O refino nacional é marcado pela forte presença da Petrobras. São dez ativos sob o controle da companhia e oito com a iniciativa privada.
Conforme a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em 2024, a estatal foi responsável por 84,9% do processamento de petróleo e 82,5% da produção de derivados, ao passo que os refinadores privados não superaram 2% em ambas as atividades — com exceção da refinaria de Mataripe, que respondeu por 11,6% e 11,8% respectivamente [1].
Diante desse cenário, é preciso olhar para o futuro e ponderar os caminhos para a expansão desse setor, ciente do potencial nacional para o processamento de óleos vegetais e da alta dependência externa de derivados de petróleo (590 mil bpd em 2024).
Hoje, o coprocessamento de petróleo e óleos vegetais já ocorre em ativos inseridos no sistema Petrobras, a exemplo da comercialização do diesel com conteúdo renovável (Diesel R5) e do Very Low Sulfur Oil (VLSF) com 24% de conteúdo renovável.
Em seu último relatório de produção e venda, a estatal sinalizou testes bem sucedidos em relação à produção de combustível sustentável de aviação (SAF) por coprocessamento com óleos vegetais na Refinaria de Duque de Caxias (Reduc/RJ), Refinaria Gabriel Passos (Regap/MG) e Refinaria de Paulínia (Replan/SP) e ao coprocessamento de 5% bio óleo de biomassa de eucalipto na Refinaria Riograndense.
De todo modo, deve-se estar atento à origem e à rastreabilidade de carbono das matérias-primas de tais combustíveis, evitando que sejam causa para aumento do desmatamento e impactos negativos no uso do solo.
Além disso, a inauguração, em janeiro de 2025, da Unidade de Abatimento de Emissões Atmosféricas (SNOX) na Refinaria Abreu e Lima (Rnest/PE) almejou melhorar a gestão de poluentes como óxido de enxofre e óxidos de nitrogênio, com o intuito de contribuir para a qualidade do meio ambiente e reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Por mais que tais avanços sejam relevantes, ainda são incipientes frente ao compromisso da estatal em ampliar seu portfólio para uma empresa integrada de energia.
Diante desse cenário, fica evidente a convergência entre o refino nacional e o processo de transição energética.
O coprocessamento de óleos vegetais com petróleo, a produção de biocombustíveis como SAF e o diesel verde (HVO), além de infraestruturas de abatimento de emissões pelos investimentos em SNOX, são alternativas que permitem manter ou ampliar a produção de derivados, sem necessariamente implicar no aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Resta, contudo, acelerar os investimentos e estabelecer uma visão de longo prazo em favor da indústria nacional.
Em termos de incentivos para o biorrefino, a Lei dos Combustíveis do Futuro deu um passo inicial, ao estabelecer metas de descarbonização e mandato de mistura obrigatória em relação aos mercados do SAF e HVO.
Contudo, é preciso ir além e estabelecer créditos de carbono ou incluir o coprocessamento como rota elegível para geração de crédito de descarbonização (CBIO), de modo a agregar valor às externalidades positivas geradas pelo uso de biomassa renovável para produção de combustíveis.
Não só isso: a iminente aprovação da licença ambiental do bloco FZA-M 059 na Foz do Amazonas em favor da Petrobras e a recente inserção de blocos da região em oferta permanente pela ANP exigem o desenvolvimento de uma política pública para superar o perfil primário-exportador de petróleo cru do país, agregando valor à indústria nacional e contribuindo para geração de emprego e renda.
Especialmente na região Norte, onde se localizam as reservas dessa nova fronteira e não há previsões para construção de ativos de processamento de óleo no horizonte decenal de 2034 da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Por fim, é fundamental destacar que a agenda da transição energética nacional e da indústria de óleo e gás são complementares, até porque nem mesmo o cenário mais ambicioso de net zero desenvolvido pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) prevê o fim do uso de hidrocarbonetos.
Desse modo, não é justo com nossa sociedade abrir mão das externalidades positivas geradas por essa indústria, em favor tão somente de metas ambientais e climáticas estabelecidas por países estrangeiros.
Nossa matriz energética já apresenta alta sustentabilidade com mais de 49% de renováveis e a nossa dependência externa de derivados é elevada. Assim, a autossuficiência energética, o desenvolvimento de novas rotas tecnológicas para combustíveis e o abastecimento devem ser postos como prioridades para o país.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Erick Sobral Diniz é doutorando e mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio e pesquisador da área de Refino do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).
Referência
[1] Informações detalhadas estão disponíveis no segundo Boletim do Abastecimento do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), publicado em abril de 2025: https://ineep.org.br/wp-content/uploads/2025/04/boletim-do-abastecimento-no-2-1-1.pdf. Acessado em 5/6/2025.