A evolução dos combustíveis automotivos sempre aconteceu acompanhada do desenvolvimento de novas tecnologias veiculares com o objetivo final de melhorar a qualidade do ar. Nessa avaliação, devem ser considerados dois aspectos importantes: a redução da emissão dos gases causadores do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), e a redução da poluição local, como, por exemplo, as emissões de óxidos de nitrogênio, que podem provocar doenças respiratórias, e de aldeídos, que levam à formação de ozônio na atmosfera.
No caso dos biocombustíveis, a sua evolução também segue os mesmos princípios. O uso de matérias primas renováveis permite a remoção de carbono da atmosfera e esse aspecto deve ser avaliado pelas metodologias de Análise de Ciclo de Vida (ACV), considerando as emissões do “berço ao túmulo” para que essa descarbonização seja efetiva.
Da mesma forma, o impacto dos biocombustíveis na poluição local levou o mundo a grandes desenvolvimentos nessa área.
Se considerarmos os motores de ignição por compressão (ciclo diesel), a preocupação com a utilização de combustíveis renováveis nasceu junto com o motor. O próprio inventor, Rudolph Diesel, apresentou seu motor ao mundo, na Feira de Paris em 1900, utilizando óleo de amendoim.
Com a evolução dos motores, a molécula de óleo vegetal começou a se mostrar inadequada devido às suas características como tamanho, viscosidade, presença de átomos de oxigênio e duplas ligações.
A evolução dos motores levou à necessidade de desenvolvimento desse combustível, devido ao aumento da formação de borras no armazenamento e nos motores, que levou a entupimentos de filtros e bombas de combustíveis, além das emissões de acroleína, produto carcinogênico derivado da queima incompleta de óleos vegetais.
Em 1937, George Chavanne obteve a primeira patente na Bélgica realizando a transformação química de óleos vegetais em reação com metanol, criando um produto mais adequado aos motores da época e que foi chamado de biodiesel.
O biodiesel base éster foi o primeiro tipo de biodiesel a ser introduzido na matriz de combustíveis e, mesmo tendo uma parcela de combustível fóssil na sua molécula (oriunda do metanol), serviu de referência como biocombustível durante décadas.
A evolução da tecnologia de motores no século XXI voltou a exigir novas evoluções dos combustíveis para atendimento aos limites de emissões cada vez mais restritivos. Os veículos passaram a ter folgas menores entre pistão e cilindros, filtros mais restritivos, recirculação do combustível dentro do motor e a utilizar catalisadores para o tratamento e redução das emissões dos gases gerados na combustão.
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O óleo diesel mineral passou a ter um máximo de 10 mg/kg de enxofre (S10) e menor densidade para garantir uma queima otimizada com menor emissão de poluentes.
Essas mudanças também evidenciaram as limitações do biodiesel base éster utilizado no país, devido a características inerentes às suas moléculas e aos contaminantes inseridos e não removidos em seu processo de produção que podem trazer problemas aos veículos atuais.
Por exemplo, a sua baixa estabilidade térmica é incompatível com a recirculação do combustível que ocorre nos sistemas “common-rail” atuais visando ao aumento da eficiência energética dos veículos (para menores emissões de CO2).
Além disso, os teores de glicerinas presentes no biodiesel base éster causam depósitos em bombas, bicos injetores e filtros dos veículos.
O mais grave dos problemas deve-se aos contaminantes metálicos presentes e sua incompatibilidade com os catalisadores de tratamento dos gases de exaustão, inviabilizando o uso das tecnologias conhecidas atualmente para atender aos requisitos de emissões que entrarão em vigor, em 2022/2023, com a fase P8 do PROCONVE (Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores), do CONAMA (Conselho Nacional do Meio-Ambiente).
Devido a essas limitações, na Europa, o limite máximo para o biodiesel base éster no óleo diesel rodoviário é de 7 % em volume, enquanto, nos Estados Unidos, esse limite é de 5%.
A partir da constatação dessas limitações do biodiesel base éster, surgiu a necessidade de mais uma etapa na evolução dos biocombustíveis para motores do ciclo diesel.
