Biocombustíveis

Produtores de gás e biometano sem consenso em reta final do Combustível do Futuro no Senado

Relator Veneziano Vital do Rêgo reuniu mercado e deputados antes de publicação de parecer para programa de descarbonização

Gás natural e biometano sem consenso em reta final da discussão do PL do Combustível do Futuro (528/2020). Na imagem: Senador Veneziano Vital do Rêgo durante sessão solene no Senado em homenagem aos 200 anos da relação diplomática Brasil-EUA, em 28/5/2024 (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
Senador Veneziano Vital do Rêgo durante sessão solene no Senado (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

BRASÍLIA – Agentes dos mercados de gás natural e biometano, além de consumidores industriais, ainda buscam um acordo para a nova política que está sendo proposta no PL do Combustível do Futuro (528/2020).

O relator no Senado Federal, Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB), afirmou que pretende apresentar seu relatório na próxima semana.

As negociações envolvem também agentes que já atuam na comercialização e que compram biometano, com objetivo de chegar a uma proposta a ser apresentada ao relator. Alterações no Senado precisarão voltar para a Câmara dos Deputados.

A Frente Parlamentar de Recursos Naturais do Senado recebeu, nesta terça (4/6), o relator na Câmara, Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), executivos, além do presidente da Frente Parlamentar do Biodiesel, deputado Alceu Moreira (MDB/RS), e o senador Laércio Oliveira (PP/SE), vice-presidente de gás natural da frente.

Além do secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis de Minas e Energia (MME), Pietro Mendes.

O projeto prevê a criação de um novo mandato para o biometano, com previsão de aquisição de 1% a partir de 2026 pelos produtores e importadores de gás natural. Adota também um sistema de certificação, com a criação CGOB – atributo ambiental que pode ser comercializado à parte.

A proposta aprovada pela Câmara, manteve a criação de programas para o diesel verde, bioquerosene de aviação (SAF, na sigla em inglês), a regulamentação da atividade de captura de carbono (CCS), além do aumento da mistura obrigatória de etanol anidro na gasolina, dos atuais 27%, para até 35%, a depender de estudos de viabilidade.

Em acordo com o governo, Jardim inclui a mistura até 20% – podendo ser estendido a 25%, a depender da viabilidade técnica, além do próprio capítulo do biometano.

MME estima aumento de custos inferior a 0,5%

Consumidores temem que a demanda obrigatória por biometano leve a um aumento de custos, em razão de uma escassez do gás renovável. Afirmam ainda que a proposta é um contrassenso, em razão da promessa do governo Lula de buscar a redução nos custos para desenvolver a atividade industrial.

O deputado Arnaldo Jardim argumentou que já há volume disponível de biometano para atender ao mandato de 1% e que o biometano não será determinante no preço do gás natural.

Segundo estimativas do MME, o atendimento a esse percentual resultaria num aumento de 0,47%, disse o secretário Pietro Mendes. A pasta participou das articulações que levaram à aprovação do texto de Jardim, na Câmara dos Deputados.

Em 2023, a oferta nacional e importada de gás natural para o mercado brasileiro foi da ordem de 65 milhões de m³/dia.

“Hoje, temos uma produção registrada na APN de 473 mil m³/dia já produzidos [de biometano]. E as 22 autorizações que estão pendentes para deliberação na ANP somam um total de 1,14 milhão de m³ [por dia]. Não há risco nenhum de abastecimento”, argumentou o deputado.

Além disso, defendeu uma “curva de aprendizado” para o biometano, assim como ocorreu com outros biocombustíveis que têm mandatos associados à mistura de combustíveis fósseis, como o etanol e o biodiesel, que tinham custo elevado no início das misturas, mas que conseguiram reduzir os custos de produção e ofertar os produtos a preços mais competitivos.

Na audiência, a diretora-executiva de Gás Natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Sylvie D’Apote, o instituto vê o programa do biometano. “Especialmente um que tenha envolvimento distante da produção e importação de gás natural”, disse.

Biometano poderá ter tributação reduzida na reforma

Segundo a Presidente-Executiva da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), Renata Isfer, a maioria dos contratos de biometano tem como destino a substituição do diesel para o abastecimento de frota. Ela reforçou que o PL não traz, nem poderia, alterar contratos assinados com a adição de biometano.

“Quando a gente fala de eventual impacto no preço, esse impacto só aconteceria se fosse usar isso na malha de gás natural. Outro ponto relevante é que a reforma tributária está vindo para trazer uma tributação menor para os biocombustíveis. Podemos até zerar a diferença do preço em relação ao gás [natural]”, afirmou.

Em 2022, o Congresso Nacional promulgou uma emenda constitucional que assegura aos biocombustíveis uma tributação menor em relação aos substitutos fósseis. À princípio, a medida cristalizou o diferencial tributário do etanol hidratado em relação à gasolina.

A tendência é que a reforma aprovada ano passado inclua a regulamentação pendente dessa emenda dos biocombustíveis, incluindo aí o biometano.

Dependência de derivados fósseis no transporte

Representante das distribuidoras de gás – segmento que mais consome gás natural no país – o diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça, ponderou que diferentemente dos mercados de gasolina e diesel, o gás ainda enfrenta gargalos de crescimento da demanda. A associação apoia o biometano.

“No Brasil, a gente tem um mercado de gás natural que ainda está crescente, é um mercado imaturo, um mercado que precisa ser desenvolvido, precisa desenvolver novas aplicações”, disse.

A entidade defende que o Combustível do Futuro é uma oportunidade para discutir medidas de estímulo à substituição do diesel no transporte pesado.

“Se a gente transforma esse diesel, somente esse diesel importado para gás, a gente está falando em 30 milhões de metros cúbicos dia”.

O secretário do MME, Pietro Mendes, ressaltou que o Brasil não será capaz de reverter o aumento da demanda por combustíveis fósseis, mesmo num cenário de eletrificação da frota e ampliação dos biocombustíveis na matriz energética.

“Estamos falando hoje de uma capacidade de refino em torno de 2,3 milhões de barris por dia. Mesmo colocando tudo para funcionar, num país que tem 30% dos seus combustíveis renováveis e uma matriz elétrica das mais limpas do mundo, ainda assim vamos assistir ao aumento da demanda de petróleo”.

“Por isso se justifica continuar repondo nossas reservas, como a Margem Equatorial e o Projeto Sergipe Águas Profundas”, defendeu.

Mendes também defendeu o gás natural como combustível da transição e citou a ociosidade da indústria química – cerca de 35% –, que poderia ser revertida imediatamente caso o preço do gás natural baixasse. “Nosso inimigo é o carbono. Tudo aquilo que reduz a pegada de carbono tem que ser utilizado”.