RIO — O governo da Bahia quer construir uma indústria de hidrogênio verde (H2V) pautada não somente nas exportações, mas também no desenvolvimento de um mercado doméstico. A aposta se concentra, sobretudo, na demanda por descarbonização do Polo Petroquímico de Camaçari.
“O setor químico está discutindo conosco onde poderia usar esse hidrogênio para substituir correntes petroquímicas ou substituir hidrogênio petroquímico”, disse o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Paulo Guimarães, em entrevista à agência epbr.
Em março, o governo da Bahia lançou o Plano para a Economia do Hidrogênio Verde, com o objetivo de promover a produção e o uso do H2V e de impulsionar pesquisas científico-tecnológicas sobre o tema. A iniciativa também prevê a exportação de amônia verde, via Porto de Aratu, e a geração distribuída (projetos de pequena escala) para atender a demanda local do agronegócio e mineração.
Segundo Guimarães, companhias como a Braskem e Basf, do Polo Petroquímico de Camaçari, além da Acelen, dona da Refinaria Mataripe (ex-RLAM), já são grandes consumidoras de hidrogênio de origem fóssil e de gás natural que poderiam ser substituídos pelo H2V.
“Hoje, as indústrias intensivas estão comprando energia renovável no mercado para reduzir a pegada de carbono. A demanda por uma produção menos fóssil é cada vez maior”, disse.
Atualmente, a maior demanda de hidrogênio no Brasil vem das refinarias. A Acelen, dona da segunda maior unidade do parque de refino nacional, seria uma das principais interessadas no hidrogênio renovável, afirmou o secretário.
“Eles têm muito interesse na produção de hidrogênio verde, até porque as refinarias são os maiores consumidores nacionais de hidrogênio, que é necessário para diminuição de teor de enxofre em diesel”, revelou.
A Acelen é controlada pelo fundo soberano dos Emirados Árabes, o Mubadala. Em visita aos EAU, em outubro, representantes do governo da Bahia ouviram dos investidores de Abu Dhabi a preocupação com o tema da transição energética envolvendo seus portfólios.
“Internacionalmente, o Mubadala e também o outro fundo soberano dos Emirados Árabes, o Adia [Abu Dhabi Investment Authority], estão muito interessados na transição energética porque eles sabem que isso é o futuro e hoje a economia deles é toda baseada em petróleo. Estão investindo lá nos Emirados Árabes em transição energética e nada mais natural do que eles se interessarem por isso aqui também”, comentou Guimarães.
Hidrogênio verde não pode ser um “novo pau-brasil”
Para Paulo Guimarães, a estratégia nacional do hidrogênio — prometida pelo Ministério de Minas e Energia para o início deste ano — precisa focar no desenvolvimento da indústria nacional, e não tratar o H2V apenas como uma commodity para exportação.
“A política federal tem que ser de desenvolvimento do mercado nacional de hidrogênio verde. É isso que a Europa está fazendo. Nós precisamos fazer a mesma coisa, senão, novamente, vamos ficar exportando pau-brasil. O hidrogênio verde vai ser o novo pau-brasil”, afirmou. “Não adianta ficar exportando energia, ficar exportando minério, ficar exportando grãos, e gerar emprego lá fora”, completou.
Ele também defendeu o desenvolvimento local de tecnologias que integram a cadeia de produção de hidrogênio, como os eletrolisadores.
Linhas de transmissão são essenciais
Na visão do secretário, outro ponto importante que deve estar presente na estratégia nacional do H2V é o estímulo à instalação e ampliação de linhas de transmissão e subestações.
A produção de H2V demanda uma enorme quantidade de energia elétrica renovável para abastecer os eletrolisadores. A estimativa é que a eletricidade responda por 70% do custo de produção.
A grande aposta do mercado se concentra nas eólicas offshore. No Brasil, já há projetos do tipo em licenciamento que somam 106 GW, o que garantiria oferta suficiente e preços mais competitivos pela sua escala.
