Energia

CERAWeek: O que foi debatido na maior conferência global de energia?

Clarissa Lins compartilha impressões sobre os principais temas abordados na conferência nos EUA, este mês

CERAWeek: O que foi debatido na maior conferência global de energia? Na imagem: Clarissa Lins, fundadora da Catavento Consultoria (Foto: Divulgação/ArcelorMittal)
Clarissa Lins resume principais pontos da CERAWeek (Foto: Divulgação/ArcelorMittal)

A CERAWeek é conhecida por ser a Conferência de Davos do setor de energia. Reúne anualmente, desde o início dos anos 1980, os principais executivos da indústria, além de formuladores de políticas públicas.

Sob a liderança de Daniel Yergin, a edição de 2023 bateu recorde de público, tendo recebido mais de 8 mil pessoas entre os dias 6 e 10 de março.

Tradicionalmente conhecida por ser voltada para o universo da indústria de óleo e gás, tem, desde 2019, procurado se diversificar para também contemplar novas fontes de energias, tão necessárias à descarbonização.

Na edição de 2023, o espaço Ágora — dedicado a hidrogênio, carbono e clima — cresceu em tamanho e interesse por parte do público.

Compartilho com vocês minhas impressões, ainda impactada pela energia das conversas, das pessoas e das possibilidades que essa indústria nos oferece.

O trilema da energia

Os sistemas energéticos devem atender a múltiplos objetivos: o de prover energia segura, acessível e de menor intensidade possível de carbono. Conhecido como o trilema da energia, o conceito concilia segurança energética — tão debatida em 2022 em função da invasão da Ucrânia pela Rússia — com transição para baixo carbono e acesso a diferentes fontes, a um preço competitivo.

Desta forma, não há debate nem posicionamento corporativo possível sem abordar conjuntamente todos esses aspectos, inclusive e, sobretudo, por parte das lideranças globais da indústria de óleo e gás.

Nas palavras do CEO global da ExxonMobil, “não se trata de uma escolha entre opções, mas sim de adição de atributos na oferta de energia”.

Há compromisso claro de continuar ofertando combustíveis fósseis — e investindo para manter a produção enquanto a demanda existir — a preços acessíveis e com menor intensidade de carbono possível. Tecnologias como captura e sequestro de carbono (CCS) são providenciais para compatibilizar tais objetivos.

Em resumo: a indústria de óleo e gás quer liderar a transição energética de modo responsável.

Políticas públicas bem definidas e implementadas fazem a diferença

Uma transição ordenada é chave para viabilizar segurança na oferta de energia, evitar picos de preços, bem como atrair recursos financeiros necessários a dar escala às novas tecnologias.

Neste contexto, a grande estrela do evento foi a regulação chamada Inflation Reduction Act (IRA), recentemente proposta pelo Governo Biden e aprovada pelo Congresso norte-americano. Com a intenção de alocar, por meio de incentivos e isenções fiscais, cerca de US$ 370 bilhões em tecnologias de descarbonização, tal política reposiciona os Estados Unidos na corrida pela liderança em baixo carbono, atualmente ocupada pela China.

Com ênfase em aumento de competitividade, o IRA atrai investimentos do setor privado e impõe pressões para que demais regiões, como a Europa, também reformulem suas políticas publicas na mesma direção.

Em resumo: o objetivo final é estabelecer um novo patamar de competitividade global nas cadeias de valor de tecnologias de baixo carbono, tais como hidrogênio verde e azul, captura e armazenamento de carbono, veículos elétricos e baterias, entre outras.

Renováveis requerem cadeias de suprimentos seguras e resilientes

Uma das principais lições aprendidas da guerra é o custo associado ao excesso de dependência de uma única fonte de energia ou de um único país.

Neste sentido, à medida que o mundo caminha para sistemas de energia com maior participação de renováveis, torna-se imperativo diversificar as origens de matérias-primas necessárias — os chamados minerais críticos como lítio, cobalto e cobre, a capacidade de processá-las e incorporá-las às redes elétricas.

Embora alguns percebam um movimento de redução da globalização e priorização de cadeias locais, especialistas apontam que isto geraria maiores custos associados à redução da eficiência sistêmica.

