Biocombustíveis

Biomassa com captura de carbono na aposta brasileira para zerar emissões até 2050

Nos transportes, biocombustíveis avançados despontam como o principal vetor de substituição aos fósseis

BECCS: Biomassa com captura de carbono na descarbonização brasileira. Na imagem: Vista aérea das instalações e tanques de armazenamento na usina de etanol de milho da FS, em Sorriso, no Mato Grosso (Foto: Divulgação FS Bioenergia)
Tradição brasileira na produção de etanol e biodiesel deve abrir caminho para os biocombustíveis avançados, diz estudo (Foto: Divulgação FS Bioenergia)

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Diálogos da Transição

Editada por Nayara Machado
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Estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) sobre transição eficiente no Brasil dá à biomassa um papel de destaque na descarbonização do setor de energia.

Lançado no final de fevereiro, o relatório traz três cenários para o Brasil alcançar neutralidade de carbono até 2050, todos eles com avanço da bioenergia associada a tecnologias de captura e armazenamento de carbono (BECCS). Veja na íntegra (.pdf)

Os cenários unem o útil ao desejável:

A tradição brasileira na produção de etanol e biodiesel e sua infraestrutura para combustíveis líquidos ao fortalecimento do agro (só que com uma pegada de carbono potencialmente negativa) e estabelecimento de uma indústria verde no país.

No setor de transportes, os chamados biocombustíveis avançados – diesel verde, combustível sustentável de aviação (SAF), gasolina verde e biocombustíveis marítimos –, despontam como o principal vetor de substituição aos fósseis.

Já a eletrificação, tendência nas principais economias mundiais, por aqui, deve ocorrer em nichos.

O ponto de virada para esses biocombustíveis avançados ocorre em 2050, quando a participação do diesel verde na matriz, por exemplo, deverá superar a do biodiesel – e até mesmo a do fóssil –, mostra o documento.

Gráficos do estudo "Neutralidade de carbono até 2050: Cenários para uma transição eficiente no Brasil"
Gráficos do estudo “Neutralidade de carbono até 2050: Cenários para uma transição eficiente no Brasil”

O otimismo tem dois motivos: demanda em alta de segmentos do setor de transportes mais difíceis de serem eletrificado, como o aéreo, o marítimo e o transporte de cargas; e o potencial do BECCS para abater emissões em outros setores.

“A centralidade dos BECCS no alcance da neutralidade de carbono no país é evidenciada pelos volumes de carbono capturados, que alcançam 274 e 369 milhões de toneladas de CO2, em 2050, nos cenários Brasil e Global, respectivamente”.

As biorrefinarias prometem atrair vultosos investimentos em industrialização para o país, e fornecer insumos para produção de petroquímicos.

“É necessário atender a demanda por vários combustíveis líquidos, nafta petroquímica, GLP, ao mesmo tempo em que se torna necessário compensar emissões de gases de efeito estufa (GEE) de setores de difícil abatimento, como aviação, transporte marítimo e transporte de carga a longa distância”, explica o documento.

Alguns “mas”

No Brasil o corte de GEE depende mais do agro que da energia.

Mudanças no uso da terra (desmatamento) e agropecuária juntas, representam 73% das emissões totais no país. Enquanto o setor energético foi responsável 18% em 2021, de acordo com o SEEG.

E, embora os três cenários incorporem mudanças estruturais para os setores de oferta e demanda de energia necessárias para alcançar a neutralidade, eliminar o desmatamento ilegal até 2050 continua sendo condição indispensável.

Acabar com o desmatamento ilegal evitará 21 bilhões de toneladas CO2 até 2050;

Caso contrário, o custo de compensação pode chegar a US$ 3,4 trilhões para cumprir a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira.

Além disso, é preciso alcançar emissões negativas na energia até 2040. Dois dos cenários estimam aproximadamente 30 bilhões tCO2eq evitadas no horizonte e emissões líquidas zero em 2050. No cenário global, o esforço de mitigação alça cerca de 40 bilhões tCO2eq evitadas.

“Para que a neutralidade em GEE seja alcançada no horizonte de 2050 é necessário haver emissões negativas de CO2 em torno de 2035-2040, ou seja, uma década antes do momento de alcance da neutralidade climática no país”.

