RIO – O Grupo de Trabalho de Transições Energéticas do G20 (ETWG), presidido pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chegou nesta sexta-feira (4/10), a uma declaração conjunta que inclui a necessidade de criação de padrões globais para medição de emissões, o reconhecimento das circunstâncias locais, e a neutralidade tecnológica para descarbonização.
O tema enfrentou resistência durante as bilaterais em Foz do Iguaçu (PR), mas que foi vencida na reta final das negociações.
É a primeira declaração dos ministros de energia desde o encontro do G20 de 2021, em Nápoles, na Itália. Desde então, não foram encontrados consensos.
Silveira destacou o “comprometimento de acelerar transições energéticas limpas, sustentáveis, justas, acessíveis e inclusivas que não deixem ninguém para trás, especialmente os pobres e aqueles em situações vulneráveis”, como um dos pontos centrais do documento.
“Não deixar para trás é uma das principais diretrizes do nosso governo e que nós conseguimos agora aprovar por aclamação pelos ministros do G20”, afirmou o ministro.
Ele ressaltou que o texto também reconhece a “necessidade de capitalizar e aumentar o investimento de todas as fontes e canais financeiros para superar o déficit de financiamento das transições energéticas globais”, especialmente em países em desenvolvimento.
Vitórias para a diplomacia brasileira
O documento marca algumas vitórias da agenda brasileira.
Uma delas está a inclusão do “desenvolvimento de metodologias e padrões a considerar as informações científicas e técnicas do IPCC, bem como as circunstâncias nacionais, e a colaborar para aumentar a consistência nas abordagens metodológicas para avaliar as emissões de GEE de combustíveis sustentáveis”.
Outra é adoção “de abordagens tecnologicamente neutras, integradas e inclusivas para desenvolver e implantar uma variedade de combustíveis e tecnologias sustentáveis, inclusive para abatimento e remoção de carbono e implantar uma variedade de combustíveis e tecnologias sustentáveis, inclusive para abatimento e remoção (…)”.
Na visão brasileira, a padronização na contabilidade das emissões, bem como a consideração de aspectos regionais e neutralidade tecnológica, abre espaço para o interesse maior do Brasil que é a inclusão dos biocombustíveis, em especial de primeira geração, na descarbonização do transporte.
E consequentemente, a possibilidade de receber financiamento internacional para projetos no país.
“O Brasil trabalhou um texto que buscou internalizar uma série de construções que estavam alinhadas às prioridades que elegemos para discutir dentro desse grupo (…) Uma das coisas que percebemos que eram fundamentais é justamente a contabilidade de carbono”, disse Mariana Espécie, assessora especial do ministro.
“Precisamos fazer com que esses órgãos — agências que têm atuação em nível multilateral como é o caso das agências internacionais de aviação e transporte marítimo — falem a mesma língua”, completou a assessora.
Espécie foi coordenadora do ETWG e liderou as negociações pelo lado brasileiro, com embaixador André Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente, e Laís Garcia, chefe da Divisão de Energia Renovável, ambos do Ministério de Relações Exteriores (MRE).
A vitória se deu a partir da coalizão formada pela Índia, na presidência anterior do G20, que reuniu inicialmente Brasil e Estados Unidos na Global Biofuel Alliance (GBA), que conta com 25 países, oito deles membros do G20 – África do Sul, Argentina, Canadá, Itália, Japão, além dos três fundadores.
“Para pensarmos em substituir combustíveis fósseis, precisamos pensar em novos combustíveis que possam substituí-los, pensar em modelos de negócio, se eles estão adequados, quais são as tecnologias, se elas estão maduras, se ainda há espaços para aprimoramento”, comentou Espécie.
O texto agora será levado agora para a cúpula do G20, em novembro, no Rio de Janeiro.
O documento ainda traz compromissos para expansão e modernização da infraestrutura de rede e desenvolvimento de sistemas de bateria, como formas de integrar os esforços para triplicar a capacidade de energia renovável e dobrar a taxa média global anual de melhorias na eficiência energética.
Os minerais críticos para transição energética também receberam atenção no texto final, que destacou a necessidade de promover “cadeias de fornecimento e valor confiáveis, diversificadas, sustentáveis e responsáveis, ao mesmo tempo em que proporcionam oportunidades globais, inclusive por meio da agregação de valor e beneficiamento local na origem”.
Fósseis ficam de fora
Um dos destaque do texto foi na verdade uma ausência: os combustíveis fósseis.
O documento em nenhum momento citou os fósseis, nem mesmo o compromisso em que as nações na COP28, realizada ano passado em Dubai, aprovaram um roteiro para a “transição dos combustíveis fósseis” – que na ocasião havia sido um caminho alternativo para a “eliminação gradual” do petróleo, carvão e gás.
Até mesmo a primeira declaração dos ministros de energia no encontro do G20 de 2021, em Nápoles, na Itália, citava o compromisso dos países de “eliminar gradualmente os subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis”.
Prevaleceu o conceito de “transição justa”, que combinado com as “circunstâncias locais”, direcionam a posição das maiores economias do mundo para uma estratégia que não admite choques econômicos, por corte na oferta de petróleo e gás.
É, para o Brasil, a defesa da ampliação das fronteiras exploratórias, como país emergente, o que contraria movimentos ambientalistas internos, dentro e fora do governo.
Chegando a uma “transição justa”
O ETWG também aprovou os princípios para uma transição energética justa e inclusiva, defendifdos pelo Brasil e que, agora, se tornam compromissos globais dos países integrantes do G20.
Os princípios foram apresentados pelo ministro ao Papa Francisco, em maio deste ano, em audiência no Vaticano.
Silveira reforçou que a transição energética não deve ser vista apenas como um processo de substituição tecnológica, mas que ela seja um novo modelo de desenvolvimento ambiental, econômico, social e inclusivo.
Entre os principais pontos, estão o combate à pobreza energética em todas as suas formas, como foco em garantir o acesso universal à energia elétrica e a tecnologias limpas para cozinhar.
“Garantir o acesso universal a tecnologias limpas de cozimento é combater a pobreza energética, é cuidar da saúde das nossas famílias, mulheres e crianças. É fundamental garantirmos a substituição gradativa do uso inadequado de lenha, carvão vegetal e outros materiais em ambientes internos”, afirmou Silveira.