RIO — A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) lançou esta semana a Nota Técnica Hidrogênio e Biomassa: Oportunidades para produção e uso de hidrogênio em sistemas de bioenergia, em que aponta o setor de biocombustíveis como um dos grandes potenciais consumidores de hidrogênio de baixo carbono produzido no Brasil.
A nota aponta que o hidrogênio já é essencial em setores como refino (70% do consumo nacional) e fertilizantes. Porém, a expansão de biocombustíveis avançados, como o querosene de aviação sustentável (SAF) e o diesel verde (HVO), deve ampliar significativamente a demanda.
Projeções indicam que, até 2034, só o setor de bioenergia exigirá mais que o dobro da produção atual de hidrogênio no Brasil (500 mil toneladas/ano).
“Sistemas de bioenergia, sejam eles consolidados ou emergentes, demandam hidrogênio em larga escala e podem criar um mercado interno robusto para o hidrogênio de baixa emissão”, afirmou Danielle Borher, analista da EPE.
“Ao mesmo tempo que a produção de hidrogênio a partir da biomassa se apresenta como uma alternativa de baixo carbono, competitiva e com vantagens únicas. A expansão e diversificação da bioenergia cria uma demanda interna firme e significativa para esse hidrogênio de baixa emissão, gerando esses benefícios para ambos os segmentos”.
A nota técnica mapeia rotas para produzir hidrogênio a partir da biomassa, com destaque para:
- Etanol: pode ser usado como “carreador de hidrogênio”, aproveitando infraestrutura logística já consolidada.
- Glicerina: coproduto da cadeia do biodiesel, hoje subutilizado, pode ser convertido em hidrogênio, agregando valor à produção.
- Resíduos: biomassa lignocelulósica (como palha e casca de arroz) e biogás de biodigestão anaeróbica são fontes promissoras, especialmente por não competirem com a produção de alimentos.
“Utilizar a glicerina, que é um coproduto da produção do biodiesel para a produção de hidrogênio, permitiria a aplicação desse insumo na própria cadeia de bioenergia”, explicou Borher.
Ciclo sinérgico para redução de carbono
Já o analista da EPE Rafael Lavrador destacou o “ciclo sinérgico de redução de carbono”, em que o hidrogênio de baixa emissão pode descarbonizar a produção de bioenergia, com uso de fertilizantes verdes feitos de hidrogênio, por exemplo, enquanto a biomassa pode ser matéria-prima para a produção de hidrogênio com pegada negativa quando combinada com captura e armazenamento de carbono (CCS).
“O uso de um hidrogênio de baixo carbono aqui, para produzir uma amônia de baixo carbono, seria capaz, portanto, de reduzir as próprias emissões dos biocombustíveis, do etanol, do biodiesel. Ao utilizar uma amônia de baixo carbono no campo, você reduz a emissão também desses biocombustíveis”.
Além disso, o biodiesel poderia ter suas emissões reduzidas ao utilizar metanol produzido a partir de hidrogênio de baixo carbono.
“Poder usar o hidrogênio de baixo carbono também nessa substituição do diesel vai melhorar a intensidade de carbono desses próprios combustíveis que são usados. E, no limite, melhorar a intensidade de carbono dos biocombustíveis que estão sendo produzidos”, explicou Lavrador.
Essa redução das emissões no ciclo de vida dos biocombustíveis também permitiria maior monetização via emissão de créditos de carbono do RenovaBio, os CBIOs.
Complementaridade com outras rotas
O estudo também analisou a integração do hidrogênio de biomassa com outras rotas, como a eletrólise com energia renovável (hidrogênio verde), e a reforma de gás natural com CCS (hidrogênio azul).
“Identificamos que tem pelo menos três grandes complementaridades que existem entre essas três rotas”, pontuou Lavrador, citando fatores ligados a regionalidade, temporalidade e uso final do hidrogênio.
No aspecto regional, o Nordeste, por ter abundância de energias solar e eólica, seria mais propício para a produção de hidrogênio verde, enquanto o sudeste, com disponibilidade de gás natural e reservatórios para CCS, teria melhor vocação para o hidrogênio azul.
Já regiões com alta atividade agropecuária, a exemplo do Sul e Centro-Oeste teriam maior potencial para produção de hidrogênio a partir de biomassa.
Na avaliação temporal, o hidrogênio de biomassa poderia ser complementar ao hidrogênio verde em momentos de intermitência da geração renovável. Enquanto o hidrogênio verde complementaria a biomassa em períodos de entressafra.
Em relação ao uso final, o hidrogênio verde, por ser mais puro, poderia atender às exigências para uso em células a combustível, por exemplo. Já a biomassa permitiria a produção de gás de síntese, com carbono biogênico, com melhor aproveitamento para produção de combustíveis sintéticos de baixa emissão.