Diálogo Chino – A abertura da COP28, cúpula climática da ONU deste ano, começou com um grande anúncio: o tão aguardado fundo para a recuperação das nações mais vulneráveis aos impactos da crise climática enfim está saindo do papel.
Juntos, a União Europeia, os Emirados Árabes Unidos, o Reino Unido e outros governos prometeram, na primeira semana de conferência em Dubai, com mais de US$ 720 milhões.
Anunciada na COP27, no ano passado, a criação do fundo é uma das principais demandas da Iniciativa Bridgetown, plano liderado por Barbados para reformar o sistema financeiro global com o objetivo de oferecer mais apoio e melhores condições às nações mais pobres para elas se adaptarem às mudanças climáticas.
O plano exige que a dívida e os empréstimos para o desenvolvimento sejam reestruturados e que mais investimento privado seja aportado em energia limpa. A iniciativa espera mobilizar US$ 1 trilhão para melhorar a resistência de países em desenvolvimento diante dos impactos de eventos extremos.
Alguns estudos estimam que as perdas e danos anuais causados por esses impactos nesses países já somem US$ 400 bilhões – 550 vezes maior do que o valor anunciado até agora pelo novo fundo na COP28.
A Iniciativa Bridgetown foi concebida pela primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, junto a seu enviado especial de finanças, Avinash Persaud.
Persaud, economista com uma carreira acadêmica, empresarial e política, conversou com o Diálogo Chino na COP28 sobre o progresso da iniciativa. Desde seu lançamento na COP26, em 2021, foram vistas algumas ações concretas para impulsionar a transformação da arquitetura financeira global. Ele também comentou sobre o caminho que deve ser seguido após a COP28, incluindo o papel da China no financiamento climático global.
Diálogo Chino: O novo fundo de perdas e danos, colocado em ação na COP28, visa apoiar países vulneráveis a lidar com os impactos da crise climática. Mas como se mede essa vulnerabilidade?
Avinash Persaud: Para o fundo, estamos analisando tanto os eventos climáticos extremos quanto aqueles de evolução lenta – como o aumento do nível do mar – que custem mais de 5% do PIB. Os países menores têm mais chances de atingir esse limite, mas os países maiores também podem se enquadrar se sofrerem grandes desastres ambientais.
O conselho do fundo de perdas e danos terá que definir a porcentagem exata do PIB que será usada como régua. Os países ricos queriam que apenas os estados pequenos ou os países mais pobres fossem elegíveis. Mas expliquei que ele deveria ser mais amplo do que isso.
Todas as nações que enfrentam o clima extremo ou eventos de evolução lenta devem ser elegíveis. Talvez não recebam fundos equivalentes à perda de seu PIB, se tiverem outros recursos, mas o ponto principal é focar em suas necessidades.
Em 2009, os países desenvolvidos se comprometeram a contribuir com US$ 100 bilhões anuais em financiamento climático para os países em desenvolvimento até 2020. Isso não só não ocorreu, como as necessidades reais de financiamento agora parecem ser bem maiores – pelo menos US$ 2 trilhões ao ano, segundo estimativas. É viável atender a esses números?
Como países em desenvolvimento, às vezes fazemos exigências irrealistas. Não podemos esperar que US$ 2,4 trilhões sejam transferidos do bolso de outros contribuintes para nós. Isso não vai ocorrer. O apoio global até agora é de US$ 200 bilhões. Os governos não estão sequer apoiando suas próprias populações – eles estão reduzindo seguros-desemprego e aposentadorias.
Temos que ser mais realistas. É isso que a Iniciativa Bridgetown está buscando. Estamos dizendo: ‘Não preciso do seu dinheiro para a mitigação climática. Não estou pedindo US$ 2,4 trilhões. Temos o setor privado para isso. Preciso de seu dinheiro para perdas e danos, pois isso não pode ser financiado de outra forma’.
Também estamos abertos à ideia de novos impostos internacionais. Taxas alfandegárias para aviação, transporte e carbono. Queremos torná-los progressivos em relação à renda de cada lugar, para que não sejam um fardo para os países em desenvolvimento. Mas nós também pagaríamos parte deles.
A ONU classifica os países como desenvolvidos ou em desenvolvimento, e isso afeta suas responsabilidades com as ações climáticas e a elegibilidade para financiamento. A divisão remonta à criação da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, de 1992. Países como a China – com uma grande economia, mas ainda considerada em desenvolvimento – também deveriam contribuir para o fundo de perdas e danos?
O financiamento climático é destinado aos países em desenvolvimento que são vulneráveis ao clima e sofrem com eventos climáticos extremos ou de evolução lenta – se a China sofrer isso, ela será elegível.
Com relação às contribuições, enquanto países em desenvolvimento, precisamos entender que o aquecimento global não foi gerado pelas emissões atuais.
