Biocombustíveis

CNPE não chega a consenso sobre embate diesel verde x biodiesel

Petrobras e indústria do biodiesel divergem sobre proposta de regulamentação das novas rotas tecnológicas

CNPE não chega a consenso sobre embate diesel verde x biodiesel
(foto: Pixabay)

A reunião do Conselho Nacional de Politica Energética (CNPE) desta quinta-feira (7/4) terminou sem consenso sobre a comercialização do HBIO da Petrobras e de outras rotas de diesel renovável (ou verde) no Brasil.

A Petrobras e a indústria de óleo e gás, de uma forma geral, defendem que os percentuais de mistura obrigatória de biodiesel ao diesel possam ser cumpridos também com o uso dos novos produtos. Assim, seria possível atender ao B10, por exemplo, em parte com o diesel renovável.

A livre concorrência entre as rotas tecnológicas não é unanimidade no governo e na ANP e tem sofrido pressão contrária por parte do setor de biodiesel — que defende que o diesel verde e o biodiesel não devem competir entre si e tenham mandatos próprios de mistura obrigatória ao combustível fóssil. O modelo seria, nesse caso, uma mistura BxRx.

A proposta chegou a entrar na pauta do CNPE na semana passada, mas caiu. Há uma intensa pressão do setor de biodiesel, com aliados na bancada do agronegócio no Congresso Nacional.

No início da semana, a própria Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) enviou ofícios para as pastas com poder de voto no CNPE, em defesa do setor.

“Importante considerar que a cadeia produtiva do biodiesel gerou R$ 30,8 bilhões em PIB direta e indiretamente e 373 mil empregos. Para cada R$ 1 investido em biodiesel, 33 novos empregos são criados no Brasil”, diz o documento.

Fontes do setor de combustíveis acrescentam que o diálogo fica cerrado entre a “intransigência dos dois lados”: a Petrobras, pela abertura total da mistura; e a indústria do biodiesel, por um mandato exclusivo para o biocombustível e pela retomada do B12 — que esbarra no fato de o biodiesel representar, hoje, um impacto inflacionário sobre o preço do diesel e, inclusive, dos alimentos.

Cada percentual — seja de biodiesel ou diesel — na mistura representa um mercado da ordem de 600 milhões de litros por ano. Esta semana, em reuniões com membros do governo, entidades do setor defenderam a retomada do B12, a mistura mínima de 12% de biodiesel, que deixou de vigorar ano passado — pelo calendário original, o Brasil chegaria no B15 em 2023.

Diesel B acumula alta de 47% em 12 meses

O impacto inflacionário tem contribuído para que a mistura seja limitada ao B10. O IPCA acumulado em março atingiu 11,3% em 12 meses, com alta de 46,47% nos preços do óleo diesel vendido ao consumidor final (diesel B), no mesmo período.

O litro do biodiesel (B100) entregue às distribuidoras foi negociado a R$ 5,658 no último leilão de 2021 (para atendimento ao mercado em novembro e dezembro) e que encerrou esse tipo de modalidade de contratação no país. O produto chegou a R$ 6,806 (+20,3% em relação ao último leilão do ano) no primeiro bimestre de 2022 e a R$ 7,335 (+29,6% na mesma base comparativa) na última semana de março. Para efeitos de comparação, o preço do óleo diesel atingiu R$ 3,706 no último bimestre de 2021; chegou a R$ 4,001 no primeiro bimestre deste ano; e R$ 4,537 no fim de março.

Na discussão que levou ao B10, decisão tomada pelo CNPE em 2021, os ministérios da Infraestrutura, da Economia e a Casa Civil, comandada pelo senador Ciro Nogueira (PP/PI), engajado na reeleição de Bolsonaro, defenderam o congelamento da mistura em 10%, justamente em razão dos impactos ao consumidor.

Além do biodiesel representar uma redução nas emissões de carbono e de poluentes, o setor produtivo argumenta que a opção por reduzir a participação do biodiesel na frota implica em aumento de importações de diesel, o que ‘gera empregos no exterior’.

Petrobras, Vibra e BBF apostam na tecnologia

A Petrobras tem planos de investir US$ 600 milhões até 2026 no biorrefino. A companhia iniciou em janeiro testes com o novo Diesel R5 (com 5% de conteúdo renovável), produzido na Refinaria Getúlio Vargas (Repar) em três linhas de ônibus operadas pela Auto Viação Redentor, em Curitiba (PR).

