Gás Natural

Chegou a hora da estocagem de gás no Brasil?

Agentes do setor, como Origem Energia e NTS, começam a olhar com mais atenção para o armazenamento de gás

Chegou a hora da estocagem de gás no Brasil? Na imagem: Dutos da unidade de processamento de gás natural no polo industrial de Guamaré, no RN (Foto: Giovanni Sérgio/Agência Petrobras)
Dutos da unidade de processamento de gás natural no polo industrial de Guamaré, no RN (Foto: Giovanni Sérgio/Agência Petrobras)

newsletter

EDIÇÃO APRESENTADA POR

 

Editada por André Ramalho
[email protected]

PIPELINE Agentes do setor, como Origem Energia e NTS, começam a olhar com mais atenção para estocagem de gás. Mercado brasileiro, contudo, guarda desafios inerentes para desenvolvimento do negócio.

Estados produtores de gás têm eleições definidas no 1º turno. Leilão de térmicas previsto na privatização da Eletrobras não garante interiorização esperada do gás. E mais. Confira:

Estocagem desperta interesse

À medida que o mercado brasileiro dá seus primeiros passos de abertura, agentes do setor começam a olhar com mais atenção para o desenvolvimento do negócio de estocagem de gás natural.

Empresas de diferentes elos da cadeia, como a Origem Energia e a Nova Transportadora do Sudeste (NTS), traçam planos para entrar no negócio – já consolidado na Europa e EUA, mas ainda não explorado no Brasil.

Até hoje, foi a Petrobras quem desempenhou o papel de garantir a segurança do abastecimento no país. E agora?

Será que a indústria brasileira está madura o suficiente para que o serviço de estocagem se desenvolva por aqui? O marco regulatório está pronto para isso?

Origem promete serviço em breve

A estocagem de gás é um dos novos negócios que a empresa pretende explorar no Polo Alagoas, conjunto de campos maduros comprados da Petrobras. A intenção da companhia é aproveitar reservatórios depletados para armazenamento subterrâneo de gás.

O diretor técnico da Origem Energia, Nathan Biddle, conta que, tecnicamente, a empresa está pronta para desenvolver o projeto ainda este ano. Parte da infraestrutura necessária está instalada, como as linhas de injeção de gás – que antes eram usadas para recuperação secundária de óleo. Os equipamentos de compressão estão sendo instalados.

A companhia também já tem o gás de colchão — que é o volume permanentemente estocado para gerenciar o reservatório. Aguarda, agora, o aval da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

A Origem mira, como potenciais clientes, produtores de gás que buscam garantir a segurança no fornecimento aos seus clientes e mitigar riscos de falta de produto, em casos de oscilação em suas respectivas produções. Biddle prefere não comentar sobre as negociações com clientes, nem sobre o volume de gás que será estocado.

A Origem produz cerca de 1 milhão de m3/dia e tem contrato de fornecimento com as distribuidoras Bahiagás (BA) e Algás (AL). Biddle conta que a prioridade da companhia será, sempre, vender o gás produzido. A estocagem será construída com base nas sobras de oferta.

“Jamais vamos estocar quando houver demanda, mas há variações nessa oferta e demanda. Em alguns momentos há sobras de oferta, como neste momento”, disse.

Assista Nathan Biddle no epbr entrevista:

E confira outras entrevistas exclusivas da agência epbr: bit.ly/epbrentrevista

NTS mira outro perfil de cliente

Dona de uma rede de gasodutos de 2 mil km, a transportadora elegeu a estocagem como estratégia de diversificação dentro de seu plano de negócios – que prevê investimentos de até R$ 12 bilhões em oito anos.

Ao contrário da Origem, que atua na produção de gás e quer explorar o armazenamento subterrâneo, a NTS aposta na estocagem de gás natural liquefeito (GNL), de olho na demanda das termelétricas.

Estuda um projeto do tipo Norte do Rio de Janeiro — Cabiúnas, em Macaé, é uma das opções. A região é estratégica, pela proximidade com infraestruturas de gás (como o Rota 2) e termelétricas a gás.

O CEO da NTS, Erick Portela, conta que o modelo de negócios ainda está em estudo. Segundo ele, a crise energética na Europa, após a eclosão da Guerra da Ucrânia, deixou claro o valor da segurança energética — e de soluções de estocagem — para o mercado.

“Uma das lições aprendidas na Europa é que países que têm estoque de GNL onshore possuem hubs mais baratos de gás, como a Bélgica e Reino Unido… Temos a convicção de que [o negócio de estocagem de GNL] vai gerar o elo perdido de integração entre o setor de gás e de eletricidade”, comentou.

