Opinião

Expansão “subsidiada e descontrolada” das fontes renováveis de energia no Brasil

Combinado à bandeira vermelha na conta de luz, aumento para E30 e B15 entra em vigor sob críticas de decisões políticas sem base técnica e com potencial de pressionar a inflação, avalia Francisco Neves

Francisco Neves é diretor-executivo da ANDC (Foto Manuela Cavadas -Divulgação)
Francisco Neves é diretor-executivo da ANDC (Foto Manuela Cavadas -Divulgação)

No contexto de elevada incerteza econômica, política e social, entraram em vigência, na sexta-feira (1º/8) percentuais maiores de etanol anidro na gasolina C e de biodiesel no diesel B, assim chamados de E30 e B15.

É uma preocupação de toda a sociedade brasileira o impacto da medida governamental nos preços desses produtos junto ao consumidor. E não é sem razão, pois são produtos essenciais e de amplo consumo, com impacto relevante em toda a economia popular. 

A medida coincide com o momento em que a energia elétrica também fica mais cara para o consumidor final, a tal tarifa vermelha, também com repercussão direta na inflação.

Há projeções de preços dos combustíveis para todos os gostos e são muitas variáveis relacionadas nesse cenário.

Mas o certo é que os valores maiores dos biocombustíveis e os custos agregados do complexo processo de transporte, armazenamento e homogeneização dos biocombustíveis impactam nos preços finais dos produtos, assim como são maiores os riscos no desafiador processo de controle de qualidade desses combustíveis em toda a cadeia de produção e ainda junto aos consumidores.

Historicamente, na dinâmica do comércio de combustíveis líquidos no mercado interno brasileiro, as distribuidoras prestam serviço ambiental relevante ao homogeneizar os biocombustíveis com os combustíveis fósseis, assegurando a qualidade dos produtos vendidos, após processo complexo, desafiador e com riscos inerentes à atividade.

À medida que os percentuais de biocombustíveis são ampliados, crescem a complexidade, os custos e os riscos dos processos. 

No momento, há necessidade de ações públicas de valorização do segmento de distribuição de combustíveis com recursos para investimentos na modernização das bases de distribuição de combustíveis.

isso inclui a aplicação em inovações tecnológicas para melhorar os processos de homogeneização dos biocombustíveis, trazer maior eficiência e menor riscos no controle da qualidade.  

O caso específico da entrada do biodiesel na composição do diesel B instituída em 2005 (Lei nº 11.097/2005) ocorreu inicialmente de forma voluntária e depois de forma compulsória em escala de variação dos percentuais aditivados de forma lenta ao longo do tempo e em sintonia com o processo de evolução da infraestrutura de transporte, armazenamento e manuseio dos biocombustíveis.

Agora, essa medida enfrenta forte desafio devido às grandes variações do percentual de biocombustíveis impostas de forma súbita. 

A indústria de distribuição de combustíveis é de uso intensivo de capital, investimentos de longo prazo e trabalha com produtos essenciais e de ampla utilização na economia nacional.

E recentemente passa a conviver com solavancos súbitos nos custos dos negócios, decorrentes da fase de transição energética tumultuada, confusa, por vezes inconsequente, e que resulta em custos energéticos cada vez mais onerosos para os consumidores, os quais padecem de acesso à energia. 

A referida afirmativa está fundamentada nos dados do Plano Decenal da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), os quais demonstram que o consumo anual de energia per capita no Brasil, em 2024, foi de 1,32 tep (tonelada equivalente de petróleo), substancialmente inferior à média mundial estimada em 1,87 tep/hab/ano.

E absurdamente abaixo do consumo dos EUA, onde a média per capita de consumo de energia anual (2021) foi estimada em 6,47 tep/hab/ano, sugerindo que a população do Brasil vive com baixa qualidade de vida e alta pobreza energética.

Em tese, a ampliação dos biocombustíveis na matriz de transporte segue a tendência verificada nos últimos anos e a diretriz da Lei do Combustível do Futuro (nº 14.993/2024).

No entanto, é preciso verificar se o atual ritmo de ampliação dos biocombustíveis imposto pelo poder público está adequado, sendo necessário observar a fundamentação técnica e econômica da execução da política, a qual, por força de lei e legitimidade institucional, deve sempre observar a conveniência e oportunidade ao interesse público.

Na caracterização da conveniência ao interesse público da medida governamental, estudos econômicos de impacto nos preços e na economia popular (inflação) deveriam ter sido realizados, com participação da sociedade e ampla divulgação por quem tem atribuição e habilidade técnica para atuar na complexidade do tema (Ministério da Fazenda). E somente após esse fundamento econômico justificaria a medida.

O critério da oportunidade para execução da medida de aumento dos biocombustíveis, não menos relevante, necessariamente também precisaria de fundamentação e análise contextualizadas dos fenômenos geopolíticos, econômicos e sociais em desenvolvimento no mercado interno e global.

Além disso, seria necessário considerar as correlações com a economia popular, em especial o consumo nacional de combustíveis, a inflação e a renda das famílias brasileiras, trabalho esse inexistente.

No processo de decisão do Conselho Nacional de Política Energética (Resolução CNPE nº 25/06/2025) não consta nenhum estudo econômico e social qualificado que fundamente com profundidade a medida do governo de ampliar para 30% o etanol anidro na gasolina C e 15% do biodiesel para o diesel B.

Presume-me que a decisão foi de última hora, sem maiores estudos técnicos, associados a interesses políticos relacionados com os beneficiários da medida.

Aliás, essa circunstância em que o governo cede à pressão de grupos econômicos não é incomum no setor de energia.

Em recente fala do Ministro de Minas e Energia (28/07), divulgada na imprensa, no contexto do leilão da térmicas (Leilão de Reserva de Capacidade), ele critica a expansão “subsidiada e descontrolada” das fontes renováveis. Aqui uma ponderação, a fala pública que constata o problema grave do setor é muito importante, mas insuficiente. 

Cabe aos gestores resistirem às pressões dos grupos de interesses, sobretudo, construir ações que estabeleçam racionalidade econômica na execução das políticas públicas energéticas e de compromissos com a sociedade

Isso deve ocorrer de forma a assegurar razoabilidade nos preços e acesso às fontes de energia, fazendo a parte que lhe cabe na redução dos custos regulatórios e no desenvolvimento regular do mercado, com previsibilidade e segurança jurídica. 

Lamentavelmente as críticas à expansão “subsidiada e descontrolada” das fontes renováveis no Brasil se aplicam também à decisão governamental de impor a ampliação dos biocombustíveis para 30% de anidro na gasolina C e 15% de biodiesel no diesel B, com inevitável repercussão negativa para os consumidores de combustíveis. 


Francisco Neves é diretor-executivo da Associação Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (ANDC), engenheiro agrônomo e mestre em Bioenergia, e foi superintendente de Abastecimento e de Fiscalização da ANP.

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