Biocombustíveis

Barreira europeia e política nacional vão acelerar mercado de biometano, acredita MDC

“A indústria vai ter o biometano como ferramenta para descarbonizar seus processos, preparando o Brasil para 2026 e 2027”, afirma Manuela Kayath

Barreira de carbono europeia (CBAM) e política nacional vão acelerar mercado de biometano, avalia presidente da MDC, Manuela Kayath (Foto: Divulgação)
Manuela Kayath, presidente da MDC (Foto: Divulgação)

RIO – A comercialização de certificados de origem de biometano ainda não deslanchou no Brasil, o que deve mudar com as novas políticas nacionais e demanda por descarbonização do mercado europeu, na avaliação da presidente da MDC, Manuela Kayath.

Ela acredita que os certificados tendem a ganhar tração principalmente a partir de 2026, quando começam a valer a política nacional de incentivo ao biometano prevista no PL do Combustível do Futuroaprovado na Câmara dos Deputados e que ainda precisa passar pelo Senado – e o CBAM (o mecanismo de ajuste de carbono da União Europeia).

O PL do Combustível do Futuro prevê a criação de um programa de descarbonização do mercado de gás natural, por meio da inserção do gás renovável na matriz – e instituiu o Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB) como um de seus pilares. Pelos termos do PL, que segue agora para o Senado, os produtores e importadores de gás poderão comprar a molécula de biometano ou adquirir os certificados como alternativa na hora de comprovar as metas anuais de redução de emissões definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

“[Com o Combustível do Futuro] a indústria vai ter o biometano como ferramenta para descarbonizar seus processos, preparando o Brasil para 2026 e 2027, quando teremos taxas de carbono sendo cobradas em várias fronteiras e o Brasil podendo ter produtos com intensidade de carbono menor”, disse Kayath, em entrevista à agência epbr.

Já o CBAM é um imposto para precificar as emissões dos produtos que são importados pelos países membros da UE.

“O CBAM vai taxar a intensidade de carbono do produto. Ou seja, o alumínio, se for produzido com biometano, terá um preço. Se o mesmo alumínio for produzido com gás natural, ele tem outro preço. Então, o que é melhor: a indústria comprar o certificado para poder ter uma intensidade de carbono menor ou pagar as taxas de carbono?”, completou.

Mercado de certificados ainda guarda incertezas

A GNR Fortaleza – sociedade entre MDC e Marquise Ambiental que produz biometano no aterro de Caucaia (CE) – comercializa certificados de rastreabilidade do combustível renovável para consumidores, os chamados gas-REC, desde 2022. O primeiro cliente anunciado pela GNR foi a cervejaria Heineken. O estado é pioneiro na injeção de biometano na rede, onde é distribuído pela Cegás.

Esse tipo de certificado é um instrumento de rastreabilidade de consumo de biometano e não uma redução de emissões certificada. O grande mérito do gas-REC é que ele permite ao produtor vender separadamente a molécula e seu atributo ambiental.

“O grande benefício de a indústria comprar um gas-REC é que ela não está comprando a molécula de biometano, mas para todos os efeitos é como se estivesse usando uma molécula renovável… Como a gente não tem uma malha de gasodutos no Brasil com uma conexão grande [com o interior do país], faz todo sentido”, comentou Manuela Kayath.

A executiva conta que a empresa, hoje, mantém “várias frentes abertas com indústrias” para negociar o gas-REC, mas que o mercado ainda não deslanchou porque ainda há incertezas sobre o reconhecimento do biometano pelo GHG Protocol – protocolo voluntário para controle de emissões.

Esse é um dos pontos levantados pelos críticos ao capítulo sobre o biometano no PL do Combustível do Futuro.

Produtores e consumidores veem incertezas sobre a liquidez dos certificados e também argumentam que a política prevista no projeto limita o poder de escolha das empresas de buscarem a forma mais eficiente para reduzir sua pegada de carbono – eventualmente por meio de outras fontes que não a biometano.

A Associação Internacional de Biogás pleiteia a revisão da metodologia do GHG Protocol, para que se permita o uso dos atributos ambientais do energético com base na apresentação de certificado de origem renovável.

Kayath confia na consolidação do biometano dentro dos protocolos internacionais de inventários e que é uma questão de tempo para que o assunto seja pacificado.

“O interesse dessas indústrias é poder chegar no seu inventário de emissões e falar: ‘eu não consumo gás natural fóssil’. E a maioria das empresas faz o inventário de emissões certificado pelo GHG Protocol, que ainda não se manifestou de forma contundente”, explica.

A articulação pela mudança é feita pela Associação Internacional de Biogás e, localmente, a partir do Brasil, pela Abiogás.

“Penso que o que uma das coisas que faltam para deslanchar esse mercado é um posicionamento claro do GHG”, afirma a executiva.

Atenção sobre a regulamentação do Combustível do Futuro

Manuela Kayath diz que, uma vez aprovado o Combustível do Futuro no Congresso, a política de descarbonização do mercado de gás, via biometano, precisará ser bem calibrada na regulamentação pelo CNPE:

“Vamos tentar dialogar com outros stakeholders, outras partes da cadeia de biometano, consumidores envolvidos para garantir que não teremos nenhum tipo de impacto de preços significativo. Que o CNPE esteja bastante alinhado na definição desses percentuais [de redução de emissões], de acordo com as novas plantas de biometano que estão surgindo, para termos adequação da oferta e demanda”, comentou.

O risco de que a introdução do biometano na matriz eleve os preços do gás natural foi uma das principais críticas recebidas pelo projeto durante a tramitação na Câmara.

Originalmente, a proposta era criar um programa de compra compulsória de biometano pelos produtores e importadores de gás – o relatório final, do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), acabou por incorporar a ideia de um programa de descarbonização para o mercado de gás via biometano.

Com a mudança, chegou a um acordo com o governo federal, mediado pela Casa Civil e que levou a uma aprovação expressiva na Câmara.

Ao invés de comprovarem metas de aquisição de biometano com base no volume de gás comercializado, os agentes terão que cumprir metas de redução de emissões – a serem alcançadas por meio da participação do biometano no consumo do gás natural.

Para Kayath, o resultado prático é o mesmo: incentivar a demanda por biometano – o que, na visão dela, se trata de um mecanismo natural para iniciar determinados mercados.

MDC prepara sua 3ª planta de biometano

A Ecometano, controlada pela MDC, possui, hoje, duas plantas de biometano em operação: a GNR Fortaleza e a GNR Dois Arcos, em São Pedro da Aldeia (RJ).

A empresa espera começar em abril o comissionamento de sua terceira unidade, em Caeiras (SP). Com isso, a produção da MDC alcançará cerca de 180 mil m3/dia.

A companhia também estuda a viabilidade de uma nova parceria com a Marquise para uma planta de gás renovável em Manaus (AM).

No aterro de Caieiras, a unidade terá capacidade para produzir inicialmente 68 mil m3/dia, mas a empresa vê potencial para quintuplicar esse volume no futuro – incluindo a conversão da geração de energia a biogás para produção de biometano.

O gás renovável de Caieiras será comercializado pela Ultragaz, via carretas. A principal cliente é a PepsiCo, que vai substituir o uso de combustíveis fósseis em suas fábricas e frota de caminhões. O projeto começará este ano pela maior planta fabril do grupo no Brasil, em Itu, interior de São Paulo.

Para a expansão futura da planta, a perspectiva é conectar Caieiras à rede de distribuição da Comgás. Na avaliação de Kayath,a regulação em São Paulo, hoje, está mais avançada do que o cenário que a empresa via na ocasião da decisão de investimento na planta.