A pressão para a descarbonização global tem levado ao aumento de projetos de captura e armazenamento de carbono (CCS) ao redor do mundo. Segundo relatório da International Energy Agency (IEA), essa é uma das principais tecnologias que pode trazer reduções significativas das emissões provenientes de combustíveis fósseis.
No Brasil, por exemplo, a petroleira Repsol Sinopec Brasil anunciou no final de 2022, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e a startup alemã DACMa MnbH, o início de um projeto pioneiro na América Latina que prevê o desenvolvimento da tecnologia de captura de CO2 diretamente do ar, através da construção de uma planta experimental capaz de capturar cerca de 300 toneladas de CO2 diretamente da atmosfera.
Mais recentemente, no primeiro semestre de 2023, a Petrobras anunciou um novo projeto de CCS, no terminal de Cabiúnas, em Macaé (RJ), com a capacidade de capturar cerca de 100 mil toneladas de CO2 por ano.
Segundo o Instituto de CCS, em 2022, a soma da capacidade de armazenamento de todas as unidades comerciais de CCS no mundo (em todos os estágios de desenvolvimento), foi de 244 milhões de toneladas de CO2 por ano, o que representa um aumento de 44% em relação a 2021.
O aumento dos projetos de CCS no mundo confirmam a relevância do tema e trazem à tona um dos maiores desafios relacionados a técnica: não basta apenas capturar o CO2, mas é preciso também, dar um destino permanente a este carbono capturado.
No caso do Brasil, apesar dos projetos da Repsol Sinopec Brasil e da Petrobras incluírem o desenvolvimento de áreas de armazenamento geológico, o país ainda não conta com um mapeamento preciso quanto às suas áreas de armazenamento e qual o potencial de cada uma delas.
A falta de informação sobre o potencial de armazenamento geológico no Brasil é reflexo direto da inexistência de regulamentação do setor, assim como a ausência de linhas de financiamento, investimentos públicos ou subsídios fiscais neste tipo de projeto, diferente de países como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, integrantes da União Europeia, Austrália, Japão e China. No entanto, o Brasil já começou a dar seus primeiros passos em direção aos avanços que são necessários.
Projeto de lei em discussão no Senado
O Projeto de Lei 1.425/2022 propõem um marco regulatório para CCS no Brasil e está no momento, em análise pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal, de onde seguirá para a Câmara se for aprovado.
Este projeto foi a primeira iniciativa para regulamentar o setor e gera uma janela de oportunidades para o Brasil, especialmente se vier acompanhado de políticas públicas que facilitem a expansão dos projetos de CCS.
Mais recentemente, na nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento, chamado de Novo PAC, pode-se observar na carteira de projetos do Ministério de Minas e Energia, um total de 165 empreendimentos com investimento total, entre público e privado, de cerca R$ 590 bilhões.
Esses projetos se desdobram em 8 subeixos, onde pode-se destacar diretamente relacionados a questão de mitigação e redução dos gases de efeito estufa: 1) Combustíveis de Baixo Carbono; 2) Eficiência Energética; 3) Geração de Energia Limpa e Renovável.
Dentre estes empreendimentos, um dos projetos se refere diretamente a captura e armazenamento de carbono realizado em conjunto com produção de energia por biomassa (técnica chamada de BECCS – Bioenergy with CCS).
Apesar de ser apenas um projeto, este investimento do novo PAC representa o primeiro passo concreto em direção aos incentivos que são necessários para o setor, além de também ter um caráter inovador devido a combinação de energia de renovável e CCS.
Potencial do Brasil para expansão de CCS
O potencial de expansão de CCS está diretamente relacionado ao acesso e desenvolvimento de tecnologias que podem ser aplicadas no setor, além da disponibilidade de áreas favoráveis a captura e armazenamento do CO2.
