A chamada pública para contratação da capacidade do Gasoduto Itaboraí-Guapimirim (Gasig), prevista inicialmente para começar este mês, vai atrasar. A ANP pediu esclarecimentos à Nova Transportadora do Sudeste (NTS) sobre os custos de construção do projeto, dentre outros pontos sobre a concorrência. A retomada do processo ainda não tem data marcada.
A NTS estima investimentos de até R$ 330,9 milhões na construção do gasoduto. O valor compõe a base regulatória de ativos — item importante na definição das tarifas — e foi alvo de questionamentos de agentes de diferentes elos da cadeia, dentre distribuidoras, consumidores e produtores, durante o período de consulta pública sobre o edital da chamada pública.
Relembre a saga do Gasig: O gasoduto Itaboraí-Guapimirim tem 11 km de extensão e ligará a unidade de processamento (UPGN) da Petrobras no Polo GasLub (ex-Comperj) à malha nacional. O Gasig chegou a ser anunciado, em 2015, como o primeiro gasoduto a ser licitado sob o regime de concessão do país. No entanto, as obras da UPGN do Comperj atrasaram sucessivamente e o duto nunca saiu do papel. Desde então, a Nova Lei do Gás, de 2021, mudou o regime de construção de novos gasodutos, do modelo de concessão para o de autorização. A NTS, então, pediu o aval da ANP para tocar o projeto. O Gasig está previsto para começar a operar em 2023 e é um dos primeiros gasodutos a serem construídos no país desde a mudança com a aprovação da nova legislação.
A ANP pediu, no início deste mês, que a NTS apresente, dentre outros esclarecimentos, uma análise comparativa com as estimativas de investimento originais do projeto — previsto, no antigo Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário (Pemat), em R$ 112 milhões em 2015.
A transportadora, responsável pela construção do gasoduto, deverá apresentar memória de cálculo com a evolução histórica dos preços dos principais itens que impactaram a estimativa do investimento — como por exemplo, o preço do aço e das tubulações a serem adquiridas.
Pelo cronograma inicial, a chamada teria início este mês com a publicação do edital no dia 9 — o que não ocorreu. O prazo para manifestação de interesse, por parte dos carregadores, estava previsto para o dia 24.
Procurada, a NTS esclareceu que o cronograma deverá ser revisto. A empresa informou que não há um prazo regulamentar por parte da ANP, mas que há uma expectativa de que a versão final do edital seja publicada cerca de 60 dias após a conclusão da análise dos comentários da consulta pública, pela agência. O relatório com as contribuições foi publicado pelo órgão regulador no início de maio.
Para a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), não há justificativa para o aumento das estimativas de investimentos apresentado pela NTS, se considerada a evolução dos principais indexadores (dólar, custo de construção, aço, índices de preços). Durante a consulta pública, o Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) e a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) também cobraram da ANP uma análise crítica das estimativas de custos do projeto.
Abegás e Abrace temem domínio da Petrobras no Gasig
As distribuidoras defendem, também, a necessidade de remédios pró-competitividade caso a Petrobras venha a se sagrar vencedora da chamada pública para contratação de capacidade do Gasig.
A Abegás entende que a Petrobras é candidata natural a tomar a capacidade do gasoduto e que, como o contrato é de 15 anos, é preciso “assegurar o amplo acesso ao Gasig nos próximos anos, compatível com a almejada abertura de mercado”.
A Abrace, por sua vez, contesta o fato de a NTS não ter divulgado, previamente, as capacidades disponíveis da sua malha. Os consumidores alegam que a realização da chamada pública para contratação da capacidade do Gasig, antes da oferta de capacidade disponível da malha da NTS, “torna o processo discriminatório, já que apenas a Petrobras teria acesso ao restante do sistema”. E que isso “fragiliza a participação de outros potenciais carregadores no processo”.
A Abegás e a Abrace também questionam o período de depreciação do gasoduto, definido em 15 anos. Elas consideram o prazo curto, dada a vida útil de gasodutos na indústria como um todo. A representante dos consumidores sugeriu, para não onerar as tarifas de transporte, um prazo regulatório de 30 anos.
As partes questionam, ainda, aspectos relacionados à Receita Máxima Permitida do projeto. A Abegás entende que foram adotadas “premissas questionáveis”, como a utilização de uma taxa WACC (custo médio ponderado de capital, na sigla em inglês) de 7,25%. As distribuidoras argumentam que o número toma como base uma alavancagem implícita de 30%. E que, em 2014, a ANP propôs uma alavancagem de 50% para o mesmo Gasig — o que, nas contas da Abegás, seria o suficiente para reduzir a taxa WACC para 6,13%.
A Angra Partners, empresa de private equity e assessoria financeira, por sua vez, classificou, durante a consulta pública, a proposta de 7,25% para o WACC do projeto como “bastante modesta e razoável”, por estar “materialmente abaixo” do referencial da taxa Selic.
“Também notamos que o capital para projetos de infraestrutura na área de óleo e gás é mais difícil de obter, uma vez que muitas instituições desejam limitar ou parar os investimentos na indústria de óleo e gás, por razões ESG”, comentou a Angra, na ocasião.