Quem mais está de olho

O interesse pelo negócio de estocagem de gás no Brasil não é de hoje. Em 2015, a ANP autorizou o primeiro projeto de armazenamento subterrâneo, da Stogas, do grupo Sotreq, na Bahia. O investimento, contudo, não seguiu adiante.

A Engie, controladora da Transportadora Associada de gás (TAG), atua no negócio de estocagem na Europa e também monitora oportunidades no Brasil.

Mais recentemente, a Gas Bridge apostou num projeto do tipo no campo de Manati, no litoral baiano. A empresa chegou a assinar contratos com a Enauta, Prio (ex-PetroRio) e Geopark, no valor total de R$ 848,8 milhões, para compra de 65% da concessão, mas esbarrou nas negociações com a Petrobras para aquisição dos 35% restantes, que lhe garantiriam a operação do ativo.

Sem acordo com a estatal, os acordos da Gas Bridge com as demais sócias de Manati também não avançaram.

A ideia da empresa era converter o campo, em declínio, num projeto de armazenamento subterrâneo. Segundo fontes, a alta dos preços do gás mudou a economicidade de Manati. Manter no porfólio um ativo que lhe proporciona um gás mais barato que o GNL passou a fazer sentido para a Petrobras.

A vida econômica do ativo aumentou e esgotar as reservas remanescentes de gás do campo se tornou mais interessante do que convertê-lo, neste momento, num projeto de estocagem – que também demandaria, no cenário atual do mercado, altos custos de aquisição de gás para injeção no reservatório.

Acompanhe a nossa cobertura sobre os avanços do Novo Mercado de Gás: eixos.com.br/gas

Os desafios inerentes ao mercado brasileiro

O CEO da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, acredita que projetos de estocagem começarão a ganhar tração. Ele cita que muitos dos campos maduros vendidos pela Petrobras para operadores privados têm vocação para armazenamento subterrâneo. Mas alerta que a falta de liquidez, neste momento, dificulta a estocagem.

“Com compradores procurando gás, não faz muito sentido guardar esse gás [agora]”, comenta.

A estocagem é uma ferramenta importante para garantir a liquidez e segurança ao sistema. Até hoje quem tem feito esse trabalho de supridor de última instância é a Petrobras. Com a abertura da indústria, a expectativa é que novos agentes comecem a ofertar produtos de suprimento flexível.

O gerente-executivo de gás e energia da estatal, Álvaro Tupiassu, conta que os navios de GNL ajudam, hoje, a cumprir a papel de estocagem de gás no Brasil, mas que soluções de armazenagem subterrânea seriam bem-vindas. O mercado doméstico, contudo, guarda particularidades em relação à experiência europeia.

“O problema do Brasil não é sazonalidade, é aleatoriedade… Não tem um comportamento tão previsível quanto países do hemisfério norte, que têm inverno e verão muito marcados”, disse o executivo, durante participação na Rio Oil & Gas, na semana passada, em referência à falta de previsibilidade na demanda, devido às oscilações do regime hidrológico – e, consequentemente, dos níveis de despacho termelétrico no país.

O consultor Luiz Costamilan defende que a estocagem pode fazer sentido como destino para o gás associado do pré-sal – que precisa de uma demanda constante para não prejudicar a produção de petróleo associada.

Esse gás não tem, hoje, na natureza flexível da demanda doméstica, sobretudo das termelétricas, um mercado consumidor estável o suficiente para lhe garantir um escoamento constante.

A questão, segundo Costamilan, é que projetos de estocagem são de difícil materialização num mercado onde não há sazonalidade.

“O que acontece na Europa e EUA? Lá tem gás mais barato no verão, quando se estoca para vender mais caro no inverno. [O agente] ganha margem e cobre os custos de capital e de operação desse sistema”, explicou, também durante participação na Rio Oil & Gas.

A conselheira da FGV Energia, Ieda Gomes, complementa:

“No Brasil o mercado base [não térmico] não tem muita flutuação. Vai ser mais difícil comprar produto para estocagem. Fica a indagação se é melhor para as térmicas estocar via GNL – mais flexível, mas que é mais exposto aos preços internacionais… ou via estocagem subterrânea, que é algo inédito no Brasil, que precisa montar esquema de tarifa”, disse, em entrevista à epbr.

Na letra da lei

A Nova Lei do Gás (nº 14.134/2021) alterou o regime da atividade de estocagem subterrânea, de concessão para o de autorização.

No âmbito infralegal, a Resolução ANP nº 17/2015 define que as etapas técnicas do projeto de estocagem devem ser apresentadas no Plano de Desenvolvimento dos campos de produção, quando houver previsão de armazenamento subterrâneo.