A hidrogenação de óleos vegetais e gorduras animais começou a ser estudada no final do século XX como alternativa para solucionar os problemas já identificados no biodiesel base éster, uma vez que o processo de hidrogenação remove as duplas ligações, os átomos de oxigênio e os contaminantes (glicerinas e metais).
Com a evolução do processo, passou-se a tratar diretamente os óleos vegetais e gorduras animais e a gerar um produto parafínico semelhante ao óleo diesel mineral em sua constituição e muito mais adequado aos motores que trabalham no ciclo diesel.
A hidrogenação direta do óleo vegetal permite a redução de etapas de processos e de custos de produção e ainda evita a utilização do metanol de origem fóssil na produção.
Existem outros tipos de biodiesel base parafínica (ou diesel renovável ou diesel verde), mas o produto obtido por hidrogenação, conhecido mundialmente como HVO (Hydrotreated Vegetable Oil), é o biocombustível que mais cresce no mundo, sendo obtido a partir de matérias primas 100% renováveis, o que é uma vantagem em relação ao biodiesel base éster para a descarbonização da atmosfera.
O HVO, também conhecido por Diesel Parafínico Renovável ou Biodiesel Base Parafínica ou Diesel Verde, apresenta elevado número de cetano, propriedade que mede a qualidade de ignição em motores diesel, e inúmeras vantagens em termos ambientais em relação ao biodiesel base éster como, por exemplo, a redução das emissões de óxidos de nitrogênio, maior estabilidade a estocagem e maior estabilidade térmica.
Além disso, o HVO é compatível com as tecnologias veiculares necessárias ao cumprimento aos requisitos de emissões definidos para a fase P8 do PROCONVE.
A produção do HVO traz ainda uma vantagem adicional, pois ela pode ser associada à produção do bioquerosene de aviação.
A OACI (Organização da Aviação Civil Internacional) criou um programa para a redução até 2050 de 50 % das emissões de gases de efeito estufa relativas ao ano de 2005. A utilização de biocombustíveis de aviação é muito importante para o sucesso desse programa, que será obrigatório para todos os países membros da OACI, como o Brasil, a partir de 2027.
Existem ainda outros tipos de biodiesel base parafínica em desenvolvimento, como os obtidos por fermentação de açúcares, oligomerização de álcoois ou construção de cadeias de hidrocarbonetos a partir de biomassa gaseificada.
O uso do HVO e de outros tipos de biodiesel base parafínica já é reconhecido na legislação nacional, conforme a lei 11.097 de 2005. A etapa final para seu uso é a regulamentação pela ANP que está em andamento na Consulta Pública chamada de “diesel verde”.
A competição entre os tipos de biodiesel (base éster e base parafínica) certamente faria com que a sociedade em geral, e principalmente os consumidores, pudessem usufruir das vantagens do diesel renovável sem sentir no bolso.
O reconhecimento e a inclusão de todos os tipos de biodiesel base parafínica no cumprimento do mandato de biodiesel no óleo diesel, em respeito à legislação vigente, será um marco na redução das emissões de gases de efeito estufa nos transportes permitindo a introdução no país das tecnologias veiculares necessárias para o atendimento à fase P8 do PROCONVE.
Adicionalmente, terá impacto importante no aumento da concorrência entre os biocombustíveis para o ciclo diesel, o que deverá levar ao desenvolvimento de tecnologias mais eficientes, redução de custos e benefícios para os consumidores e o meio ambiente.
Ricardo Pinto é engenheiro químico e doutor em engenharia química pela UFRJ. Ingressou na Petrobras em 1985 e trabalhou por 20 anos no Centro de Pesquisas da companhia no desenvolvimento de processos de refino e de combustíveis. Em seguida, coordenou a formação dos novos engenheiros de processamento na Petrobras por 8 anos na Universidade Petrobras. Atualmente, é Consultor Sênior e atua em desenvolvimento de produtos na área de Marketing da Petrobras.
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