Biocombustíveis

Brasil reforça defesa de biocombustíveis marítimos com receio de imposto de carbono

Temor é que as exportações brasileiras percam competitividade caso a IMO proponha uma taxa sobre as emissões de navios

Na imagem: Navio cargueiro entrando no Porto de Suape, em Pernambuco (Foto: Divulgação)
Navio cargueiro entrando no Porto de Suape (Foto: Divulgação)

O Brasil tem defendido em negociações internacionais o uso de biocombustíveis para descarbonizar o transporte marítimo, em meio às discussões internacionais para criação de um imposto sobre emissões de navios para financiar a transição do setor. Uma eventual taxação é percebida como um grande ônus pelo agronegócio nacional.

O temor é que as exportações brasileiras percam competitividade, principalmente nas negociações com a Ásia, caso a Organização Marítima Internacional (IMO) opte por taxar o transporte marítimo pelas emissões.

Nos organismos internacionais, o Brasil costuma adotar a defesa de que as medidas para descarbonização sejam “tecnologicamente agnósticas”, ou seja, não favoreçam uma fonte em detrimento de outra. Existe uma resistência histórica dos europeus ao uso de biocombustíveis, pelo argumento da competição com a produção de alimentos e problemas de desmatamento.

A expectativa é de que a IMO estabeleça novas medidas para reduzir as emissões marítimas até abril de 2025. O secretário do Ministério de Relações Exteriores, Bruno Arruda, afirmou que tem ganhado tração no órgão multilateral a defesa de uma taxa universal sobre as emissões nas transações marítimas.

“Isso gera um sobrepreço que é repassado para o frete e para o consumidor final”, disse durante o seminário Transição Energética no Mar organizado pelo BNDES em parceria com a FGV esta semana.

“Os produtos que exportamos, como bens agrícolas e alimentos, são mais sensíveis [a uma taxação]. Eles chegariam ao consumidor final com um preço mais elevado, por essa medida”, acrescentou.

O evento contou com a participação do secretário geral da IMO, Arsênio Velasco, em visita ao Rio de Janeiro.

“O Brasil pode ser um líder nesse tema, fechando acordos com outros portos ao redor do mundo”, disse o executivo.

Em busca de novos mercados

Durante os dois dias de debates, representantes da indústria de biocombustíveis explicaram que essa indústria colabora com a produção de alimentos e que essas atividades não são concorrentes.

“Toda vez que houver aumento de um litro na produção de biodiesel, vai haver um aumento cinco vezes maior na produção de proteína animal na outra ponta, necessariamente”, disse o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, André Nassar.

Os especialistas reforçaram que vai ser necessário que o Brasil transmita confiança aos formuladores de políticas públicas internacionais sobre os critérios de sustentabilidade usados na produção dos biocombustíveis, para rebater os argumentos sobre desmatamento.

A reputação do país nesse tema é uma questão importante, lembrou o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), Evandro Gussi.

“Não adianta pensarmos da porteira para dentro, se não pensarmos da porteira para fora”, reforçou.

Futuro multicombustível

Algumas das principais alternativas em combustíveis de baixo carbono para navegação estão biodiesel, diesel verde (HVO), metanol, etanol e amônia. Uma solução concorrente é a eletrificação de embarcações, que tende a demandar também adaptações nos portos, para que passem a ser supridores de energia elétrica.

Na visão de especialistas, o biodiesel leva vantagem por ser amplamente conhecido e por ter características similares às fontes atuais, podendo ser usado nos motores a combustão interna, caso da maior parte da frota existente.

O Brasil também tem adotado uma postura mais ativa na defesa do uso de etanol como combustível marítimo. Parte da indústria, no entanto, afirma que essa alternativa pode ser mais desafiadora, dado que ele tem um poder calorífico menor, por isso, precisa de tanques maiores.

Para o metanol, derivado do hidrogênio, especialistas afirmam que ainda são necessários avanços tecnológicos e de segurança para viabilizar o uso em escala. Já no caso do HVO, há o temor de que a competição pela matéria-prima e processo produtivo com o combustível sustentável de aviação (SAF) acabe elevando os preços do combustível.

“Enquanto ficamos esperando o HVO, o SAF está levando a matéria-prima e o preço vai subindo. Por isso, acreditamos que a solução de curto prazo vai ser o biodiesel”, disse o superintendente de estratégia e transição energética da Be8, Camilo Adas.

Investimentos em eficiência

Para reduzir as emissões dos navios, um dos consensos no setor é de que inicialmente será mais fácil adotar medidas para reduzir o uso do combustível marítimo do que alterar a fonte.

Nessa linha, estão medidas como melhoria na eficiência dos motores, otimização das frotas, alterações aerodinâmicas que permitam um menor consumo de bunker, uso de tintas que facilitam o deslizamento dos navios e limpezas para reduzir a resistência das embarcações.

Blend fóssil com renovável

Até 2030, boa parte da indústria defende ainda o uso da mistura de combustíveis fósseis aos biocombustíveis para mitigar as emissões. Esta, inclusive, é uma das linhas de atuação da Petrobras.

A estatal vai iniciar a oferta comercial do combustível marítimo com conteúdo renovável até o final do próximo ano nos portos brasileiros. Em 2023, a companhia iniciou os testes do bunker com 24% de biodiesel e já avalia a realização de novos testes com um teor ainda maior.

“Acreditamos que vamos usar muito em breve o biodiesel e o HVO, que é drop-in”, disse o diretor de operações da Wilson Sons, Arnaldo Calbucci.

  • Diferente do biodiesel, o HVO é um combustível drop-in, o que significa que ele é idêntico ao diesel fóssil na molécula

Já na década de 2040, com parte da frota existente ainda em operação, os combustíveis drop-in também ainda devem ser a principal solução. A média global de vida de uma embarcação é de cerca de 25 anos.

“Para 2040, a gente precisa de escala, de soluções que possam rodar nos motores existentes ou com pequenas alterações”, disse o pesquisador da UFRJ, Alexandre Szklo.

Métricas tropicais

A vice-presidente de estratégia e sustentabilidade da Raízen, Paula Koversky, lembrou que o Brasil, assim como outros países do Hemisfério Sul, produzem biocombustíveis em agricultura tropical, que é mais eficaz em termos de uso da terra e gera menos competição com a produção de alimentos do que no Hemisfério Norte.

“Temos visto uma miopia e uma não capacidade de tradução das métricas que são usadas no hemisfério norte quando elas são usadas para calcular a intensidade de carbono e o impacto no uso da terra”, disse

“Nos deparamos com uma primeira discussão relacionada ao uso de biocombustíveis marítimos na Europa em que o etanol foi tratado em termos de impactos da mesma forma que o combustível fóssil. Isso não pode acontecer”, acrescentou.