Opinião

Biocombustíveis: desafios e oportunidades do Brasil na transição energética global

Brasil se posiciona também como exportador de conhecimento, tecnologias e modelos regulatórios, escreve Vinicius Vasques

Vinicius Vasques é head Comercial para Energy & Resources na Indovinya (Foto Divulgação)
Vinicius Vasques é head Comercial para Energy & Resources na Indovinya (Foto Divulgação)

A crise climática intensifica a urgência por soluções que reduzam a dependência de combustíveis fósseis e promovam uma matriz energética mais limpa e resiliente.

Nesse cenário, os biocombustíveis assumem um papel central na transição energética global, sobretudo em setores nos quais a eletrificação enfrenta barreiras técnicas e econômicas — como o transporte pesado, a aviação e a agroindústria.

Com uma matriz energética composta por 49% de fontes renováveis, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil desponta como protagonista nesse processo.

Vantagens dos biocombustíveis

A principal vantagem dos biocombustíveis entre as fontes de energia renováveis é sua alta densidade energética, característica que facilita a substituição direta dos combustíveis fósseis líquidos, especialmente nos setores mais difíceis de descarbonizar.

Esse atributo viabiliza a descarbonização gradual e eficiente de segmentos nos quais a opção por energia elétrica ainda não é tecnicamente viável.

Além disso, seu uso é compatível com tecnologias e infraestruturas já existentes — como motores de combustão interna e sistemas logísticos de distribuição — o que acelera sua adoção e reduz custos de transição.

Dessa forma, os biocombustíveis não apenas complementam outras fontes renováveis, mas representam uma ponte estratégica para alcançar metas de reduções de emissões de gases de efeito estufa, enquanto soluções como o hidrogênio verde ou a eletrificação total ainda não se consolidam em larga escala.

A aviação, o transporte rodoviário de cargas e o setor agroindustrial apresentam grandes obstáculos à transição energética. Essas atividades demandam alto volume energético, flexibilidade operacional e alcance logístico, limitando a aplicação de baterias ou eletrificação direta.

Os biocombustíveis, nesse contexto, oferecem desempenho técnico comparável ao dos derivados do petróleo, mas com menor impacto ambiental.

Potencial do Brasil em biocombustíveis

O Brasil é uma potência em biocombustíveis. Com forte base agrícola, infraestrutura consolidada e políticas públicas consistentes, o país lidera globalmente a produção de etanol de cana-de-açúcar, sendo o segundo maior produtor de etanol de milho.

Também se destaca na produção de biodiesel e avança no desenvolvimento de SAF (sustainable aviation fuel, em inglês) — combustível crucial para a descarbonização do transporte aéreo.

Programas como o RenovaBio (Política Nacional de Biocombustíveis) e marcos regulatórios estáveis têm criado um ambiente favorável para investimentos e inovação no setor, assim como o uso obrigatório de misturas de biodiesel no diesel fóssil e os incentivos à produção de etanol segunda geração (E2G) demonstram o compromisso institucional do país com uma matriz energética mais limpa.

Outra vantagem é que o Brasil se posiciona não apenas como produtor de combustíveis renováveis, mas também como exportador de conhecimento, tecnologias e modelos regulatórios.

Expansão dos biocombustíveis avançados

O crescimento da produção de biocombustíveis avançados é uma das maiores oportunidades brasileiras. O E2G, produzido a partir de resíduos agrícolas como o bagaço da cana, e o SAF, gerado por meio de matérias-primas renováveis, são tecnologias-chave para atender à crescente demanda por combustíveis de baixo carbono.

O Brasil possui todas as condições para liderar esse mercado: biomassa abundante, experiência industrial, conhecimento técnico e ambiente regulatório favorável.

Projetos em andamento já indicam avanços significativos na competitividade desses biocombustíveis, ampliando o leque de soluções brasileiras para a transição energética global.

