Energia

Brasil importa fertilizantes com alta intensidade de carbono, diz executivo da Yara

"A gente concorre de forma assimétrica e, talvez, sofrendo um dumping ambiental"

Brasil importa fertilizantes com intensa pegada de carbono, critica vice-presidente da Yara, Daniel Hubner. Na imagem: Audiência na comissão especial de transição energética da Câmara dos Deputados, em 5/9/2023 (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
Audiência na comissão especial de transição energética da Câmara dos Deputados (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

BRASÍLIA – Quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo – e o maior importador – o Brasil está importando carbono de outros países, observa Daniel Hubner, vice-presidente da Yara.

Para o executivo, o país precisa acompanhar o movimento internacional de incentivos à transição energética ou perderá a oportunidade de ser protagonista no novo mercado que se desenha para o hidrogênio e a amônia verde.

Ele participou nesta terça (5/9) de uma audiência na Comissão de Transição Energética da Câmara dos Deputados sobre a interação entre as cadeias de produção dos fertilizantes e do hidrogênio.

Desde 2018, a Yara produz fertilizantes nitrogenados em Cubatão (SP). Em 2021, a empresa firmou um contrato de suprimento de biometano produzido pela Raízen com resíduos do setor sucroenergético.

O biometano substituirá o gás natural fóssil na fabricação de fertilizantes a partir do primeiro semestre de 2024. A expectativa é produzir 20 mil m³/dia de amônia renovável, 3% da demanda de Cubatão, que será entregue pela rede.

Segundo Hubner, o fertilizante que será produzido com biometano terá menos de 2 kg de CO2e por kg de nitrogênio. A título de comparação, o insumo importado da Rússia tem 7,2 kgCO2e/kgN e o da China 10,4 kgCO2e/kgN.

O biometano, por sua vez, tem potencial para reduzir em até 90% a intensidade de carbono dos fertilizantes

“Temos um fertilizante entrando no Brasil com 8 ou 9 vezes mais pegada de carbono [no caso da China] do que o fertilizante fabricado em Cubatão”, comenta Hubner.

Deputados debatem a produção de hidrogênio e fertilizantes

Efeitos dos subsídios americanos

Hubner calcula que, se o Brasil cobrasse um imposto pela diferença da intensidade de carbono, o nitrato vindo da China teria que pagar um pedágio de pelo menos US$ 300 pelo seu conteúdo de carbono, considerando a referência do mercado internacional de US$ 100 por tonelada de carbono.

“Cubatão vai fabricar a partir do ano que vem um dos fertilizantes com mais baixa pegada de carbono do mundo. No entanto, a gente hoje concorre de forma assimétrica e, talvez, sofrendo um dumping ambiental porque recebemos fertilizantes com altíssima pegada de carbono e que concorrem exatamente da mesma forma no mercado brasileiro”, critica o vice-presidente da Yara.

Os subsídios da Lei de Redução da Inflação sancionada por Joe Biden nos EUA em 2022 é uma das políticas que o Brasil deve ficar atento, avalia Hubner.

“O programa federal está acelerando a transição energética nos EUA. É importante entendê-lo ou a gente vai ficar assinando uma série de MoU (memorando de entendimento) sem conseguir tirar os projetos do papel”.

A Yara está investindo cerca de US$ 3 bilhões em duas plantas de amônia de baixo carbono nos Estados Unidos.

Hubner conta que o governo Biden está oferecendo US$ 140 dólares de subsídios por tonelada de amônia de baixo carbono produzida, o que fará com que o produto mesmo com os custos de captura e armazenamento de carbono (amônia azul) tenha um custo de US$ 80 dólares.

“É extremamente competitivo. No fundo, é essa a análise que as empresas vão fazer entre montar uma empresa greenfield no Brasil ou investir nos EUA e importar fertilizantes”.

Reindustrialização e segurança no abastecimento

Para Bernardo Silva, diretor-executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Matérias Primas para Fertilizantes (Sinprifert), a alta dependência brasileira de fertilizantes é um grande risco para o agronegócio e interrupções no fornecimento podem colocar em xeque o desenvolvimento nacional.

“A reindustrialização passa pela transição energética e descarbonização e o hidrogênio e amônia verde são as inovações que nos levarão a esse futuro”, defende.

Outro ponto é a vantagem brasileira em termos de energia renovável. Rafael Cavalcanti, CEO da Quinto Energy, cita como exemplo a alta capacidade de geração eólica brasileira em comparação com a Rússia, grande produtora de fertilizantes.

Enquanto lá o insumo é derivado de fósseis, aqui a capacidade eólica pode ser aproveitada para produção do hidrogênio verde destinado aos fertilizantes – com potencial de deixar o produto verde competitivo.

“Se o Brasil criar o seu próprio mercado para utilizar o fertilizante verde, vamos estar defendendo nossa agricultura. Vamos criar uma independência de longo prazo”, diz. Para Cavalcanti, um dos grandes entraves hoje é o custo dos equipamentos.

“O insumo é abundante e é grátis. Ele depende do preço do produto e a nossa grande missão é encontrar as formas de trazer equipamentos mais baratos para o Brasil”.

O CEO defende políticas de estímulos para reduzir o custo de equipamentos como torres eólicas e eletrolisadores para baratear a produção de hidrogênio e amônia verde, e consequentemente, dar previsibilidade de preços para o agronegócio, que poderá exportar produtos com menor pegada de carbono.

“Utilizar o hidrogênio verde para ter previsibilidade do preço do insumo na ordem de 10 a 20 anos e o Brasil criar uma certificação do próprio produto para exportar carne verde, milho verde, soja verde”, completa.