Entretanto, o grande desafio será conectar a geração às plantas de hidrogênio verde. Estados como a Bahia não possuem projetos de eólicas offshore, sendo essencial a construção de linhas de transmissão com esse fim.
“Estamos falando em grandes projetos de hidrogênio verde em que isso [capacidade de geração] tem que ser multiplicado por vinte vezes. Não vai ser possível ser feito se não tiver linhas de transmissão em grande escala sendo construídas”, explicou Guimarães.
Segundo o secretário, existe mercado e investidores interessados em novos projetos de transmissão.
“É simplesmente fazer o governo federal fazer a licitação que eu garanto que vai ter gente interessada em leilão. Basta fazer o leilão que muita gente dentro e fora do país vai estar interessado em construir e operar essa linha de transmissão”, garantiu.
Outro incentivo, segundo ele, poderia vir por meio de isenções tributárias, a exemplo do que já fez a Bahia. Desde novembro, toda energia elétrica utilizada para a produção de hidrogênio verde no estado está isenta de ICMS.
Três polos de hidrogênio na Bahia
O governo da Bahia prevê três polos para produção de H2V no estado, sendo um deles de produção centralizada, em larga escala, no Polo de Camaçari, voltado em parte para o consumo doméstico da indústria petroquímica e em parte para exportação, via Porto de Aratu – localizado a 20 km de Camaçari.
Os outros dois polos seguirão o modelo de geração distribuída, localizados próximos ao consumidor final, sendo um deles no oeste da Bahia, para produção e consumo local de fertilizantes que atendam ao agronegócio da fronteira agrícola do MATOPIBA (que envolve, além da Bahia, Maranhão, Tocantins e Piauí). O hidrogênio verde seria utilizado para produção de fertilizantes de baixo carbono utilizados nas lavouras.
“Daqui a alguns anos haverá um mercado também para os produtos verdes, produtos produzidos com hidrogênio verde. Em breve vai surgir um mercado de soja verde, milho verde, de algodão verde”, acredita Gumarães.
A previsão é que o terceiro polo seja instalado na zona central da Bahia, para atender ao setor de mineração. O maior desafio do segmento é a substituição de combustíveis fósseis utilizados nos grandes caminhões, que são responsáveis por quase 50% das emissões diretas de CO2 das companhias.
Atualmente, a Bahia é o maior produtor brasileiro de barita, bentonita, cromo, diamante, magnesita, quartzo, salgema e talco; o segundo maior produtor de níquel; e o terceiro de cobre. É, ainda, o único produtor de vanádio e urânio do Brasil.
“A Bahia tem condições de usar esse hidrogênio e hidrogênio verde no seu encadeamento produtivo, como uma alavanca de desenvolvimento econômico e social.”
Bahia quer pioneirismo em hidrogênio verde
Por enquanto, o único projeto anunciado para produção de hidrogênio verde no estado é o da Unigel, produtora de fertilizantes.
“A Unigel vai ser a primeira produtora de hidrogênio e amônia verde no Brasil [em escala industrial]”, afirmou o CEO da empresa, Roberto Noronha, em entrevista à agência epbr, em fevereiro deste ano.
A companhia pretende instalar também, em Camaçari, uma unidade com capacidade de produção de mais de 600 toneladas de amônia verde por dia. A amônia é um derivado do hidrogênio.
A previsão inicial era começar a operar no primeiro semestre de 2023, mas o prazo foi adiado para a segunda metade do ano que vem. O governo da Bahia estima que os investimentos para construção da planta sejam de pelo menos R$1,4 bilhão.
Apesar de a amônia verde poder ser utilizada como fertilizante, o objetivo inicial da companhia é exportar o insumo para a Europa, para substituição de combustíveis nos setores de transporte, mineração e siderurgia.
Segundo o secretário, outras três empresas relacionadas à geração de energias renováveis e eletrolisadores deverão assinar, em breve, protocolos com o estado para projetos ligados ao hidrogênio verde.
A Bahia já possui unidades de produção de hidrogênio fóssil da White Martins, Air Liquide e Air Products também são potenciais interessadas na produção de H2V.