Contra barreiras

Brasil vê na Noruega potencial aliada para abrir mercado europeu aos biocombustíveis

Ambos os países defendem a neutralidade tecnológica para a descarbonização, e esperam avançar com essa agenda na COP30

Rodrigo Azeredo, à mesa, durante audiência de Comissão no Senado Federal (Foto Agência Senado)
Rodrigo Azeredo durante audiência no Senado Federal (Foto Agência Senado)

OSLO — A Noruega pode ser uma aliada do Brasil para que os biocombustíveis brasileiros, como etanol e biodiesel, ganhem algum espaço nas políticas de descarbonização da União Europeia (UE), avalia o embaixador do Brasil na Noruega, Rodrigo de Azeredo.

Atualmente, a legislação europeia impõe restrições a biocombustíveis de primeira geração, isto é, baseado em culturas agrícolas, mas o governo brasileiro busca reverter este cenário e enxerga o país nórdico como um parceiro estratégico nesta negociação.  

“É um ponto que queremos sim trabalhar junto com a Noruega, para que eles também advoguem e nos ajudem a levantar essa questão junto à União Europeia”, explicou o embaixador em entrevista à agência eixos.

Esse alinhamento se dá por uma visão compartilhada por ambas as nações: a de que o sucesso para a descarbonização dependerá de múltiplas alternativas tecnológicas disponíveis —  tal como foi acordado entre os países do G20 no último encontro de líderes, ano passado, no Rio de Janeiro.

Vale lembrar que a Noruega, apesar de não ser parte do G20, foi um país convidado pelo Brasil para participar das negociações do grupo.

Essas alternativas incluiriam tanto os biocombustíveis de primeira geração brasileiros, quanto o gás natural norueguês, que podem ter suas emissões zeradas com a adoção de captura e armazenamento de carbono (CCS).

É uma visão que antagoniza com a atual política da UE, muito focada na eletrificação e nos combustíveis sintéticos a partir da eletrificação

“Cada país vai buscar as suas alternativas, o que faz mais sentido para cada um”, pontua Azeredo, reforçando a importância da neutralidade tecnológica para a descarbonização. 

Na avaliação do diplomata, a instabilidade trazida pelo atual cenário geopolítico — que engloba conflitos, como a Guerra da Rússia e Ucrânia, e políticas isolacionistas, como as adotadas pelos Estados Unidos — torna ainda mais relevante a possibilidade de contar com “mais alternativas e mais flexibilidade”. 

Unir os trilhos do G20 com a COP30

O embaixador destacou que essas negociações devem se intensificar rumo à COP30, em Belém. 

“Uma das prioridades da presidência do Brasil é ‘unir os trilhos’ do G20 e da COP30”, pontua Azeredo, lembrando que o país busca alinhar as discussões climáticas com financiamento e combate à fome — temas centrais de sua presidência no G20

“A Noruega tem consciência disso também, tem sido uma boa parceira nisso”, diz Azeredo, citando a cooperação para desenvolvimento de tecnologias verdes e o Fundo Amazônia — que tem como principal doador o governo norueguês.

“Eles entendem essa necessidade de capacitação e de ajudar os países em desenvolvimento a alcançar a transição verde”. 

O apoio da Noruega também pode ganhar força devido aos interesses de empresas de biocombustíveis norueguesas, uma delas que já produz etanol no Brasil, a Umoe Bioenergy, que pertence a um dos maiores grupos empresariais da Noruega — com atuação em transporte marítimo, setor elétrico e telecomunicações, entre outros. 

“Há um grupo aqui que já investe lá em São Paulo, na área de etanol, e também outras empresas que fazem parte da Câmara de Comércio Brasil e Noruega, que têm interesse nessa agenda do etanol”, explica Azeredo.

Corredores verdes entre os países

Os biocombustíveis também serão parte do trabalho conjunto indicado nos recentes anúncios da nova estratégia norueguesa para intensificar a cooperação com o Brasil, e para a criação de corredor marítimo sustentável entre os países

Noruega e Brasil planejam apresentar uma ou mais opções de corredor transatlântico sustentável na COP30. 

A DNV foi escolhida para mapear e identificar quais são os primeiros portos ou terminais brasileiros que serão os primeiros do trabalho conjunto.

Segundo Azeredo, a frota de navios norueguesa poderia ser um offtaker potencial para a produção de combustíveis sustentáveis no Brasil, incluindo de origem biológica. 

“A Noruega é uma potência na indústria de transporte marítimo, tem a quinta maior frota do mundo, e o Brasil tem experiência de biocombustíveis e o potencial em desenvolver outros combustíveis sustentáveis, incluindo a amônia, metanol verde”, explica.

“Acreditamos que há uma complementaridade. Eles podem ser os offtakers, e ter o Brasil como um hub para produção de combustíveis com competitividade”. 

O embaixador também destacou que os dois países têm trabalhado em conjunto em fóruns internacionais, como a Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), para avançar na pauta de financiamento, e na inclusão dos biocombustíveis.  

“O trabalho conjunto de Brasil e Noruega na IMO é fundamental. É um bom exemplo de como os dois países estão trabalhando para alcançar algo importante para o mundo”.

Ambos os países defendem que as resoluções da IMO, que serão aprovadas em outubro, garantam a viabilização de recursos para financiar infraestrutura de produção e abastecimento com combustíveis sustentáveis, em especial, em países em desenvolvimento. 

Esses recursos viriam de um fundo financiado pelas taxas pagas por quem ultrapassar o teto permitido de emissões de carbono. (Entenda o que foi acordado nas últimas reuniões da IMO).

A ideia é um meio termo em relação à proposta de uma taxa de carbono única para todas as embarcações. O mecanismo acordado, entretanto, foi criticado por alguns segmentos da indústria, pois poderia reduzir os recursos necessários para o fundo de descarbonização marítima. 

Entretanto, Noruega e Brasil acreditam que há outras alternativas de financiamento.

“Há outras fontes de recursos para que se alcance aquilo que se imaginava que poderia ser alcançado com essa taxa no âmbito da IMO. Isso também pode diminuir a pressão para essa solução e facilitar uma aprovação daquilo que Brasil, Noruega e outros países defendem”, diz Azeredo.

Para ele, as discussões na COP30 e os acordos do G20 poderão contribuir ainda mais para a implementação dessa proposta. 

“Se tivermos esse vínculo dos trilhos do G20 e da COP, conseguiremos alocar recursos e dar mais atenção para esse tema da capacitação dos países em desenvolvimento”. 

Azeredo lembra que uma das prioridades da COP30 será destravar o financiamento climático e mobilizar recursos de países do G20 e outros com grande poder econômico, como a Noruega. 

“É um ponto caro ao Brasil, como outros países em desenvolvimento, da capacitação, gerar capacidade nos países em desenvolvimento para se adaptarem, para implementarem essa agenda de transição”. 

*O jornalista viajou à Noruega com as despesas pagas pelo Consulado da Noruega no Rio de Janeiro

Inscreva-se em nossas newsletters

Fique bem-informado sobre energia todos os dias