Nos três cenários do estudo, as emissões de CO2 são negativas em torno de 500 milhões de toneladas.

Recomendações políticas

O relatório faz nove recomendações políticas, duas delas com foco na captura e armazenamento de carbono (CCS).

A preocupação é com a criação de um arcabouço regulatório para viabilizar as tecnologias e modelos de negócios com foco na redução e remoção de carbono.

No ano passado, o tema entrou nas agendas do Congresso Nacional com o PL 1425/2022, do ex-senador Jean Paul Prates, hoje presidente da Petrobras, e do governo federal, no Programa Combustível do Futuro.

Mas a indústria ainda aguarda definições sobre um futuro marco legal. Não só para o CCS. Diesel verde e SAF também estão na fila das políticas setoriais.

Para aprofundar:

— A integração do CCS nos esforços de descarbonização da economia Hidrogênio é alternativa promissora para combustíveis fósseis, mas alta dependência de energias renováveis intermitentes e custos de produção ainda são desafios para rota verde, escrevem Nathália Weber, Isabela Morbach Carlos Peixoto

— Etanol brasileiro tem muito a ganhar com experiência em descarbonização de biorrefinarias dos EUA Para Sallie Greenberg, da Universidade de Illinois, o Brasil, como segundo maior produtor mundial da commodity, pode se beneficiar muito criando um arcabouço regulatório que dê segurança ao investimento do país no novo setor

— Brasil está dez anos atrás do mercado de biocombustíveis nos EUA Integração latina favoreceria o aumento da oferta de combustíveis de fontes renováveis e a transição energética, avalia Erasmo Carlos Battistella

— O que não se vê: impactos indiretos do setor energético para a qualidade de vida no Brasil Energia é chave para os temas mais diversos como economia, meio ambiente e saúde pública, analisa Erick Del Bianco Pelegia

— Setor elétrico: hora de cooperação pelo interesse comum A porta aberta pela MP da Eletrobras tem estimulado novas intervenções no setor, num círculo vicioso que gera instabilidade jurídica e regulatória, escreve Marcos Cintra

Como garantir combustíveis mais acessíveis e sustentáveis? No antessala desta semana discutimos as recentes decisões do governo brasileiro e caminhos possíveis no longo prazo para equilibrar os preços dos combustíveis nas bombas e as políticas de descarbonização nos transportes. Reveja

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Curtas

Crédito para o RenovaBio

O BNDES aprovou financiamento de R$ 100 milhões para a produtora mato-grossense de etanol de milho FS Bioenergia, e outros R$ 40 milhões para a Alcoeste, empresa sucroenergética de Fernandópolis (SP).

Os recursos serão investidos na ampliação da eficiência energético-ambiental e na certificação da produção das usinas na política de biocombustíveis, RenovaBio. São as primeiras operações apoiadas pelo novo formato da linha de crédito, que reduziu as taxas de juros em dezembro passado.

CBIOs voltam a superar R$ 100

Na segunda quinzena de fevereiro foram escriturados 1,8 milhão de créditos de descarbonização do RenovaBio (CBIOs), alta de 51,8% em relação ao mesmo período do ano passado. Ao todo, 37,02 milhões de títulos já foram colocados em circulação, 2,9% acima da meta oficial de 2022.

Os preços mantiveram a tendência de alta na segunda quinzena de fevereiro, oscilando entre R$ 95 e R$ 103, com a maior cifra registrada no dia 23 e a menor no dia 28. Novacana

Greve pelo Clima em Caçapava

Neste sábado, dia 04/03, na Praça da Bandeira de Caçapava, interior de São Paulo, ambientalistas farão uma manifestação contra o projeto da maior usina termelétrica do Brasil, em estudo pela empresa Natural Energia.

A mobilização faz parte da campanha global Greve pelo Clima (Fridays for Future), que a partir desta sexta-feira (3) promove atos em diferentes cidades pelo mundo pelo fim do financiamento de combustíveis fósseis.

Em Caçapava, a mobilização é organizada pelo Instituto Internacional Arayara, Fórum Popular da Natureza, Associação de Favelas, ANTAR, Movimento LUTA e Comitê Popular de Lutas.