Opinião

A importância da marca para a indústria de GLP na América Latina

Modernização não está em substituir a marca, mas em reforçá-la com tecnologias testadas e reguladas, escreve Fabrício Duarte

Fabrício Duarte é o diretor executivo da Associação Internacional de Gás Liquefeito de Petróleo — AIGLP (Foto Divulgação)
Fabrício Duarte é o diretor executivo da Associação Internacional de Gás Liquefeito de Petróleo — AIGLP (Foto Divulgação)

O gás liquefeito de petróleo (GLP) é uma das fontes de energia mais relevantes para a vida cotidiana de milhões de famílias na América Latina. Presente tanto em áreas urbanas quanto nas mais remotas comunidades rurais, o produto garante acesso à energia limpa, segura e de baixo custo. 

Apesar de parecer simples à primeira vista, a cadeia de fornecimento do GLP envolve uma engrenagem logística e regulatória complexa, que vai muito além do enchimento de cilindros e sua entrega ao consumidor.

Sabemos que a discussão sobre o modelo de marca na distribuição do GLP não é nova. De tempos em tempos, reaparecem teorias que defendem soluções fáceis, vendidas como inovações capazes de reduzir custos e modernizar o setor. 

A experiência mostra, no entanto, que essas ideias já foram testadas em outros mercados e resultaram apenas em sucateamento, perda de qualidade e desorganização de uma cadeia que, na América Latina, é virtuosa e vital. 

Não se trata apenas de eficiência regulatória ou econômica: milhões de famílias latino-americanas dependem do bom funcionamento dessa indústria para ter acesso seguro e confiável à energia em seu dia a dia.

Nesse contexto, a marca estampada nos cilindros se revela um pilar essencial. 

Ela garante segurança, rastreabilidade, responsabilidade legal e confiança para o consumidor final, funcionando como uma salvaguarda contra soluções improvisadas que ameaçam a integridade de um mercado sólido e eficiente.

A marca como garantia de segurança e confiança

Mais do que um elemento comercial, a marca gravada em alto-relevo nos cilindros é um verdadeiro selo de responsabilidade objetiva. 

Ao vincular a empresa distribuidora ao recipiente em todas as etapas de seu ciclo de vida, a marca assegura que o consumidor está recebendo um produto seguro e devidamente controlado. 

Em um setor em que a segurança deve ser absoluta, esse vínculo evita a existência de “cilindros órfãos”, sem responsáveis definidos, que podem colocar em risco tanto consumidores quanto trabalhadores da cadeia de distribuição.

A experiência internacional mostra os perigos da flexibilização dessa regra. Em países que permitiram o enchimento de cilindros de diferentes marcas por empresas sem vínculo direto, os resultados foram trágicos. 

Um exemplo emblemático ocorreu na Nigéria, em 2015, quando uma operação de enchimento remoto terminou em uma explosão que vitimou mais de 100 pessoas. 

O episódio deixou claro que a ausência da marca como elo de responsabilidade abre brechas para práticas inseguras, concorrência desleal e degradação da confiança pública.

O BCRM e sua relevância para a América Latina

Na América Latina, países como Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Peru e Uruguai, entre outros, consolidaram a adoção do Branded Cylinder Recirculation Model (BCRM), ou Modelo de Recirculação de Cilindros com Marca.

Trata-se de um sistema em que cada cilíndro retorna sempre ao proprietário da marca após o uso, garantindo que passe por inspeções e, se necessário, reparos e requalificação antes de voltar ao mercado. 

Esse modelo criou um padrão de excelência que associa diretamente a marca ao compromisso com a segurança.

A simplicidade do BCRM é também sua força. O baixo custo de rastreabilidade oferecido pela marca gravada no aço dispensa soluções caras ou complexas.

É um sistema robusto e acessível, capaz de funcionar de maneira eficiente mesmo em mercados vastos e heterogêneos, como os da América Latina. 

Além de proteger o consumidor contra práticas ilegais, a recirculação dá previsibilidade à logística e assegura concorrência justa entre as empresas.

Não faltam, contudo, propostas que tentam substituir esse modelo sólido por sistemas tecnológicos de rastreabilidade, como chips eletrônicos ou QR codes.

Defensores dessas soluções argumentam que elas poderiam dispensar a marca, mas a realidade é que tais tecnologias nunca foram testadas em mercados com portabilidade livre e na escala de países como o Brasil. 

Na prática, sua implementação acarretaria custos elevados de fiscalização, inviabilizando a aplicação das leis e abrindo espaço para a infiltração de capital ilícito em um setor até hoje marcado por estabilidade e confiança. 

O risco seria reproduzir no GLP problemas já conhecidos no mercado de combustíveis líquidos, onde a fragilidade do controle regulatório alimentou evasão fiscal, sonegação, informalidade e ilegalidade. 

Nesse sentido, a modernização do setor não está em substituir a marca, mas em reforçá-la e combiná-la, de maneira complementar, com tecnologias devidamente testadas e reguladas.

O exemplo brasileiro como referência regional

O Brasil, maior mercado de GLP domiciliar da região, é exemplo de como maturidade regulatória não significa atraso, mas sim eficiência e solidez.

Com mais de 70 anos de experiência, o setor brasileiro atinge 100% dos municípios do país, garantindo acesso universal a um energético essencial. 

Desde a implementação do Programa Nacional de Requalificação e Destroca de Cilindros, em 1996, os índices de acidentes caíram e a vida útil média dos cilindros saltou de cerca de 40 para 72 anos, resultado direto das rotinas de inspeção e da responsabilidade atrelada à marca.

Esse histórico comprova que a regulação baseada na marca gera benefícios concretos para a sociedade. Ao contrário da percepção de que um sistema consolidado estaria ultrapassado, a experiência brasileira demonstra que tradição e inovação podem caminhar juntas. 

A longevidade dos cilindros reduziu desperdícios e custos, garantindo sustentabilidade ambiental e econômica, ao mesmo tempo em que reforçou a confiança do consumidor, que reconhece na marca um sinal inequívoco de procedência e qualidade.

Conclusão

A marca no cilíndro de GLP não é uma barreira de entrada, ela é um mecanismo regulatório e social que sustenta a segurança energética, garante rastreabilidade, fortalece a confiança do consumidor e promove eficiência econômica. 

A experiência latino-americana, em especial a brasileira, demonstra que o vínculo entre marca e responsabilidade legal cria um mercado sólido, inclusivo e competitivo, capaz de atender com qualidade e segurança até mesmo os territórios mais remotos.

Num cenário em que discursos de modernização tentam impor soluções tecnológicas ainda não testadas, é fundamental lembrar que a marca permanece sendo a base mais segura, eficiente e sustentável para a indústria do GLP. 

É essa solidez que permite à América Latina não apenas manter altos padrões de qualidade, mas também oferecer ao consumidor o que mais importa: a certeza de estar diante de um produto seguro, confiável e que respeita sua vida e seu bem-estar.


Fabrício Duarte é o diretor executivo da Associação Internacional de Gás Liquefeito de Petróleo (AIGLP). Tem mais de 30 anos de experiência em gestão pública e privada, e com forte atuação em relacionamento institucional no Brasil e na América Latina.

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