RIO — Para o gerente de inovação e sustentabilidade da Câmara de Comércio e Indústria Brasil Alemanha do Rio de Janeiro (AHK Rio), Ansgar Pinkowski, o Brasil se beneficiaria de um maior foco no planejamento de hidrogênio verde (H2V) no país.
“É importante para o governo brasileiro mostrar ao mundo que está debruçado no tema, e que considera o tema relevante”, disse à epbr.
“O mais importante é colocar um projeto para rodar que mostre a viabilidade (…) Estão todos esperando alguém dar o primeiro passo”, completa.
Segundo Ansgar, ao contrário do Brasil, a Alemanha possui uma estratégia bem definida de descarbonização, baseada na adoção do hidrogênio verde, o que inclui até a realização de um leilão para a compra do combustível — previsto para o primeiro semestre de 2022.
“A Alemanha tem diretrizes bem concretas de descarbonização até 2050, com um roadmap de hidrogênio verde, um norte muito acertado, muito concreto. Já o governo brasileiro decidiu por uma outra estratégia, mais de observador, de vamos ver o mercado e criar condições do mercado”, diz.
Mesmo assim, Pinkowski diz que esse ano empresas alemãs irão fazer bons anúncios no Brasil em 2022.
“Este ano vamos ver algumas empresas alemãs investindo”.
Para Ansgar, “o Brasil é um país chave no desenvolvimento de hidrogênio verde no mundo”, mas ressalta a necessidade de acelerar o desenvolvimento do mercado de hidrogênio verde, tendo em vista a urgência posta pelas mudanças climáticas.
“Estamos falando de uma tecnologia que precisa ser implementada o mais rápido possível”.
Dois milhões de euros para inovação em hidrogênio verde
A Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) e a AHK Rio vão abrir no final de março a primeira chamada pública para apoiar projetos de inovação relacionados ao hidrogênio de baixo carbono no Brasil.
Serão destinados 2 milhões de euros para financiar projetos selecionados em um total de três chamadas. O programa terá duração de dois anos.
“Vamos iniciar em março chamadas para startups e entusiastas, pessoas que querem desenvolver algo nessa direção e formalizar uma ideia disruptiva”, afirma o o gerente de inovação e sustentabilidade da AHK Rio.
Os investimentos fazem parte do da iniciativa H2 Brasil, do governo alemão, que prevê um total de 34 milhões de euros para o desenvolvimento de projetos de hidrogênio verde no Brasil.
Até agora, a iniciativa já anunciou aportes de 5 milhões de euros para a construção, até o final de 2023, do Centro de Produção e Pesquisas em Hidrogênio Verde (CPPHV) em Minas Gerais, que contará inicialmente com uma capacidade de 1 MW de eletrólise, abastecida por energia solar.
Entre os objetivos principais do H2 Brasil está o “fomento a projetos inovadores relacionados ao hidrogênio verde no país”.
“A iniciativa privada já está envolvida no tema [do hidrogênio verde], mas para conseguir essa transição energética precisa levar esse tema para a inovação”, acredita Ansgar.
Cinco pontos do projeto H2 Brasil:
- Melhoria da estrutura regulatória nacional;
- Disseminação de informações e conhecimentos sobre o hidrogênio verde;
- Capacitação e formação profissional (com vagas destinadas especificamente a mulheres);
- Fomento a projetos inovadores relacionados ao hidrogênio verde no país;
- Expansão do mercado — com a previsão da construção de uma planta piloto de eletrólise com 5 MW.
Estratégia para hidrogênio verde no Brasil
Prometida para o início do ano pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, a Estratégia Nacional do Hidrogênio ainda não foi lançada. A GIZ, inclusive, vem contribuindo para a formulação do documento.
Até agora, o MME apresentou apenas as principais diretrizes do Plano Nacional do Hidrogênio (PNH2), que aposta nas múltiplas cores do hidrogênio — enquanto o mundo aponta para o hidrogênio de baixo carbono.
O vizinho Chile, por exemplo, já lançou uma estratégia nacional específica para o hidrogênio verde, atraindo diversos investidores ao país, que atualmente tocam mais de 60 projetos de H2V, incluindo da alemã Siemens Energy.
O país espera produzir o hidrogênio verde mais barato do mundo em dez anos, como afirmou o ministro de Minas e Energia do Chile, Juan Carlos Jobet, em entrevista à epbr. Além da exportação, a estratégia chilena também pretende usar o H2V na descarbonização da mineração no país.
“O Chile se compara talvez ao Ceará. Eles enxergam uma imensa oportunidade de desenvolvimento do país, o que o Ceará também está fazendo e o Brasil como um todo também precisa”, avalia Ansgar.
O estado do nordeste já assinou dezessete memorandos de entendimento com empresas, em sua maioria internacionais, para desenvolver projetos de H2V no hub de hidrogênio no Porto de Pecém. Quase todos os anúncios visam à exportação de H2V para a Europa, em forma de amônia verde.
Além do Ceará, estados como Rio Grande Norte, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, já lançaram seus próprios programas de desenvolvimento do mercado de H2V.
“Esses pedaços, digamos, precisam ser unificados pelo governo federal, em um roadmap unificado”, defende Ansgar.
Mercado interno vs exportação
Ele acredita que o Brasil também deveria focar no mercado doméstico.
“Se foquem no mercado interno primeiro, porque você consegue fazer a roda girar, o mercado interno está nas suas mãos, enquanto o externo você está concorrendo com o mundo inteiro. E atualmente velocidade é o primeiro ponto”, sublinha.
O Chile, por exemplo, está apostando em um plano para atender a indústria local, especialmente de mineração, motor da economia do país.
Ansgar ressalta que a utilização do H2V pela siderurgia e mineração nacional poderia gerar valor agregado aos produtos brasileiros destinados à exportação, considerando a demanda internacional por produtos de baixa pegada de carbono.
“Quando o Brasil começa a forçar o olhar para o mercado interno e consegue através do mercado interno criar um produto verde, um aço verde, sem pegada de carbono, ao invés de eu transportar a amônia, vou transportar uma placa de aço verde”.
As próprias indústrias alemãs instaladas no Brasil seriam potenciais consumidoras. O Brasil possui hoje o maior parque industrial alemão fora da Alemanha, que responde por mais de 10% do PIB brasileiro.
“As empresas globais já estão com uma certa pressão para se descarbonizar. Essa pressão é transmitida para suas subsidiárias. Quando uma empresa alemã aqui no Brasil pode reduzir sua pegada de carbono, isso conta para a meta global”.
Oportunidade para o Brasil exportar tecnologia
O representante da câmara também defende os investimentos no desenvolvimento de célula a combustível de etanol. O etanol é por natureza um carregador de moléculas de hidrogênio e tem como vantagem já possuir infraestrutura de abastecimento e transporte.
“Se o Brasil conseguir desenvolver tecnologias e desenvolver o mercado interno, o Brasil pela primeira vez na história vai começar a exportar tecnologia e não só commodity”, acredita.
A montadora alemã Volkswagen no Brasil vem apostando na ideia. No final do ano passado, a companhia anunciou um Centro de P&D em Biocombustíveis no país. A proposta é pesquisar fronteiras do uso do etanol como modelo de eletrificação via célula a combustível, com foco também na exportação.
“Volkswagen e Bosch querem desenvolver células a combustível a etanol, com isso, toda a parte de distribuição está resolvida. São mais de 40 mil postos de abastecimento de etanol, que podem ser utilizados para abastecer o carro elétrico. Isso seria uma forma do Brasil se colocar na vanguarda da tecnologia”, explica.