O programa BR do Mar, um novo marco legal para a cabotagem brasileira, está prestes a ser enviado ao Congresso Nacional. Por um lado, traz grandes e necessários avanços regulatórios na área, principalmente ao desvincular a cabotagem da construção naval, permitir ampliação da oferta de navios no território nacional e propor redução de impostos na operação de cabotagem. Porém, um ponto importante para a dinâmica do setor foi apenas parcialmente contemplado: a questão do aumento da competição entre players, o que promove melhores condições de oferta de serviços e preços.
No Brasil, os dois principais tipos de carga nos fluxos de longa distância deste modal são granel líquidos — com destaque para os combustíveis e químicos — e contêineres. Como espera-se a competição entre refinadores, após o processo de desinvestimento da Petrobras, torna-se importante repensar a dinâmica de mercado na cabotagem. Hoje, já existe o interesse da indústria química em ampliar o transporte de granéis líquidos neste modal, no entanto existe concentração de mercado em poucas empresas e com grande dependência da Transpetro.
A liberação para o uso de embarcações com bandeiras estrangeiras, sem a necessidade de lastro em navios de bandeira brasileira poderia solucionar o problema da falta de oferta de navios no setor. No entanto, o mecanismo proposto para tanto reforça a concentração de mercado em poucos players, observada atualmente. O Brasil já desenvolveu, ao longo das últimas décadas, mecanismos para garantir o cumprimento de contratos de longo prazo na área de infraestrutura, sem necessariamente vincular isto a uma operação previamente estabelecida no território nacional. Isto já acontece em outros segmentos, como nas concessões portuárias, aeroportuárias e ferroviárias.
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Atualmente, o país consegue garantir que as empresas que aqui operam mantenham um bom nível de serviço para a sociedade através de elementos contratuais e regulatórios, mas sem passar pela exigência de terem outro ativo semelhante em uma determinada região ou setor. Inclusive, mais recentemente, o Brasil vem amadurecendo mecanismos para solucionar possíveis problemas na obediência aos contratos — por exemplo, no cumprimento de requisitos de investimento ao longo dos contratos. E isto já acontece não somente na concessão de ativos públicos, mas também nos ativos privados dentro de setores regulados. Os mecanismos observados no BR do Mar não possuem a grau de profundidade necessário para garantir o funcionamento adequado do setor, e, na prática, acabam reforçando a pouca competição, o que também é prejudicial para a sociedade.
Com a abertura do mercado de refino, a expectativa é que haja aumento de demanda por cabotagem. Por esta razão, é importante que o novo marco regulatório do setor de cabotagem, o projeto BR do Mar, contemple todos os tipos de carga e não se restrinja apenas a granéis sólidos e contêineres, ainda que como um passo inicial para o desenvolvimento do setor.
Camila Affonso é sócia da Leggio Consultoria.
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