O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou, no mês passado, o aumento do teor de etanol de 27% para 30% na gasolina e do biodiesel de 14% para 15% no diesel.
A adoção recorrente dos biocombustíveis como política pública indica que o país os considera uma alternativa estratégica de energia para o curto e médio prazo.
No setor de transportes, um dos mais emissores de gases de efeito estufa (GEE) da matriz energética nacional, eles se apresentam como uma solução viável para reduzir a dependência do diesel fóssil e promover a descarbonização de modais de grande porte, como o transporte de cargas.
No entanto, reconhecer sua relevância não pode significar ignorar os seus riscos atrelados. A produção de biocombustíveis ainda precisa avançar em responsabilidade socioambiental.
É preciso garantir que a expansão da oferta energética renovável deixe de carregar consigo os mesmos impactos ambientais e sociais historicamente associados à monocultura e à pressão sobre os territórios. Ser renovável não significa, automaticamente, ser sustentável.
A matriz energética brasileira atingiu seu maior índice de participação de fontes renováveis: 50%, segundo o Balanço Energético Nacional (BEN) de 2025, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com o Ministério de Minas e Energia.
No setor de transportes, o aumento no emprego de biodiesel e de etanol nos transportes teve destaque na participação de fontes renováveis. Esses dados reforçam o potencial do Brasil no uso de bioenergia para uma transição energética.
Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), os veículos emitiram 223,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono em 2023, o que corresponde a 44% das emissões de gases dos setores de energia e de processos industriais juntos.
Esse número só não foi maior porque houve um pequeno aumento no uso de fontes renováveis no transporte: a participação dessas fontes passou de 22%, em 2022, para 22,5%, no ano seguinte.
Esses dados demonstram que os biocombustíveis já cumprem um papel relevante na contenção das emissões do país e seguirão sendo peça importante na transição energética brasileira.
Vale ressaltar que o Brasil é um dos maiores produtores de etanol e de biodiesel do mundo. Em 2024, os dois somaram mais de 44 bilhões de litros.
Esse volume expressivo exprime a dimensão agrícola do setor de energia no país, o que também implica em exigir cautela.
O uso da terra para a produção de biocombustíveis em larga escala precisa evitar competir com a produção de alimentos, e não deve avançar sobre terras não destinadas ou áreas de conservação e territórios de comunidades tradicionais.
O país ainda carece de claras diretrizes para orientar essa expansão com base em critérios técnicos, indicadores de monitoramento e metas específicas para os biocombustíveis dentro do planejamento energético nacional.
O discurso sobre o uso de áreas degradadas, por exemplo, ainda é pouco operacionalizado. Um mapeamento nacional que identifique territórios viáveis e estratégicos para o cultivo sustentável é essencial para conectar produção e responsabilidade ambiental.
Apesar da contribuição dos biocombustíveis na contenção das emissões, ainda falta ao Brasil uma estratégia sobre o papel desses combustíveis na transição energética e o uso da terra.
O risco é que, sem planejamento adequado e visão de longo prazo, o setor avance de forma descoordenada, mais influenciado por ciclos de mercado do que por interesse público.
Essas transformações exigem uma nova governança da energia no Brasil, transparente, participativa, próxima à realidade dos territórios e alinhada aos compromissos climáticos.
Conduzir uma transição energética justa e eficaz passa por reconhecer os biocombustíveis como aliados estratégicos, mas também por garantir que sua expansão ocorra com critérios, planejamento e cuidado com as pessoas e com os ecossistemas.
Os biocombustíveis precisam de salvaguardas sociais e ambientais para que possam ser, de fato, uma alternativa sólida para um futuro justo e sustentável.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Nicole Dejarmes Silva e David Tsai são, ambos, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).
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