G20 

G20: Alemanha indica resistência à proposta do Brasil para biocombustíveis

País europeu defende prioridade para matérias-primas residuais na produção de bioenergia

Presidente Lula e o chanceler alemão Olaf Scholz durante assinatura de atos e coletiva de imprensa conjunta, em Berlim, em 4/12/2023 (Foto Ricardo Stuckert/PR)
Presidente Lula e o chanceler alemão Olaf Scholz durante coletiva de imprensa em Berlim | Foto Ricardo Stuckert/PR

RIO – A proposta que o Brasil levará à cúpula de líderes do G20 em novembro para criação de padrões de sustentabilidade internacionais que reconheçam o valor da biomassa e dos biocombustíveis, como o etanol, pode esbarrar na resistência de países europeus, como a Alemanha. 

O Brasil vai defender a contabilidade de emissão de carbono considerando todo o ciclo de vida dos combustíveis, do berço ao túmulo, o que na visão brasileira, favorece os biocombustíveis em relação aos carros movidos à bateria, segundo apuração da agência eixos.

Essa proposta, no entanto, vai de encontro aos regulamentos que estão sendo estabelecidos em países europeus, cuja aposta é na expansão da eletrificação e inserção de combustíveis sintéticos ou combustíveis renováveis ​​de origem não biológica (RFNBOs, na sigla em inglês) na matriz. Uma estratégia para proteger a indústria da região, que já vem enfrentando desafios de competitividade, em especial com a China. 

Em resposta à agência eixos sobre como o governo alemão deve se posicionar em relação a proposta brasileira, o Ministério para Assuntos Econômicos e Ação Climática da Alemanha afirmou que, apesar de reconhecer a contribuição do etanol e do biodiesel “na proteção climática e fornecimento de energia há vários anos”, a origem deve ser sustentável e priorizar resíduos e materiais residuais. 

Hoje, parte da produção de biocombustíveis no país europeu é feita a partir de óleo de cozinha reaproveitado e resíduos urbanos. 

“Temos que prestar atenção especial para garantir que apenas biomassa de origem sustentável, em particular resíduos e materiais residuais, seja usada para produção de biocombustível e que a política de biocombustíveis esteja levando em consideração a disponibilidade limitada de biomassa sustentável”, disse o porta-voz oficial do ministério alemão.

É um recado ao argumento brasileiro de que a produção de biocombustíveis, em especial a partir da cana-de-açúcar e da soja, não está relacionada ao desmatamento e não compete com a produção de alimentos. 

O que diz a regra europeia?

A Diretiva de Energia Renovável revisada da União Europeia entende que a produção de biocombustíveis normalmente ocorre em terras agrícolas que eram usadas anteriormente para agricultura, para cultivar alimentos ou rações. 

Como essa produção agrícola ainda é necessária, a produção de biocombustíveis pode levar à extensão de terras agrícolas para terras não agrícolas, possivelmente incluindo áreas com alto estoque de carbono, como florestas. 

Esse processo é conhecido como uso indireto da terra, e como pode causar a liberação de CO2 armazenado em árvores e no solo, o aumento da produção de biocombustíveis representaria um risco para o meio ambiente. 

A Diretiva ainda define um limite para uso e importação de biocombustíveis, impondo um congelamento equivalente aos níveis de 2019 para o período de 2021-2023, e diminuindo gradualmente do final de 2023 para zero até 2030. 

Por outro lado, o governo brasileiro tem defendido a visão de que sua realidade é bastante diferente da Europa. Se, por um lado, o bloco tem pouco espaço para expandir sua produção, o país latinoamericano argumenta que tem plena capacidade de combinar produção de alimentos e biocombustíveis com preservação ambiental.

Precisa, no entanto, conseguir provar isso – enquanto tenta frear o desmatamento e apagar os incêndios que consomem Amazônia, Pantanal e parte do Centro-Sul brasileiro.

Parceria no hidrogênio 

Se por um lado não há concordância no tema dos biocombustíveis, por outro, a Alemanha reconhece a importância da parceria com o Brasil no mercado de hidrogênio.

Em um contexto de mudanças globais no setor energético e pressões geopolíticas, a Alemanha busca diversificar suas fontes de energia, especialmente em sua estratégia para substituir o gás russo. 

“Uma grande parte das necessidades de hidrogênio da Alemanha terá que ser coberta por importações do exterior”, disse o ministério. 

“Por esse motivo, o Ministério Federal da Economia iniciou parcerias climáticas e energéticas e concluiu acordos explícitos de H2. O Brasil é um país parceiro próximo e, devido ao seu grande potencial de energia renovável, é um parceiro importante para o hidrogênio e seus derivados”, completou. 

Estratégia alemã para importação de hidrogênio

Recentemente, o governo alemão aprovou a atualização da Estratégia de Importação de Hidrogênio e seus Derivados, que inclui tanto hidrogênio verde (produzido a partir da eletrólise com eletricidade renovável), como o azul (reforma do gás natural com captura e armazenamento de carbono).

Contudo, apesar de reconhecer a importância do Brasil, o país pretende cobrir grande parte de suas necessidades por meio de importações via gasoduto ou navio. 

O foco será nas regiões do Mar do Norte, em especial Noruega, Mar Báltico e Mediterrâneo, e centros de produção na Península Ibérica e Norte da África, principalmente na Espanha e no Egito, respectivamente.

Inclusive, o contrato do primeiro leilão de hidrogênio e derivados da Alemanha, o H2Global, foi concedido à empresa Fertiglobe, que irá produzir amônia verde no Egito, em uma planta com 273 megawatts de capacidade de produção. 

A Fertiglobe é uma joint venture sediada no Emirados Árabes entre o grupo de fertilizantes OCI e a empresa petrolífera estatal de Abu Dhabi, Adnoc. 

No contrato estimado em 397 milhões de euros, a Alemanha espera importar do Egito, entre 2027 e 2033, até 397 mil toneladas de amônia verde. No total, isso representa mais de 10% da produção anual de amônia da Alemanha. 

Os custos de produção são de 811 euros por tonelada de amônia, ou seja, custos inferiores a 4,50 euros por kg de hidrogênio verde. A amônia será entregue a um preço de mil euros por tonelada. 

Empresas alemãs interessadas na cadeia de minerais críticos no Brasil

Outra parceria importante entre Brasil e Alemanha é no campo dos minerais críticos essenciais para a transição energética.

Segundo uma fonte do ministério alemão ouvida pela agência eixos, o interesse das empresas alemãs é enorme, seja como fornecedoras de tecnologia ou engenharia, como também por empresas interessadas em investir em minas e construir uma cadeia de suprimentos no Brasil. 

Em março, o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Ministério da Economia e Ação Climática da Alemanha assinaram uma declaração conjunta de intenções para cooperação nas áreas de extração e beneficiamento de recursos minerais.