No campo tecnológico, embora grande parte das soluções de alta complexidade, como equipamentos de precisão, sistemas de automação e biotecnologia, seja originalmente desenvolvida no exterior, o Brasil tem se destacado pela capacidade de adaptar essas tecnologias às suas condições específicas, criando soluções altamente eficazes para o cultivo e processamento de biomassa.

A infraestrutura de distribuição e mistura, aliada a marcos regulatórios como o RenovaBio, atrai investimentos e reduz riscos. Essas características colocam o Brasil entre as nações mais preparados para liderar o futuro dos biocombustíveis.

Como o setor privado pode contribuir?

Já o setor privado tem papel determinante no avanço da bioenergia no país. Empresas têm investido em pesquisa, inovação e parcerias com centros de excelência para aprimorar processos produtivos e reduzir impactos ambientais.

Além disso, adotar práticas sustentáveis passou a ser mandatório, com consumidores e investidores cada vez mais atentos à pegada de carbono das cadeias produtivas.

Apesar dos avanços, o segmento de biocombustíveis ainda enfrenta desafios significativos. A eficiência dos processos, a estabilidade dos combustíveis em diferentes climas e a adaptação a novos modais de transporte são obstáculos importantes.

Um exemplo na área produtiva é a formação de espuma na fermentação do etanol, que pode comprometer até 40% do volume útil das dornas (tanques). Na produção de etanol de cana-de-açúcar, por exemplo, o desenvolvimento de espuma durante a fermentação é um problema recorrente que compromete a eficiência e a produtividade das usinas.

Nesse contexto, o uso de antiespumantes de alta performance tem se mostrado essencial para garantir a estabilidade do processo, reduzir perdas e manter a competitividade do produto final.

Outro desafio no mercado de biodiesel está relacionado ao transporte e armazenamento em regiões de clima frio. A cristalização do combustível em baixas temperaturas pode causar entupimentos e falhas logísticas, principalmente quando a matéria prima utilizada é de origem animal.

Para enfrentar esse problema, são utilizados aditivos que atuam sobre o Ponto de Entupimento do Filtro a Frio (PEFF) — um parâmetro que indica a menor temperatura que o combustível consegue passar por um filtro sem obstrução.

Esses aditivos são fundamentais para manter a fluidez do combustível e garantir sua performance mesmo em condições adversas.

Essa abordagem integrada permite manter a estabilidade do processo, otimizar o uso dos tanques de fermentação, reduzir perdas operacionais e minimizar a necessidade de intervenções corretiva, contribuindo diretamente para a sustentabilidade da operação por meio de uma melhor eficiência industrial e práticas mais responsáveis.

Marcos legais e incentivos

Embora o Brasil conte com um dos arcabouços legais mais avançados em biocombustíveis, é essencial que o setor privado continue investindo em eficiência e inovação.

Tornar os biocombustíveis economicamente mais competitivos frente aos combustíveis fósseis é o próximo passo para atrair mais investimentos e ampliar a escala de produção.

Programas de incentivos, metas obrigatórias de mistura e acesso facilitado a financiamento são ferramentas eficazes, mas devem vir acompanhadas de uma agenda contínua de modernização tecnológica e inserção internacional.

O Brasil tem diante de si uma oportunidade histórica de se consolidar como referência global em bioenergia.
O etanol de milho pode expandir-se para regiões com alta produtividade agrícola, o biodiesel pode ser a solução definitiva para o transporte de cargas, e o SAF posiciona o país como parceiro estratégico para a aviação internacional ser mais sustentável.

A demanda global por soluções de baixo carbono seguirá crescendo, pressionando cadeias logísticas, governos e empresas a adotarem combustíveis alternativos.

Com planejamento, inovação e colaboração entre os setores público e privado, o Brasil tem condições de liderar esse movimento, criando também soluções inovadoras e escaláveis que suporte a adoção em larga escala dos biocombustíveis.

Com a transição energética sendo uma prioridade estratégica para governos, empresas e sociedade civil, os biocombustíveis emergem como peça-chave para um mundo mais sustentável.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Vinicius Vasques é Head Comercial para Energy & Resources na Indovinya.

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