RIO – Maior economia do mundo e principal produtor de petróleo do planeta e segundo maior emissor de gases de efeito estufa (GEE), os Estados Unidos vão às urnas em novembro para eleger um novo presidente da República.
Quatro meses antes, o processo eleitoral americano vive momentos conturbados. Apenas em julho, houve uma tentativa de assassinato contra o candidato republicano e ex-presidente, Donald Trump, e a desistência da busca pela reeleição do atual presidente, o democrata Joe Biden, que deve ser substituído na corrida pela hoje vice, Kamala Harris.
Recentes conturbações no cenário internacional, como a autodeclaração de vitória de Nicolás Maduro na eleição venezuelana e a recente escalada no conflito no Oriente Médio, inclusive, já podem ser um efeito da troca do candidato democrata.
À primeira vista, os analistas do setor de petróleo questionam se a escolha entre os dois partidos representa, de fato, caminhos muito diferentes para esse mercado.
Foi durante o governo democrata de Barack Obama, quando Biden foi vice-presidente, que o país viveu a “revolução do shale”.
O aumento da produção de petróleo e gás por fontes não-convencionais alçou os Estados Unidos ao posto de maior produtor do mundo na década passada.
Ao longo dos últimos quatro anos, durante o governo Biden, o país teve sucessivos recordes de produção. Em 2023, os EUA produziram uma média de 12,9 milhões de barris/dia de petróleo, maior volume já registrado por um único país em toda a história, segundo a Agência Americana de Informações de Energia (EIA).
O atual presidente foi eleito sob a expectativa de que proibiria a abertura de novas áreas para exploração e produção de petróleo, mas recuou da promessa depois que a guerra da Ucrânia trouxe mais incertezas ao suprimento global.
“O preço dos combustíveis é uma questão muito sensível para a sociedade americana”, aponta o pesquisador da FGV Energia, João Victor Marques.
Também é notório que ao longo dos últimos quatro anos, sob o governo democrata, os EUA não recuaram fortemente dos discursos protecionistas que ganharam espaço no país depois da presidência de Trump.
Sob Biden, inclusive, o país ampliou as tarifas sobre produtos chineses, incluindo veículos elétricos e módulos fotovoltaicos.
A despeito do vencedor das próximas eleições, o país deve continuar a ampliar a produção de petróleo e gás pelo menos até 2030.
Mas a política é um jogo, sobretudo, de percepções. E o sinal que democratas e republicanos passam ao mundo sobre o setor de petróleo e transição energética não poderia ser mais divergente.
Notório negacionista das mudanças do clima, Trump tende a afastar e, possivelmente, até retirar o país dos acordos de combate às mudanças climáticas. Foi ele o responsável por retirar os EUA do Acordo de Paris, em 2017.
É um sinal ruim sobretudo para o Brasil, que no próximo ano vai sediar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), principal fórum de debate global sobre o tema. Um eventual novo governo Trump tende a dar menos relevância para o encontro.
“Vai haver mudanças de discurso, com certeza. [Se Trump for eleito] Os EUA vão sair de um discurso pró verde, pró transição, pró incentivo, para um discurso de que o país tem que produzir e ter competitividade frente à China”, diz a senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Rafaela Guedes.
Trump foi recebido na Convenção Republicana em julho aos gritos de “drill, baby, drill”, em referência ao grito de campanha usado pelo partido na última década e que defende o aumento das atividades de petróleo e gás. Parte do eleitorado republicano está em regiões que concentram a produção americana.
Uma das principais expectativas de um governo Trump é que diversos setores da economia tenham novas reduções de impostos, o que tende a beneficiar o setor de hidrocarbonetos.
Já no governo Biden o país se reintegrou oficialmente ao Acordo de Paris, com a promessa de zerar as emissões líquidas até 2050.
A provável confirmação de Kamala Harris como candidata, prevista para agosto, reforça ainda mais a mensagem democrata a favor da transição para uma economia de baixo carbono.
Harris já deu demonstrações públicas de apoio à taxação das emissões de carbono e à proibição da abertura de novas áreas para exploração e produção. Ela participou, inclusive, da COP28 em Dubai no ano passado, cuja declaração final trouxe pela primeira vez um acordo entre quase 200 países sobre uma transição para longe de combustíveis fósseis.
Antes, como senadora pela Califórnia, Harris foi a favor da adoção de ônibus escolares elétricos para reduzir as emissões do setor de transportes. Como pré-candidata em 2020, defendeu também o green new deal, programa defendido por parte do partido democrata com propostas para uma transição energética acelerada.
A expectativa, portanto, é que um eventual governo Harris passe ao mundo uma mensagem mais agressiva a favor do combate às mudanças climáticas. É possível, inclusive, que ocorra a adoção de novas medidas contra os combustíveis fósseis, desde que isso não represente um aumento da inflação.
E o futuro do IRA?
No governo de Biden, os EUA deram início ao maior projeto de estímulo fiscal à transição energética até hoje.
Com incentivos de US$ 370 bilhões previstos para uma década, o Inflation Reduction Act (IRA) é a maior política industrial dos Estados Unidos desde o new deal, que buscou reerguer a economia americana após a Crise de 1929.
O programa já tem, inclusive, efeitos práticos no mercado de energia do país. Algumas regiões de fato substituíram diesel por biocombustíveis e eletrificação durante o governo Biden.
Dados da Hedgepoint mostram que a demanda de combustíveis, sobretudo na Costa Oeste, tem sido impulsionada pelo alto consumo de diesel renovável. O biodiesel e o diesel renovável registraram aumento de 37,62% da demanda de janeiro a março de 2024, mesmo período em que o consumo de destilados médios caiu 4,66% no país.
Mas é importante lembrar que o IRA foi aprovado pelo Congresso americano com o apoio dos dois partidos. Muitos dos estados que votam historicamente no Partido Republicano estão entre os que mais acessam os recursos para desenvolver tecnologias de baixo carbono.
“Quando se olha para os benefícios gerados em termos de atração de investimentos e de geração de emprego, a dinâmica tende a dizer que dificilmente esses estados vão abrir mão dessa nova dinâmica econômica”, destaca a conselheira do Cebri, Clarissa Lins.
Olhando por essa ótica, é improvável que um novo governo Trump, com seu lema “America first”, desmantele o programa, que tem inclusive ajudado na geração de empregos locais.
“O papel dos governadores republicanos que estão recebendo esses investimentos pode ser super importante nessa nova orientação”, destaca Lins.
No final das contas, o IRA é sobretudo uma política de incentivos para a indústria local. Ou seja, a lógica sempre foi “America first”, mesmo sob o atual governo democrata.
“O IRA usa o argumento da transição energética, mas ao fim e ao cabo, nada mais é do que política protecionista, nacionalista, e de busca por trazer mais competitividade para o território americano”, diz Guedes.