Estima-se que o Brasil possua o potencial de captura de mais de 190 milhões de toneladas de CO2 (segundo relatório do CCS Brasil), originados de diversas fontes industriais e do setor de energia. Ademais, as tecnologias relacionadas ao armazenamento geológico já são conhecidas, maduras e amplamente aplicadas no mundo desde a década de 70, pela indústria de óleo e gás.
Os meios utilizados para localizar e caracterizar as áreas de armazenamento de CO2, perfurar poços, pressurizar e injetar o CO2 e monitorar o processo e possíveis vazamentos, são essencialmente os mesmos utilizados nas operações da fase de exploração e recuperação avançada de petróleo.
No Brasil, através das operações dos campos de Lula, Sapinhoá e Lapa da Petrobras, já foram injetados mais de 24 milhões de toneladas de CO2 nos reservatórios do pré-sal e se estima que no campo de Mero serão injetados cerca de 330 milhões de toneladas de CO2.
Além da experiência com o pré sal, de 1991 a 2005, o Brasil também realizou a operação de injeção de CO2 para aumento da recuperação de petróleo no campo de Buracica na Bacia do Recôncavo. Esta operação envolveu a captura de CO2 em uma fábrica de fertilizantes, injeção de mais de 600 mil toneladas de CO2 e a implementação de sistemas de monitoramento para detectar possíveis vazamentos.
O Brasil está localizado em uma região geologicamente estável, sendo que as bacias sedimentares brasileiras do Paraná, Campos, Santos, Pontiguar e Recôncavo são áreas consideradas altamente propensas ao armazenamento de CO2.
Segundo o Atlas de CCS, publicado há mais de 10 anos, o país tem um potencial teórico para armazenar 2035 bilhões de toneladas de CO2, em campos de óleo e gás, reservas de carvão mineral e aquíferos salinos.
Porém, apesar de ser uma estimativa antiga, este número ainda não pôde ser comprovado, pois apenas as áreas de exploração e produção de petróleo e gás estão suficientemente caracterizadas para avaliar o real potencial e segurança de um projeto de armazenamento geológico de CO2.
A estabilidade das formações geológicas e a extensão territorial do Brasil indicam que muito provavelmente a capacidade de armazenamento subterrâneo de gases no país é imensa. Porém, estas condições somente poderão ser confirmadas quando forem realizados estudos mais aprofundados sobre os reservatórios, de forma a construir um mapa brasileiro das áreas de armazenamento geológico.
Além de conhecer a capacidade nacional de estocagem subterrânea de CO2, este tipo de mapeamento também vai permitir a conexão entre as fontes de emissão e as áreas de armazenamento, minimizando as dificuldades logísticas da operação.
Oportunidades para o Brasil gerados pelos projetos de CCS
As oportunidades relacionadas a expansão de CCS para o Brasil incluem a redução significativa das emissões brasileiras de gases do efeito estufa, possibilitando que a geração de energia seja feita de maneira mais sustentável e abrindo possibilidades para novos mercados e novas maneiras de gerar receita para o país.
Segundo a SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa) o Brasil emitiu 2,4 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa em 2021. Considerando que os projetos de CCS teriam a capacidade de capturar cerca de 190 milhões de toneladas de CO2 por ano no Brasil, a implementação destes projetos seria capaz de reduzir as emissões brasileiras em aproximadamente 8%.
Em um primeiro momento, 8% podem parecer um número pequeno, porém, se analisado dentro um contexto em que diversas medidas para redução dos gases do efeito estufa serão realizadas em conjunto, este número se torna mais expressivo.
Adicionalmente, as emissões de CO2 oriundas da geração de energia a partir de biomassa (que representa cerca de 47% da matriz energética brasileira) não são contabilizadas porque se considera que o cultivo da biomassa é capaz de capturar todo CO2 emitido, neutralizando o processo.
Portanto, se este CO2 que não é contabilizado também for capturado e armazenado (BECCS), serão geradas emissões negativas de gases do efeito estufa, assim como também acontece com o CO2 que é capturado diretamente do ar.
