abastecer a crescente demanda do setor.
Esse cenário favorece o país, que se posiciona como um dos maiores produtores globais de biocombustíveis, com uma infraestrutura consolidada e um mercado interno robusto. Em termos de alta tecnologia, o Brasil se destaca pela aplicação de processos de produção de biocombustíveis altamente inovadores e sustentáveis.
No campo do biodiesel, a tecnologia de biorrefinarias é um dos principais avanços. Essas unidades utilizam diversas fontes de biomassa, incluindo óleos vegetais e gorduras animais, para produzir não apenas biodiesel, mas também outros produtos como bioquímicos e bioenergia, otimizando o uso dos recursos, trazendo eficiência e segurança.
Tecnologia, agricultura e previsibilidade
O país é pioneiro na implementação de tecnologias de segunda geração, que permitem o aproveitamento de resíduos agrícolas, como cascas de soja e palha de cana-de-açúcar, para a produção de biocombustíveis. Isso não só reduz os custos de produção, mas também minimiza o impacto ambiental, ao dar uma destinação sustentável para materiais que, de outra forma, seriam descartados.
A utilização do bioquerosene sustentável (SAF) na aviação brasileira também está sendo impulsionada por tecnologias de ponta.
Essas inovações não apenas aumentam a competitividade da indústria brasileira, mas também posicionam o país na vanguarda da transição energética global. Ao integrar pesquisa, desenvolvimento e inovação na cadeia de biocombustíveis, o Brasil se torna um centro de excelência tecnológica, capaz de fornecer soluções sustentáveis para o mercado interno e externo.
Com isso, a Lei do Combustível do Futuro cria oportunidades significativas de investimento, tanto para empresas nacionais quanto internacionais, estimulando o setor de biocombustíveis e consolidando o Brasil como um líder mundial em energia limpa e renovável.
Não à toa a produção de biocombustíveis no Brasil atingiu marco histórico em 2023, refletindo o crescimento robusto no setor e a diversificação das fontes de energia renováveis no país.
Juntos, etanol e biodiesel somaram quase 43 bilhões de litros produzidos, alcançando recorde histórico, segundo dados do Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2024, divulgado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Na área do biodiesel, a produção nacional foi de mais de 7,5 bilhões de litros, impulsionada pela elevação do percentual de mistura obrigatória ao diesel para 12%, a partir de 1º de abril de 2023.
Outro ponto fundamental é a previsibilidade que oferece aos investidores. A legislação proporciona clareza quanto às metas e cronogramas para a incorporação desses combustíveis verdes, o que reduz significativamente o risco para aqueles que desejam investir nesse setor e um importante alicerce para que o Brasil consolide sua posição como um dos principais destinos de investimento em energias renováveis do mundo.
A Lei do Combustível do Futuro é, portanto, mais do que uma medida ambiental: é uma política estratégica para o desenvolvimento socioeconômico. Essa legislação pavimenta o caminho para um futuro em que o país se destaca como líder em combustíveis renováveis, o que beneficia o meio ambiente, a economia, a saúde das pessoas e as comunidades locais, alavancando o protagonismo brasileiro na transição energética.
Donizete Tokarski é diretor-superintendente da Ubrabio – União Brasileira de Biodiesel e Bioquerosene.