A Origem, por exemplo, espera obter a autorização da ANP, para seu projeto de estocagem na ocasião da aprovação do PD das concessões no Polo Alagoas.

O advogado Ivan Londres, sócio do escritório Faveret Tepedino Londres Fraga, afirma que, do ponto de vista regulatório, o “básico já está aí” para que os projetos comecem a sair do papel.

Mas alerta que ainda há algumas incertezas relacionadas à atividade – em especial a questão das tarifas de transporte envolvidas na movimentação do gás para estocagem.

“Quando se movimenta gás na rede de transporte, para estocá-lo, e em seguida se retira esse gás para vendê-lo na malha, existe uma tarifação que pode encarecer o serviço. Ainda não há uma formatação adequada de tarifas para isso. Não é um negócio simples, numa transição de mercado”, explicou.

Rivaldo Moreira Neto, da Gas Energy, acredita, por sua vez, que a regulação virá em seguida, a reboque dos casos concretos que surgirão.

Gostou? Compartilhe no whatsapp!

O GÁS NA SEMANA

Estados produtores de gás têm eleições definidas no 1º turno

Os dois principais polos de produção de óleo e gás no mar (RJ) e em terra (RN) tiveram seus governos definidos para os próximos quatro anos: Cláudio Castro (PL), no Rio; e Fátima Bezerra (PT), no RN, foram eleitos em primeiro turno.

— Castro promete promover o adensamento do encadeamento produtivo do setor de gás, “reduzindo as perdas com reinjeção e queima”; e articular para que os projetos novos gasodutos sejam realizados em território fluminense. Já Fátima Bezerra prometeu ampliar o processamento de gás no estado.

Leilão de térmicas não interioriza gás

Os três projetos vencedores no leilão de sexta (30/9), que pretendia contratar 2 GW definidos na lei de privatização da Eletrobras, estão no Amazonas — o único estado das regiões contempladas na concorrência a contar com rede de gasodutos.

— A Eneva negociou 590 MW com o gás de Azulão, na Bacia do Amazonas; e a Global Participações negociou 162,9 MW, com gás do Polo Urucu, da Petrobras. Havia projetos cadastrados que levariam gás a Teresina (PI) e Região Metropolitana de São Luís (MA), mas eles não foram contratados.

Paraná propõe tarifa de transição para mercado livre

A agência reguladora estadual, a Agepar, abriu consulta pública para a nova regulamentação do mercado de livre de gás. Um das propostas é o estabelecimento de uma tarifa de transição para os potenciais novos consumidores livres.

O debate sobre a reinjeção de gás, em três artigos

— Demanda por energia, matéria-prima e valor dos subprodutos do gás do pré-sal justificam investimentos em novas rotas, escrevem Aurélio Amaral, Lideniro Alegre e João Clark. Em Gás do pré-sal: política pública para mercado potencial e sustentável

— Petrobras adota práticas consagradas na indústria de óleo e gás para elevar a produção com segurança e menores emissões, escreve o diretor da companhia, Fernando Borges, no artigo A importância da reinjeção de gás para o aumento da produção e da arrecadação

— Quantos bilhões ainda vamos perder sem o gás natural? Karine Fragoso e Fernando Montera, da Firjan, escrevem como a expansão da oferta nacional pode reduzir a dependência internacional e estimular a competição no Brasil

Setor de gás atrai US$ 20 bilhões até 2028

ATGás estima que transportadoras aumentarão os investimentos em gasodutos e estações de compressão e tratamento para ampliar a integração energética do país. [O Globo]

Eneva conclui aquisição da Celse

O negócio assinado com a New Fortress e Ebrasil, no valor de R$ 6,7 bilhões, envolve a termelétrica a gás Porto de Sergipe I (1.593 MW), em Barra dos Coqueiros (SE). A usina tem contrato no ambiente regulado até o fim de 2044 e gera receita fixa de R$ 1,9 bilhão/ano.

Europa enfrenta riscos “sem precedentes” de racionamento de gás

A Agência Internacional de Energia (AIE) alertou que os países da União Europeia precisam reduzir consumo de gás em 13% no inverno, para não sofrer de escassez, caso Rússia corte completamente o fornecimento. UE já concordou em racionar eletricidade em pelo menos 5% nos horários de pico. [Valor]

— A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pediu “obrigações mais exigentes” para a economia de gás no continente. Ela sugeriu negociar com “fornecedores confiáveis”, como Noruega e EUA. E também propôs estabelecer um teto para o preço do gás importado. [Valor]