A tecnologia da Petrobras é conhecida como HBIO — nome dado à patente de coprocessamento de óleo vegetal com petróleo nas refinarias. A companhia processa o óleo de soja junto com correntes de petróleo na unidade de hidrotratamento (utilizada para eliminação de impurezas dos combustíveis) para obtenção de diesel com teor renovável.

Os testes durarão seis meses. No período, serão fornecidos cerca de 120 mil litros para ônibus da capital paranaense. O R5 é produzido a partir do coprocessamento de óleos vegetais ou gordura animal com óleo diesel de petróleo. O combustível sai da refinaria com 95% de diesel mineral e 5 % de diesel renovável, também chamado de diesel verde. Pelos termos da parceria, a Vibra fará a adição obrigatória de 10% de biodiesel.

Os testes na Repar atingiram um potencial de produção de cerca de 2,3 mil barris por dia, mas, a depender da evolução regulatória e do reconhecimento do diesel verde nos mandatos de adição obrigatória de biocombustíveis ao diesel fóssil, a petroleira prevê aumentar sua capacidade para cerca de 30 mil barris/dia.

Em novembro de 2021, o diretor de refino e gás natural da Petrobras, Rodrigo Costa, disse que a companhia pretende aproveitar a folga de hidrogênio nas refinarias de Paulínia (Replan) e Cubatão (RPBC), em São Paulo, para produzir diesel verde também nessas unidades em 2024. Enquanto na Replan a capacidade prevista é de 3,3 mil barris/dia do produto, na RPBC serão 6,9 mil baris/dia.

Numa perspectiva de médio a longo prazos, a petroleira estuda construir uma unidade dedicada com a capacidade de cerca de 17 mil barris/dia, voltada para a produção exclusiva de combustíveis renováveis.

Já a Brasil BioFuels (BBF) pretende investir R$ 1,8 bilhão na construção de primeira biorrefinaria do Brasil a produzir o HVO (sigla, em inglês, para hidrotratamento de óleo vegetal). A planta será instalada na Zona Franca de Manaus (AM).

A empresa assinou em novembro de 2021 um contrato com a Vibra para venda dos volumes a serem produzidos na unidade, cuja primeira fase está prevista para operar em janeiro de 2025. A biorrefinaria terá capacidade para 500 milhões de litros de diesel verde por ano.

O diesel verde será produzido com óleo vegetal de palma, a partir de plantações localizadas em áreas degradadas nas regiões delimitadas no Zoneamento Agroecológico da Palma.

O que é o diesel renovável?

O diesel verde ou renovável é um produto quimicamente igual ao diesel mineral (derivado do petróleo), mas produzido a partir de matérias-primas renováveis, como óleos vegetais e gorduras animais. É uma tecnologia em expansão em países da Europa e nos EUA.

O biodiesel, por sua vez, é fruto do processo de transesterificação (reação de triglicerídeos presentes nos óleos vegetais ou gorduras animais com álcool, na presença de um catalisador). Uma vez pronto, é misturado ao diesel fóssil.

O diesel verde se trata de um combustível produzido por meio de rotas tecnológicas diferentes, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), dentre elas:

  • HVO: produzido a partir da hidrogenação de óleos de origem renovável, como da soja, palma e até mesmo de gordura animal.
  • Fischer-Tropsch: é uma tecnologia para a produção de combustíveis sintéticos, amplamente utilizada na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, sendo posteriormente aprimorada. Envolve a síntese química a partir de matérias-primas renováveis, como biomassa.
  • Fermentação: os processos fermentativos convertem material orgânico em diversos produtos, incluindo similares aos derivados de petróleo. Um exemplo é o uso da levedura Saccharomyces cerevisiae, utilizada para transformar o caldo de cana em etanol, durante o processo de fermentação nas usinas. Possibilita o uso desse microrganismo para produção de uma substância chamada farneseno, hidrocarboneto similar ao diesel — também é chamado de diesel de cana.
  • Oligomerização de álcool etílico ou isobutílico: para o caso dos biocombustíveis, o exemplo de oligomerização é a formação de combustíveis renováveis, de estrutura similar aos fósseis, a partir de álcool de cadeia curta. Essa rota é conhecida comercialmente como ATJ (alcohol to jet), usada na produção de diesel e querosene de aviação renováveis.