A emissão negativa de CO2 em um processo significa que a quantidade de CO2 retirado da atmosfera foi maior do que a quantidade de CO2 emitido por este mesmo processo, o que é extremamente favorável em termos de redução das emissões de gases do efeito estufa de maneira geral.
Além o potencial para gerar reduções significativas das emissões de gases do efeito estufa, a regulamentação e incentivo de projetos de CCS também podem gerar oportunidades relacionadas a novos mercados e negócios.
O CCS Brasil mostrou que, em um cenário conservador em que preço do crédito de carbono seja de 70 dólares por tonelada de CO2, os projetos de CCS no Brasil poderiam gerar receitas de cerca de 14 bilhões de dólares por ano.
Esta receita poderia impulsionar o desenvolvimento de tecnologias do setor, como novos métodos de monitoramento dos reservatórios, melhorias no transporte do CO2 capturado, materiais mais resistentes a corrosividade do CO2, dentre outras diversas demandas que surgirão ao longo da expansão dos projetos.
Para que isso aconteça, além da regulamentação que está sendo analisada, também é necessário abrir a discussão sobre o tema, de forma que a redução das emissões geradas por CCS sejam elegíveis para créditos de carbono, promovendo maior conhecimento público sobre CCS e atualização das metodologias de medição da quantidade de CO2 capturado e armazenado.
O futuro do CCS no Brasil depende das políticas públicas
Além dos projetos da Repsol Sinopec Brasil e Petrobras, que foram recentemente anunciados, atualmente, o Brasil conta com outros 3 projetos de CCS, sendo que o principal deles já está em plena operação através da injeção de CO2 nos reservatórios do pré-sal, pela Petrobras.
Os outros dois projetos ainda estão em fase de desenvolvimento, sendo um deles relacionado a aplicação de BECCS através da captura e armazenamento do CO2 gerado em uma usina de etanol de milho, da FS Bioenergia, e o outro se trata de uma planta piloto para captura de CO2 a partir da queima de combustíveis fósseis, organizado por uma parceria de várias organizações (SATC, ENEVA, UFC – P&D ANEE e Diamante energia).
A soma da capacidade de armazenamento de CO2 anual dos cinco projetos não representam nem 10% da capacidade de captura de CO2 apontada pelo relatório da CCS Brasil.
Portanto, existe ainda muito espaço para que o Brasil desenvolva projetos de CCS tradicional, além de também ter um imenso potencial para ser protagonista em BECCS, devido à grande quantidade de usinas que utilizam biomassa como matéria-prima e estão disponíveis no país.
Vale ressaltar que todo o potencial e oportunidades mencionadas se referem a capacidade de captura de CO2 no Brasil, mas ainda não é possível definir onde todo este CO2 será armazenado.
Os projetos do novo PAC indicam que o Brasil está alinhado as metas globais de redução da emissão dos gases do efeito estufa e está iniciando seu primeiro investimento focado totalmente em um projeto de captura e armazenamento de CO2.
Importante destacar o Projeto de Lei 1.425/2022 citado anteriormente, que propõe um marco regulatório para CCS no Brasil e alinhado a isso, a proposta de política pública para descarbonizar os diferentes modos de transporte, o projeto de lei resultante do programa Combustível do Futuro, que inclui capítulo com marco legal de CCS, podendo colocar o Brasil em posição de destaque global com relação à transição energética.
Isto é, o país sabe o que fazer e a experiência que será gerada a partir destes projetos poderá impulsionar a ampliação deste programa, expandindo os investimentos específicos para CCS combinados ao setor de óleo e gás natural e de biocombustíveis.
Daniela Costa é gerente técnica de todos os laboratórios de óleo, gás e químicos da Amspec no Brasil e também é pesquisadora de mestrado na Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde desenvolve trabalho focado no mapeamento de tecnologias para CCS.
Suzana Borschiver, DS.c, é professora titular da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenadora do Núcleo de Estudos Industriais e Tecnológicos (NEITEC) e conselheira do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
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