RIO — O diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Fernando Moura, apresentou nesta terça-feira (26/7) pedido de vistas sobre a minuta de resolução proposta pelo órgão regulador, para aumentar temporariamente o volume obrigatório de estoques de diesel S10 no país. O item ainda não tem data confirmada para voltar à pauta da diretoria colegiada.
Após críticas das empresas afetadas pela medida, a agência recuou em alguns pontos da proposta original. Com as mudanças, a ANP espera atingir um estoque da ordem de 1,54 bilhão de litros — 6,6% a menos que os 1,65 bilhão de litros almejados inicialmente. A essência da proposta, contudo, se mantém.
Entenda: A minuta de resolução proposta pela ANP obriga produtores e distribuidores a manter o equivalente a nove dias de estoques. A medida vale para empresas com market share superior a 8% das vendas de S10 no segundo semestre de 2021.
O que mudou na proposta
Os maiores refinadores do país (Petrobras e Acelen) e os líderes do mercado de distribuição de combustíveis (Vibra, Raízen e Ipiranga) — os cinco agentes afetados pela medida — são contra a proposta.
As companhias alegam que a manutenção de estoques traz custos financeiros e veem risco de aumento dos preços do derivado, com a medida.
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A ANP decidiu mudar alguns pontos da proposta original. Em resumo:
- as empresas terão que comprovar o equivalente a nove dias de estoques, na média, quinzenalmente, e não mais semanalmente;
- a contabilização dos estoques passa a incorporar não só os estoques próprios mantidos nas refinarias, bases e terminais em território nacional, mas também aqueles a caminho do país, em navios de traders;
- o trader poderá armazenar diesel em base de distribuição, a partir de acordo de cessão de espaço homologada pela ANP.
Como votaram os diretores da ANP
Ao pedir vistas, Moura alegou que ainda não é possível avaliar com clareza “os benefícios e sacrifícios” que a medida trará.
Além disso, segundo o diretor, a proposta da ANP foi concebida tomando como base uma estimativa de produção interna defasada. Ele citou que as novas projeções de produção do parque de refino nacional são 7,4% maiores que as previsões consideradas pela equipe técnica da agência.
A relatora, Symone Araújo, e o diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, anteciparam o voto favorável à proposta. Os diretores Daniel Maia e Cláudio Jorge de Souza preferiram não antecipar o voto.
Saboia afirmou que a proposta visa a mitigar riscos que “têm baixa probabilidade de ocorrer, mas que teriam implicações muito graves”.
Symone Araújo, por sua vez, argumentou que os patamares de estoque exigidos pela ANP são compatíveis com níveis de estoque monitorados pela agência entre abril a junho.
“Não estamos sobrecarregando os agentes econômicos. Estamos, tão somente, em função de todas essas incertezas, dizendo: vamos ficar por mais três meses com estoques até menores que vocês [empresas] já vinham fazendo, como em maio, por exemplo”, reforçou o superintendente de Distribuição e Logística da ANP, Rubens Freitas.
O objetivo da agência é atingir um estoque da ordem de 1,54 bilhão de litros. Segundo a ANP, esse nível é equivalente a cerca de 42 dias do déficit externo estimado no período, caso haja restrições nas importações.
A ANP está preocupada com a queda dos estoques, frente às incertezas do lado da oferta global do diesel no segundo semestre.
Desde meados de maio, os estoques de diesel S10 monitorados pela agência já caíram 14%. Ao todo, eram 1,483 bilhão de litros em estoque na semana passada – 8% a menos do que o registrado há quatro semanas.
Ou seja, na prática, os estoques pretendidos pela ANP representam um aumento de cerca de 3,8% em relação aos patamares mais atuais.
IBP vê melhora no cenário do abastecimento
O boletim de monitoramento do abastecimento, divulgado quinzenalmente pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), mostra que a oferta total de diesel S10 no Brasil é superior à demanda projetada para os meses de julho, agosto e outubro.
Já nos meses de setembro, novembro e dezembro de 2022 há a expectativa de um pequeno déficit que poderá ser suprido, segundo o IBP, com os estoques atuais.
O instituto estima um crescimento de 12,2% na demanda em 2022, em comparação a 2021. Este percentual está alinhado com o crescimento médio do diesel S10 entre 2016 e 2021.
Estoques, por si só, não são suficientes, diz consultoria
Os dados de estoque de diesel apresentados pelo governo são tecnicamente falhos e minimizam os reais riscos de desabastecimento no mercado doméstico. Esta é a avaliação do sócio-diretor da Leggio Consultoria, Marcus D´Elia, que critica a forma como o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) gerenciam os riscos de escassez do combustível neste segundo semestre.
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De acordo com a consultoria, a cobertura de estoque atual do país é de 15 dias, e não 50 dias como o informado pelo Ministério de Minas e Energia.
Relembre: Há duas semanas, o ministro Adolfo Sachsida, ao participar de audiência pública no Senado, disse que o Brasil estava “bem posicionado” e abastecido até o fim do ano.
D’Elia explica que os critérios utilizados pelo governo, no cálculo, são distorcidos, porque consideram apenas a relação entre os volumes estocados e a média de importação do derivado. Segundo ele, a gestão dos riscos deveria ir além do monitoramento de estoques, em si.
Na avaliação do consultor, o mais importante, hoje, seria mapear os pontos de maior risco, identificar alternativas de suprimento e planejar rotas para movimentar produto até os locais mais vulneráveis.
De acordo com a Leggio Consultoria o risco de desabastecimento de diesel existe – mas, se faltar combustível, provavelmente será em locais específicos mais vulneráveis, em regiões mais distantes dos centros de produção e dos estoques, que estão concentrados no Sudeste.