Em resumo: deve haver cooperação e alianças entre países parceiros, no sentido de fortalecer a capacidade de resposta tecnológica aos desafios da descarbonização. Nenhum país sozinho consegue lidar com o tamanho do desafio apresentado e a colaboração é benéfica em termos de ritmo e escala de implementação das novas tecnologias.

Hidrogênio de baixa emissão se destaca com ênfase em custo e prazo

Hidrogênio de baixa intensidade de carbono consolida-se como a nova estrela da descarbonização — seja porque já é bem conhecido pela atual indústria e pode vir a utilizar parte da infraestrutura existente, seja pelo fato de ter múltiplos usos possíveis, tanto como insumo quanto como vetor energético.

O hidrogênio teve destaque em diversos ambientes da Conferência. Além de ter um espaço dedicado, no qual discutiu-se seu papel na descarbonização de indústrias intensivas no uso de energia e em transporte de longa distância, o desenvolvimento em escala da cadeia de valor do hidrogênio de baixa emissão foi abordado nas plenárias principais, tendo como ênfase custo e prazo.

Os Estados Unidos colocaram o desafiador objetivo de ter hidrogênio verde — produzido a partir de fontes renováveis — ao custo de US$ 1/kg até 2030 (vs. cerca de US$ 4/kg hoje). Quando acoplado ao gás carbônico capturado pela tecnologia de CCS ou captura direta do ar (DAC), o hidrogênio verde pode gerar novos produtos considerados disruptivos, tais como os chamados combustíveis sintéticos (como o e-metanol), criando cadeias de valor e oportunidades de negócios.

Em resumo: o futuro da energia passa por inovações em escala, podendo aproveitar os conhecimentos e a infraestrutura existentes, mas também incorporando novos atores.

A nova geopolítica da energia passa por incertezas, a caminho de um redesenho

A Rússia permanecerá tendo um papel relevante no mercado global de energia? Como o Ocidente lidará com a predominância da China em renováveis? Haverá espaço de cooperação entre Estados Unidos e Europa na corrida pela descarbonização?

Tais questões foram abordadas em diversos painéis, deixando claro que não há resposta fácil nem única. Tendo em vista a ação coordenada e efetiva da Europa ao cenário adverso de dependência de gás natural russo, fazendo com que suas importações passassem de 40% para 9% do total consumido em menos de um ano, há um certo consenso em relação à perda de relevância da Rússia no mercado global de energia.

Embora China e Índia ainda demandem óleo cru e alguns derivados, as sanções impostas por grande parte dos países desenvolvidos são consideradas bem-sucedidas. Com isso, a Rússia sairá menor do que entrou na guerra.

Quanto à China, é o ator dominante em diversas cadeias de valor de energias renováveis, passando por minerais críticos, produção de painéis solares, fabricação de baterias e veículos elétricos, dentre outros.

Em resumo: a corrida — considerada uma maratona por CEOs globais — pelo desenvolvimento tecnológico de baixo carbono no Ocidente tem, neste contexto, a clara ambição de recuperar uma liderança perdida.

Colaboração e cooperação são elementos cruciais para dar celeridade e escala às novas tecnologias.

Qual a relevância da América Latina e do Brasil

Sendo muito pouco citado em grande parte das conversas, fica claro que a região pode deixar passar, mais uma vez, a oportunidade de ser considerada um parceiro confiável e, quem sabe, um exportador líquido de energia para demais países.

O que falta, já que temos recursos naturais em abundância, além de uma indústria de óleo e gás competitiva e com baixa intensidade de carbono? Previsibilidade, estabilidade regulatória, clareza de regras e um ambiente de negócios menos sensível a interferências políticas, viabilizando investimentos privados de longo prazo.

Em resumo: o mundo da energia passa por mudanças profundas, marcadas por uma transição onde oferta e demanda não mudam no mesmo ritmo nem na mesma escala. Cabe a cada país estabelecer as parcerias que ajudarão a alavancar sua competitividade, de forma a manter-se relevante no novo mapa global.

Gostou? Compartilhe no WhatsApp!

Clarissa Lins é sócia fundadora da Catavento Consultoria.

Este artigo expressa exclusivamente a posição da autora e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculada.