A liderança do Brasil no Grupo de Trabalho de Transições Energéticas do G20 (ETWG) e a sanção da lei do Combustível do Futuro, nesta terça (8/10), fortalecem o papel dos biocombustíveis na agenda global de descarbonização, na avaliação de Rafael Ceconello, diretor de Assuntos Regulatórios e Governamentais da Toyota.
A montadora participou das reuniões do ETGW, que na semana passada anunciou pela primeira vez desde 2021 uma declaração conjunta, em que abriu espaço para reconhecer a sustentabilidade e eficácia dos biocombustíveis na descarbonização dos transportes.
“De fato chegaram ao consenso de recomendar que na rota de descarbonização, todos os esforços globais pela descarbonização, devem ser considerados. Não só o hidrogênio e a eletrificação, mas também os biocombustíveis e combustíveis sustentáveis, o que é um avanço diplomático muito grande e serve de orientação para vários países”, disse Ceconello em entrevista à agência eixos.
Durante todos os eventos do G20, a Toyota integra, com seus modelos híbridos flex, a frota de veículos que transportam as delegações internacionais no Brasil. Um dos modelos é o híbrido flex movido a etanol, que foi lançado em 2019.
Além desse, a Toyota apresentou no evento dois protótipos de carros, um modelo híbrido flex com tomada externa e outro modelo movido a biometano, voltado para o campo.
“Quando você abastece o híbrido flex com etanol, a descarbonização é de até 70%, e com a nova versão [com tomada externa], chegamos a 90% de redução nas emissões”, disse Ceconello.
Ele conta que empresa ainda tem planos de produzir carros 100% elétricos no Brasil, mas destaca que para isso seria necessário uma demanda consistente ainda inexistente no país. O foco atual segue nos híbridos, que representam cerca de 25% a 30% da produção da empresa no Brasil.
“A demanda está crescendo, e a gente acha que vai chegar a 50% muito rápido”, antecipa.
Complementaridade com eletrificação na Europa
Para além do Brasil, Ceconello observa que os biocombustíveis começam a ganhar atenção de lugares que anteriormente focavam exclusivamente na eletrificação, como a Europa, que já começa a perceber a necessidade de outras rotas tecnológicas.
“A Europa já não enxerga mais tudo elétrico. Ela enxerga uma rota de hidrogênio, mas já entendeu que tem que complementar isso. Isso significa que ela vai investir e capitalizar biocombustível? Não. Mas significa que eles vão ter que revisar e repensar alguns caminhos”, diz o executivo.
Um exemplo disso é a aviação, setor no qual os biocombustíveis já são considerados essenciais para a descarbonização.
“O pragmatismo da Europa está focado no hidrogênio. Só que eles têm um ‘gap’, uma transição para conseguir isso. E são anos para poder se viabilizar de fato. Nesse contexto, a partir do momento que se coloca essa questão do biocombustível, abre-se uma janela para eles começarem a entender algumas aplicações”, avalia.
Combustível do Futuro é um “norte”
Na avaliação de Ceconello, o Combustível do Futuro “traz previsibilidade de que há, de fato, uma continuidade na política para biocombustíveis no Brasil”. Segundo ele, esse apoio à indústria nacional também pode se refletir em outros países.
“Essa política sinaliza e serve de espelho não só para o Brasil como para o mundo de que é uma política para desenvolvimento de uma indústria e uma frota importante que vai usar biocombustível”, disse.
Ceconello também destacou outras políticas, como o Mover, que prevê o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos veículos seja diferenciado a partir de critérios sustentáveis, como fonte de energia utilizada no motor, eficiência energética e reciclabilidade de componentes. Isto é, quanto menos poluente, menor a alíquota.
“O programa Mover é positivo, a mudança da alíquota da tributação do IPI verde é positiva (…) Essas políticas públicas, de alguma maneira, também trazem mais segurança na visão da Toyota. Dão um norte”, afirmou
Recentemente a marca anunciou um investimento de R$ 11 bilhões para expandir sua capacidade produtiva e desenvolver novas soluções de mobilidade. Parte desse valor será destinado à fabricação de dois novos veículos híbridos flex.
No entanto, ele alertou para o risco de sobretaxação trazido pelo imposto seletivo, previsto na reforma tributária.
“O imposto seletivo não deveria incidir sob nenhum veículo, especialmente aqueles que são mais eficientes em termos de emissões”, completou.
Novos entrantes no mercado de híbridos
Ceconello também falou sobre a crescente competição no mercado brasileiro, impulsionada por fabricantes chineses como a BYD, que anunciaram a construção de uma fábrica de veículos elétricos e híbridos na Bahia.
Ele destacou que, embora a concorrência seja positiva para o aumento da cadeia produtiva, é fundamental garantir condições de igualdade, especialmente em relação a incentivos fiscais de importações.
“Você tem um imposto de importação que mais ou menos está na média de 15%, sendo que o mínimo é 35% acordado globalmente. A Europa está cobrando 50%, os Estados Unidos estão cobrando 100%. Aqui nós estamos com um incentivo à importação. Então, isso é ruim”, ressaltou.
Ceconello também destacou a importância de garantir que esses projetos anunciados saiam do papel.
“Já tem histórico no Brasil, no passado, de que você anuncia o investimento, importa um monte de carro e depois você não conclui as obras. Isso aconteceu recentemente na Tailândia com a BYD. A BYD conseguiu uma série de incentivos do governo tailandês, prometendo que ia fazer uma produção e depois faz simplesmente uma montagem e importação de veículos”, disse.