Sou capixaba de Vitória, mas não é esse o motivo que me faz admirar cada vez mais o trabalho que vem sendo realizado pela Agência de Regulação de Serviços Públicos do Espírito Santo (ARSP), e sim a atenção que essa entidade, relativamente jovem, tem dado a temas relevantes.
Em maio deste ano, a ARSP lançou consulta pública para receber contribuições sobre a resolução que trata da distribuição de biometano pelo sistema de gás canalizado no estado.
A consulta foi encerrada no último dia 9 de junho e, resumindo de forma simplista, seu principal objetivo é estabelecer que a concessionária de distribuição de serviços de gás canalizado “ deverá priorizar o uso de biometano para atender o mercado cativo, desde que o preço de aquisição desse insumo seja competitivo em relação ao gás natural”.
A minuta de resolução é simples, direta e objetiva e, embora o exato significado do conceito “priorizar” não tenha sido expressamente definido, pelo menos uma conclusão é possível: em condições iguais de preço, o biometano terá preferência sobre o gás natural tradicional. Parece simples, mas é significativamente relevante por vários motivos, dos quais vou listar três.
Preço, oferta e viabilidade sustentável
O primeiro e mais imediato é que a medida estabelece um preço mínimo para a molécula renovável: os produtores de biometano passam a ter a garantia de que a produção será monetizada pelo mesmo valor de aquisição do metano tradicional, o que assegura um fluxo de caixa e impulsiona a capacidade de financiamento dos empreendimentos. Mesmo que alguns projetos comecem com déficits, já há uma referência a ser alcançada.
O segundo motivo está relacionado à disponibilidade do metano tradicional. Hoje, as distribuidoras de gás natural dependem do aumento da oferta de gás natural para expandir as redes e os serviços de distribuição.
As formas de aumentar a oferta do combustível nos estados conectados à rede de transporte de gás natural são: maior produção dos campos de E&P onshore, importação via gasodutos ou terminais de GNL ou construção de gasodutos para campos offshore.
Todas essas formas, embora fundamentais para os chamados choques de oferta no mercado de gás, levam muito tempo para serem viabilizadas. A solução mais rápida – ou com menor prazo de execução – é a importação de GNL, que está sujeita a flutuações do mercado internacional e geralmente é mais cara do que o gás local.
O biometano tem um preço mais previsível e, embora mais custoso que o gás tradicional, caso esteja competindo com o preço do GNL, terá uma penetração maior.
O último motivo é o pragmatismo da medida. Sou da opinião de que, no Brasil, é hora de criar estímulos para o empreendedorismo sustentável, mas com atenção à realidade do país.
Caso, por exemplo, a resolução impusesse penalidades se o biometano não fosse utilizado em determinado percentual, provavelmente estaria onerando o consumidor e a indústria, e quem paga a conta maior sempre é a população carente.
Da forma como está, o empreendedorismo sustentável é incentivado desde que faça sentido econômico.
Por fim, torço para que “a moda pegue”. O biometano é uma fonte de energia renovável que ajuda a reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, aumentando a segurança energética.
Por utilizar materiais orgânicos que seriam descartados, o biometano é uma “estrela do rock” da economia circular. O país do agronegócio precisa se tornar também o país do biometano.
Thiago Silva é sócio da área de Petróleo, Gás & Offshore do Vieira Rezende Advogados.
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