RIO — O biometano pode ser para o Brasil o que o hidrogênio verde é para a Europa, uma molécula-chave na transição energética, com a vantagem de aproveitar a infraestrutura de gás já existente.
Essa é a avaliação de Sébastien Lahouste, CEO da Fluxys Brasil, do grupo belga Fluxys, um dos maiores operadores de infraestrutura de gás da Europa, e que controla 30% da TBG (Gasbol).
Em entrevista à agência eixos, ele destaca o potencial do biometano no país e os desafios para consolidar um mercado de hidrogênio baixo carbono.
“O biometano, que é também uma molécula verde, aqui no país tem um potencial tão alto, que poderia ser um pouco o hidrogênio para o mercado brasileiro”, diz.
Infraestrutura como vantagem competitiva
Lahouste pontua que o biometano — gás renovável produzido a partir de resíduos orgânicos — é uma solução viável no curto prazo para o Brasil, diferentemente do hidrogênio verde, que ainda depende de investimentos massivos em infraestrutura.
“O Brasil tem que ir pelo biometano, que já existe, tem sinais de mercado, pessoas que constroem as plantas, é uma tecnologia conhecida, não é uma cadeia de valor totalmente nova”.
Segundo ele, a estratégia ideal seria criar hubs regionais para concentrar a produção de biometano e conectá-los à malha nacional, trazendo escala e otimizando custos.
“O distribuidor pode ajudar a desenvolver de maneira local, e o excedente de biometano que ele não tem capacidade de absorver pode ser transportado pela infraestrutura existente”, explica.
Hidrogênio ainda incipiente
Enquanto o biometano avança, o hidrogênio de baixo carbono no Brasil, em especial o verde, deve se concentrar em hubs de exportação, como Pecém (CE) ou Açu (RJ), com o objetivo de atender à demanda internacional, ao invés de ser transportado para chegar a clientes domésticos em diferentes regiões do país, avalia Lahouste.
“O Brasil já tem uma matriz energética muito verde e a infraestrutura de gás não é tão desenvolvida como, por exemplo, nos Estados Unidos ou Europa. Então, não será economicamente viável pensar que amanhã vamos poder transportar hidrogênio de um lado para outro do país como dutos dedicados”.
“Nos hubs, os dutos vão ser menores, porque você interliga dentro de uma região pequena. Isso eu acredito que vai fazer sentido”, explica.
Isso porque, segundo ele, ao contrário do Brasil, no caso europeu, existem gasodutos duplos, o que permite manter um operando com gás natural, ao mesmo tempo em que se adapta e se reaproveita a infrastrutura do segundo para transporte de hidrogênio.
“Construir um novo duto s 100% de hidrogênio têm os custos atrelados muito altos”, pontua. “Aqui no Brasil, de maneira realística, não vejo como fazer isso”.
Ele citou ainda como desafios a falta de demanda interna, custos elevados e a necessidade de contratos de longo prazo com compradores internacionais, capazes de viabilizar os grandes investimentos em plantas de produção no Brasil.
Outra solução, segundo Lahouste, é injetar pequenas porcentagens na rede de gás natural.
“É uma possibilidade e sei que o regulador, a ATGás, os transportadores estão estudando isso. É a possibilidade de injetar uma pequena porção de hidrogênio no gás natural, mas isso também tem desafios”.
Estratégia mais pragmática
Enquanto a União Europeia mantém metas ambiciosas para o hidrogênio verde — como produzir 10 milhões de toneladas até 2030 —, a Fluxys adotou uma postura mais realista sobre o ritmo dessa transição.
A empresa, responsável por 28 mil km de dutos e terminais de GNL, um deles em Zeebrugge, que abastece cerca de 15% da demanda energética europeia, está avançando em projetos de hidrogênio, mas com cautela.
A princípio, a companhia identificou os corredores necessários para conectar França, Bélgica, Alemanha e Países Baixos, olhando para os grandes mercados importadores e consumidores de hidrogênio.
E tinha planos também de iniciar a construção de gasodutos que conectariam hubs de energia no Mar do Norte, com na Noruega e no Reino Unido.
Contudo, o ritmo lento do desenvolvimento da demanda de hidrogênio fez com que a Fluxys revisasse sua estratégia, apostando apenas na construção de um pequeno trecho da rede ligando dois portos da Bélgica, Ghent e Antuérpia.
“O mercado não está realmente evoluindo como pensamos, e percebemos que os nossos clientes ainda não estão com maturidade suficiente para garantir a contratação dessa infraestrutura. Por isso, optamos construir a primeira fase da rede futura de hidrogênio, que é a interligação entre os dois grandes portos da Bélgica, Ghent e Antuérpia”.
O duto terá capacidade para transportar hidrogênio puro, mas foi projetado para, em caso de necessidade, também transportar gás natural — uma estratégia “no-regret” (sem arrependimento) para evitar ativos ociosos, com custos apenas 5 a 10% maiores que um duto convencional.
A obra faz parte do “Backbone de Hidrogênio da Bélgica”, uma rede que visa conectar zonas industriais e portos ao resto da Europa, em que a Fluxys foi escolhida como operadora pelo governo belga pelos próximos 20 anos.
“Este duto será também capaz, caso por alguma razão não tenhamos o consumo do hidrogênio esperado, de ser usado para transportar gás natural. Apesar de termos uma visão clara de que transportaremos hidrogênio”, conta o CEO.
A primeira etapa dessa rede estará pronta em 2026 e será gradualmente expandida ao longo dos próximos anos, em linha com o desenvolvimento do mercado e na medida em que o risco de investimento na fase inicial do mercado seja reduzido a um nível aceitável por mecanismos governamentais.
Já em outros trechos da malha, a companhia aposta na adaptação e reforço dos gasodutos para recebimento do hidrogênio.
“O adicional de fazer essa adaptação é muito pequeno se você comparar com o custo de ter que construir um novo duto”, afirma.
Regulação, preço e demanda
Lahouste também faz um paralelo entre os desafios regulatórios para o hidrogênio e gás natural na Europa e no Brasil, respectivamente.
“A regulação na Europa trouxe mais segurança jurídica para os investimentos, mas a regulação sem um preço acessível não resolve os desafios de viabilidade econômica dos projetos”.
No contexto brasileiro, o executivo enfatiza a importância da evolução regulatória no caso da abertura do mercado de gás natural.
“Esse trabalho regulatório e de clareza regulatória é um dos desafios no Brasil”.
Para ele, mais do que pensar na regulação do hidrogênio, o país precisa focar na implementação da nova Lei do Gás e em projetos de infraestrutura que garantam a segurança energética do país, como a conexão de redes de gás com as térmicas.
“Esse desafio que é mais estrutural para o país, na minha opinião, e que deve ser endereçado como prioridade, realizar todo o desdobramento regulatório que a gente precisa hoje para o mercado de hoje”, defende.
“O governo e o regulador precisam apoiar a situação existente, por exemplo, das térmicas, que estão ligadas à segurança energética do país, isso é chave. O usuário brasileiro não pode daqui a pouco será penalizado por um custo que aumenta, justamente por falta de integração e de visão de segurança energética”, completa.