Biocombustíveis

Biogás: o combustível do presente e do futuro, por Juliana Senna e Paulo Fernandes

Embora se aposte em bioenergia para conter emissões GEE no mundo, produção brasileira ainda é tímida – 0,09% da oferta interna

biogás

A Agência Internacional de Energia (IEA) publicou o relatório Net Zero by 2050 — A Roadmap for the Global Energy Sector, informando que é cada vez maior o número de países que se comprometeram em reduzir, até 2050, as emissões de gases que contribuem para a formação do efeito estufa (GEE).

Em todo mundo, o setor de energia, incluindo a energia utilizada para o transporte, contribui com aproximadamente 75% das emissões de GEE no mundo, de acordo com dados da Our World Data. Um fator determinante para este alto percentual, é a queima de combustíveis, que gera emissões de dióxido de carbono, que, por sua vez, é um GEE com impacto relevante.

Para transformar essa situação, destaca-se que o uso de bioenergia, dentre os quais o biogás, em conjunto com eficiência energética, uso de fontes renováveis, eletrificação, hidrogênio como combustível e captura de CO2.

O biogás é obtido por meio da conversão de material orgânico — como restos de alimentos e resíduos vegetais — através de bactérias, em metano, dióxido de carbono, alguns gases inertes e compostos sulfurosos, em um ambiente com ausência de oxigênio, processo esse conhecido como digestão anaeróbica. O metano é o principal componente volumétrico do biogás, tendo entre 55% e 70%.

O biometano, por sua vez, é obtido pela purificação do biogás, fazendo com que sua composição passe a ser essencialmente metano, havendo entre 95% e 97%.

Como vantagem, o biogás, quando comparado a outras fontes renováveis, não é intermitente, como acontece com a energia solar e eólica. O biogás pode ser produzido em escalas variadas e de forma descentralizada, podendo ser utilizado como combustível na geração de energia elétrica e térmica.

No Brasil, o biometano foi regulamentado pela ANP, tendo especificação equivalente ao gás natural. Por essa razão, o produto pode ser comercializado em postos para uso veicular (GNV), pode ser injetado em gasodutos misturado ao gás natural, além de poder ser usado para a geração elétrica e térmica.

Ressalta-se também que na transição energética para uma matriz com baixa ou zero emissão de carbono, o biogás continua sendo relevante, não só pelo seu aproveitamento como combustível, mas como fonte de hidrogênio para a produção de combustíveis baseados neste elemento e na geração de energia elétrica.

A utilização do biogás e do biometano é amparada pela Lei n. 14134/2021 (Nova Lei do Gás) e no Decreto n. 10.712/2021, estabelecendo que qualquer gás que não se enquadrar na definição de gás natural da lei tenha tratamento equivalente, desde que aderente às especificações estabelecidas pela ANP, caso do biometano.

Estados como São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Ceará, Pernambuco e Minas Gerais possuem leis estaduais que estabelecem políticas públicas para o biogás e o biometano. Alguns destes estabeleceram a obrigação de que parte do suprimento de gás das concessionárias deve ser atendido por biometano.

Estão em curso diversos projetos para aproveitamento do biogás e do biometano no Brasil, sendo destaques:

  • Geração distribuída de energia elétrica rural de pequenos e médios produtores a partir do aproveitamento de resíduos agropecuários;
  • Chamadas públicas de distribuição de gás natural para incluir o biometano em seu portfólio de suprimentos;
  • Liquefação do biometano (bioGNL) e seu aproveitamento como combustível em caminhões, fazendo com que autonomia desses veículos seja superior a 1.000 km;
  • Produção de GNV a partir do biogás produzido de resíduos urbanos e sua utilização como combustível no transporte coletivo de cidades.

Embora as notícias sobre o biogás e o biometano sejam alvissareiras, a produção brasileira ainda é muito tímida.

Segundo a Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (ABiogás) existem 670 usinas de biogás em operação no Brasil. A participação do biogás na oferta interna de energia é de somente 0,09%. Atualmente no Brasil há somente 3 plantas para geração de biometano.

Nesse sentido vale observar que, na Europa, segundo dados European Biogas Association (EBA), existem 18.943 usinas de biogás e 725 usinas de biometano.

Há, portanto, um vasto potencial de crescimento do setor no Brasil, não só por conta da demanda de geração de energia com baixas emissões de GEE, mas também pelo volume de matéria prima disponível para geração de biogás, haja vista a produção agropecuária do país.

Segundo a ABiogás, o biogás tem potencial para deslocar 34,5% da demanda de energia elétrica do país, que é de 482TWh, enquanto o biometano pode deslocar 70% da demanda de diesel nacional, que é de 67 bilhões de litros.

Resta perguntar: o que falta para a produção de biogás e biometano crescer mais rapidamente no Brasil e chegar em patamar semelhante ao que se observa na Europa?

As políticas públicas existentes e os projetos em curso são, definitivamente, um bom começo, porém há muito mais a fazer. Necessita-se ampliar o entendimento na sociedade da importância que o biogás tem como fonte de energia, não só na atualidade, mas também quando o Brasil tiver uma matriz com emissões ainda menores de GEE.

Na medida em que este entendimento se fortalece, faz-se necessário que os demais Estados também estabeleçam políticas públicas para a produção rural e urbana do biogás. Há também oportunidade para que os Estados que já possuem políticas públicas para o biogás fazerem atualizações das mesmas.

Em relação à demanda, há conveniência para que os leilões de energia elétrica promovidos pela ANEEL incentivem a geração por meio de plantas a biogás ou biometano.

Outro ponto a se aperfeiçoar são as regras de financiamento para contemplar os projetos de biogás e biometano de modo a premiar os seus benefícios em relação a outros projetos de energia.

Nesse sentido, se observa as seguintes tendências no mercado: crescimento do mercado de instrumentos de dívidas sustentáveis; crescimento de fundos de investimentos sustentáveis; aperfeiçoamento da metodologia de avaliação de impactos ESG (enviromental, social and governance) em financiamentos.

Merece reflexão ainda a criação de incentivos fiscais para a produção e consumo de biogás, à semelhança do que já existe para os investimentos e/ou consumo de outras fontes de energia.

No Brasil e no mundo, a produção de petróleo se beneficia de diversos incentivos fiscais e subsídios, posto que era necessário garantir o acesso mais amplo possível e barato à energia. Para que outras fontes, como o biogás possam ser competitivas e não gerar um aumento de custo, medidas semelhantes poderiam ser empregadas.

Para viabilizar a expansão do biogás e do biometano no país é necessário fomentar a pesquisa e desenvolvimento de metodologias e tecnologia para a sua produção, visando reduzir o custo de produção e logística.

Todas estas considerações fazem ver que o biogás tem potencial para se tornar o combustível não apenas do futuro, mas do presente.

A ampliação destes produtos na matriz energética brasileira, a custos cada vez menores, será determinante para que o país possa reduzir cada vez mais as emissões de GEE, enquanto garante uma matriz de energia segura e com acesso universal, alimentando o crescimento econômico.

Juliana Pizzolato Furtado Senna é sócia do Kincaid Mendes Vianna Advogados, com prática e experiência na área de Energia e Infraestrutura

Paulo Campos Fernandes é advogado do Kincaid Mendes Vianna Advogados, com prática e experiência nas áreas de logística, e comercialização de petróleo, produtos e gás natural