Os gases de efeito estufa podem permanecer na atmosfera por mil anos – e 79% deles vêm de países que seriam definidos como desenvolvidos em 1992. Outra grande parte das emissões vem da China. Fico feliz por termos como princípio vital dessa discussão as responsabilidades comuns, porém diferenciadas; mas não podemos ficar presos a uma data específica para a medição. As responsabilidades comuns, porém diferenciadas, deveriam seguir evoluindo.
A China está fazendo mais transformações verdes do que qualquer outro país no mundo. Ela não quer que lhe digam o que fazer. Mas ela é, de longe, a maior emissora da atualidade. Isso significa que, em algum momento, a China deveria contribuir com o financiamento climático.
Alguns dos instrumentos mais discutidos entre os países da América Latina e do Caribe são os swaps de dívida por clima e os swaps de dívida por natureza. Embora haja acordos recentes nesse sentido, sua escala ainda é pequena em comparação com a dívida total dos países. Eles podem ser ampliados?
Não é viável ampliá-los, eles não são uma solução milagrosa. As trocas de dívida por natureza são a cereja do bolo, mas não o bolo em si.
Por exemplo, em Barbados, agora tomamos empréstimos no mercado com juros a 9%. Se o Banco Interamericano (BID) se envolver, poderá garantir 4% de juros. Ainda temos que pagar os outros 5%, mas eles serão destinados à natureza. Isso não resolve nosso problema de dívida – não cancela a dívida. Ninguém pode assumir toda nossa dívida.
Sou da área financeira e, por isso, me divirto quando as pessoas pensam que as finanças são mágicas, mas a realidade é que não são. Podemos usar o financiamento ao máximo, mas, em última análise, também precisamos de mais receitas.
Um dos principais pontos na agenda da COP28 é o Balanço Global de ações climáticas, que busca definir aquilo que deve ser feito para limitar o aquecimento global a 1,5 °C até o fim do século. O que você espera disso?
Todos sabemos o que está no Balanço Global sem precisar lê-lo: o mundo está atrasado, especialmente em relação à mitigação, mas também na adaptação climática. Por isso que agora temos o fundo de perdas e danos.
Hoje, essas ações custam mais de US$ 150 bilhões ao ano, mas podem subir para US$ 350 bilhões anuais se não recuperarmos o atraso na mitigação.
Precisamos criar formas inovadoras de financiamento para preservar o planeta.
O próximo ano deve ser dedicado à ampliação dos empréstimos dos bancos de desenvolvimento e à escolha de quem será beneficiado por formas inovadoras de financiamento. Mia Mottley é uma defensora de novos instrumentos financeiros globais.
Na COP28, você foi nomeado como novo assessor especial sobre clima do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Por que você decidiu assumir essa função?
Nos últimos 12 meses, ajudamos a mudar o rumo da agenda. A Iniciativa Bridgetown ajudou a popularizar as cláusulas de suspensão de pagamento de dívidas após desastres e reforçou a necessidade de triplicar os empréstimos dos bancos multilaterais de desenvolvimento.
Isso também ajudou as pessoas a perceberem que o setor privado não fará parte desse movimento sem que haja garantias contra riscos macroeconômicos e cambiais. Agora é hora de implementar a iniciativa. Se falarmos sobre essas pautas e nada acontecer, elas vão se desfazer. Temos que agir agora. Por isso, vou trabalhar por sua implementação.
O que eu gosto no BID é que ele é liderado por alguém apaixonado pelo clima, e o banco tem um histórico de pensar sobre o tema. Também é mais ágil do que outras instituições e, portanto, parece ser um bom lugar para trabalhar com essa agenda.
O Brasil assumiu a liderança do G20 e, pensando no futuro, deve sediar a COP30 em 2025. O que você espera do país e que papel ele pode desempenhar para impulsionar o financiamento climático?
Os países em desenvolvimento estão entusiasmados com o fato de o Brasil ser o novo presidente do G20. Os líderes globais não gastam muito tempo pensando no planeta, mas sim em seus problemas. O processo do G20 faz com que os líderes pensem no mundo.
Os grandes países em desenvolvimento do G20 estão passando por um processo de afirmação na arena internacional, na esperança de serem tratados com o devido respeito. Mas não estamos ouvindo o Brasil falar sobre como o mundo deve tratar os pequenos países.
A Iniciativa Bridgetown percorreu um longo caminho. Começou com pequenas nações, mas sabemos que não é possível preservar o planeta sem o envolvimento dos grandes países emergentes.
Temos feito campanha para obter financiamento acessível para apoiar o Brasil em sua transição rumo à energia limpa. Mas para quem o Brasil está fazendo campanha?
A Amazônia será um fator importante e deve sê-lo: a Amazônia é fundamental para o mundo. Mas o Brasil precisa desenvolver um plano que olhe para o mundo, e não apenas para o Brasil. Seria errado criticar o Brasil por ainda não ter esse plano, pois nenhum país do G20 tinha esse plano quando chegou à presidência do grupo. Mas agora o país deveria assumir essa tarefa.
Por Fermín Koop, editor-chefe do Diálogo Chino.