Num cenário de transição para uma economia de baixo carbono e de enfretamento das mudanças climáticas, o desenvolvimento econômico sustentável tem se colocado como uma pauta recorrente em discussões no Brasil e no exterior.
Do lado internacional, além de tratados (Protocolo de Kyoto e Acordo de Paris), conferências ligadas às Nações Unidas (COP 26) e relatórios institucionais (IPCC e IEA) demonstram tanto iniciativas para expansão da sustentabilidade econômica como metodologias para o alcance da redução das emissões de carbono.
De todo modo os rumos desse percurso não parecem inflexíveis, na medida em que, recentemente, a União Europeia passou a cogitar classificar o gás natural e a energia nuclear como fontes verdes, o que reitera que argumentos ambientais, por si só, não são capazes de direcionar o tom desse novo cenário energético.
Nesse sentido, por mais que se argumente e incentive em nível internacional, dentre outras ações:
- A expansão dos investimentos em fontes renováveis;
- A redução de fontes de financiamento em atividades poluentes e dos transportes a combustão;
- Metas de redução das emissões de carbono;
- A criação de mercados voluntários ou baseados num modelo de cap and trade para comercialização de créditos de carbono.
Caberá a cada País — ciente das particularidades do seu mercado e de seus agentes econômicos — determinar como e em que velocidade sua transição se dará.
Nacionalmente, houve uma série de avanços nesse sentido, na medida em que, cada vez mais, empresas incorporam parâmetros ESG em estruturas societárias e a regulação do mercado financeiro tem implementado tais questões, de modo que requisitos de responsabilidade social, ambiental e climática passam a ser exigidos de empresas que ocupam segmentos específicos na B3.
A comercialização de créditos da descarbonização na B3, por sua vez, a exemplo do CBIOs (ativos financeiros decorrentes do RenovaBio) tem se mostrado uma alternativa efetiva para a redução das emissões de carbono e sua monetização.
Ademais, políticas setoriais específicas para o enfrentamento das mudanças climáticas, como o comitê interministerial sobre a mudança do clima e crescimento verde, a Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187 de 2009) e o Programa Nacional de Crescimento Verde (conforme o Decreto 10.846 de 2021) também trazem contribuições para esse cenário. Já que implementam e pretendem avançar na execução tanto das diretrizes dos tratados internacionais citados anteriormente quanto da convenção quadro das Nações Unidas sobre mudanças climáticas.
Sob a ótica do Congresso Nacional, cabe mencionar tanto o Projeto de Lei 2.148 de 2015, que busca a redução de tributos para atividades que contribuam para economia de baixo carbono, como o Projeto de lei 528 de 2021, cujo intuito é viabilizar um mercado brasileiro de redução das emissões
Ciente desse contexto, o presente artigo visa colocar em relevo a proposta legislativa de criação de um mercado voluntário de carbono de amplitude nacional e a necessidade de se incluir o RenovaBio nessa discussão.
Em 2021, os créditos de descarbonização (CBIOs) foram negociados a um preço médio de R$ 39,31 e movimentaram cerca de R$ 1,17 bilhões. Cada CBIO corresponde a uma tonelada de CO², isso significa que as distribuidoras evitaram a emissão de 24,4 milhões de toneladas de gases de efeito estufa com a utilização dos biocombustíveis.
Nesse esteio, o Ministério de Minas e Energia (MME) reafirma a meta de 35.976.348 CBIOs para 2022, que será posteriormente desdobrada aos distribuidores de combustíveis pela ANP.
Conforme o balanço da Política Nacional de Biocombustíveis de 2021, de um total de 34,8 milhões de créditos de descarbonização (CBIOs) emitidos, incluindo o estoque de 2019, 29,8 milhões foram negociados, dos quais 24,4 milhões foram aposentados pelos distribuidores. Esse valor corresponde a 96,8% do total das metas individuais atribuídas pela ANP e 98,2% da meta global estabelecida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE)
Nesse sentido, a criação de um o mercado nacional de carbono poderá ser fator agregador tanto para o alcance da economia de baixo carbono como para o Programa Nacional de Biocombustíveis, tendo como base a experiência internacional do Protocolo de Kyoto e do European Trading Scheme, cujo marco regulatório dispõe da Certified Emisson Redution como mecanismo de desenvolvimento limpo em substituição às European Union Allowances.
Aqui, o CBIO poderia ocupar um papel de destaque no nosso mercado de carbono, de modo a garantir a competitividade dessa indústria, mesmo em cenários de baixa dos preços do petróleo e decréscimos nos percentuais de mistura obrigatória dos biocombustíveis na gasolina.
Desse modo, o estabelecimento dessa sinergia entre o RenovaBio e o mercado de carbono nacional seria um grande marco em favor da sustentabilidade e do crescimento verde, beneficiando não só as gerações futuras pelo enfrentamento das mudanças climáticas como também a população brasileira atual, pela geração de emprego e renda.
Aurélio Amaral é advogado e foi Diretor da ANP até março de 2020.
Erick Diniz é advogado e mestre em Direito pela FGV do Rio de Janeiro.