Biocombustíveis

Aumento de biodiesel no curto prazo será desafio para a transição

Salto de B10 para B14 e B15 significaria demanda extra de 2,5 milhões de litros do biocombustível, cuja principal matéria-prima é o óleo de soja

Alckmin (PSB) defende elevar mistura de biodiesel para 20%, o B20. Na imagem: Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)
Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

BRASÍLIA — Com mandato de mistura ao diesel reduzido a 10% (B10) desde o início de 2022, o setor de biodiesel espera começar o ano que vem com o cronograma do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) restabelecido, o que significaria saltar para 14% em janeiro de 2023, passando para 15% em março.

É uma ambição que pode esbarrar em uma série de fatores, como disponibilidade de matéria-prima e o impacto do preço do renovável sobre o diesel B vendido ao consumidor final.

O aumento de B10 para B14 e B15 significa uma demanda extra de 2,5 milhões de litros do biocombustível, cuja principal matéria-prima é o óleo de soja.

A decisão está prevista para a próxima reunião do CNPE, de 8 de dezembro, quando pode ser alterada a mistura para janeiro em diante. A agência epbr consultou fontes envolvidas nas articulações em Brasília que admitem que o ideal seria a decisão já ter sido tomada e um salto de 40% e 50% na demanda no curto prazo, de fato, preocupa.

Após sucessivas derrotas nesses quatro anos de governo Bolsonaro, o setor renovou o otimismo com a vitória de Lula e, publicamente, mira alto. Articula também para evitar a abertura do mercado para as importações de biodiesel.

Embora as usinas brasileiras de biodiesel estejam operando abaixo da capacidade desde que o mandato foi reduzido, o tempo limitado de aviso para acelerar a produção coloca o setor produtor em alerta, observa Beatriz Pupo, analista sênior de biocombustíveis da S&P Global Commodity Insights.

“Historicamente, devido à sazonalidade, a oferta interna de óleo de soja é limitada em janeiro. Como tal, um aumento acentuado na demanda de biodiesel nesta época do ano pode sair pela culatra se se traduzir em preços mais altos de biodiesel, contrariando os recentes esforços do governo para conter os preços dos combustíveis”.

Até o ano passado, quando o biodiesel era contratado por meio dos leilões regulados, o aumento anual de 1 ponto percentual na mistura ocorria para as entregas do segundo bimestre.

Hoje, o óleo de soja responde por cerca de 70% do biodiesel produzido no Brasil. Para atender a demanda da indústria, seriam necessários dois milhões de toneladas extras de óleo de soja. 

“Para se ter uma ideia, a quantidade equivale a quase todo o volume de óleo de soja que deve ser exportado para fora do Brasil este ano”, explica Pupo. 

Segundo a analista, o aumento imediato da demanda por óleo de soja pode apertar os saldos globais em um momento em que as exportações dos Estados Unidos estão encolhendo rapidamente, em meio a esforços para aumentar sua produção doméstica de diesel renovável.

Inflação é crise política

A valorização do óleo de soja no mercado internacional e a diferença de preço entre o biocombustível e o fóssil foram as principais justificativas usadas pela gestão de Jair Bolsonaro (PL) para manter o percentual abaixo do previsto no cronograma CNPE até agora.

A mudança de governo em 1º de janeiro abre uma janela para negociação dos produtores de retomada da política de biodiesel, mas essa decisão precisa sair logo.

Esta semana, o ex-ministro da Agricultura e deputado federal Neri Geller (PP/MT), disse que o tema está na agenda da equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e sinalizou um aumento de mistura gradual, passando por B12 e B13 antes de chegar a B15 ainda no ano que vem..

“A volta da discussão do biodiesel, de aumentar (a mistura) de 10%, que está hoje, voltar para 12%, 13% e, ano que vem, voltar para 15%, é uma das pautas do próprio presidente da República”, disse Geller à GloboNews.

Neri Geller foi confirmado nesta quarta (16/11) como membro do grupo da transição responsável pelas políticas para a agropecuária. Também foram anunciados os nomes para a energia, que serão responsável por avaliar a revisão de políticas vigentes, que podem começar a mudar na próxima reunião do CNPE.

A declaração do parlamentar — que é um dos principais interlocutores do governo eleito com o agronegócio — pegou os agentes do mercado de surpresa.

Fontes ligadas aos produtores disseram à epbr que foram “positivamente surpreendidas”, mas que o pleito continua sendo a retomada do cronograma CNPE — B14 em janeiro e fevereiro e B15 em março.

A linha do atual governo é o preço, seja da energia ou dos combustíveis. Para reduzir custos ao consumidor final, o governo Bolsonaro flexibilizou políticas setoriais, como o mandato do biodiesel, e promoveu a desoneração da gasolina comum, que ganhou competitividade contra o etanol hidratado, por exemplo.

“Vivemos um momento de crises múltiplas – crescentes tensões geopolíticas, a volta do risco da guerra nuclear, crise de abastecimento de alimentos e energia, erosão da biodiversidade, aumento intolerável das desigualdades”

“Conjugar desenvolvimento e meio ambiente também é investir nas oportunidades criadas pela transição energética, com investimentos em energia eólica, solar, hidrogênio verde e bicombustíveis”

Lula, durante discurso na COP27, no Egito, nesta quarta (16/11).

Os preços dos combustíveis voltaram a subir, mesmo sem o repasse da inflação externa pela Petrobras. O preço do anidro e reajustes de outros supridores pesam especialmente na gasolina, enquanto o diesel foi menos beneficiado pela articulação que levou à desoneração dos impostos estaduais.

A principal medida vence em 31 de dezembro: uma decisão monocrática de André Mendonça, no Supremo Tribunal de Justiça (STF), que reduziu a base de cálculo do ICMS do diesel B.

A lei que fixou um teto de ICMS praticamente não fez efeito, já que os percentuais cobrados na maioria dos estados já eram menores que o novo limite, de 17% a 18%, alíquotas gerais previstas nos estados.

Sinais trocados

Em 8 de dezembro o CNPE faz sua última reunião sob a gestão bolsonarista e pode trazer — ou não — encaminhamentos sobre qual será o mandato de biodiesel no ano que vem.

Até agora, a única coisa mais próxima do concreto é uma nota técnica do Ministério de Minas e Energia (MME) para definição das metas do RenovaBio, que usa como base de cálculo a previsão de B10 ao longo de todo o ano de 2023.

O ministro Adolfo Sachsida vem sinalizando desde o resultado do 2º turno que os assuntos devem ser tratados com a equipe de transição.

Embora o documento deixe explícito que não é um indicativo de qual será a mistura, também mantém no ar o cenário de incerteza.

E tentou revisar outras, como o próprio RenovaBio e a mistura obrigatória de etanol anidro — temas que não avançaram.

Proposta para metas menores do RenovaBio

A proposta do MME reduz em 16,3% a meta de 2023 de aquisição de créditos de descarbonização do RenovaBio (CBIOs).

Pela nova meta, no ano que vem, distribuidores de combustíveis terão que adquirir 35,45 milhões de CBIOs, 1,5% a menos do que em 2022. Originalmente, antes da pandemia, a meta para 2023 havia sido fixada em 49,8 milhões de créditos.

“O anúncio da meta de redução da CBIO descombina com o plano do governo de aumentar o mandato do biodiesel. Um aumento na demanda de biodiesel resultaria em maior geração de CBIO quando comparado ao atual mandato de mistura de 10% de biodiesel”, comenta Pupo. 

Os CBIOs são emitidos por produtores de biocombustíveis a partir de uma análise de ciclo de vida do produto. Cada CBIO equivale a uma tonelada de carbono que deixou de ser lançada na atmosfera.

A proposta do MME esteve em consulta pública até esta segunda (14/11) e será submetida ao CNPE.

A S&P Global Commodity Insights prevê que a redução da meta de CBIOs de 2023 adiaria o ano em que a geração de crédito entraria em déficit de 2024 a 2025.