Gás Natural

As lições da Europa para o gas release brasileiro

Indústria cobra programa de desconcentração da oferta, em meio a sinais trocados do governo sobre abertura do setor

As lições da Europa para o gas release brasileiro. Na imagem: Dutos da unidade de processamento de gás natural (UPGN) de Guamaré/RN (Foto: Giovanni Sérgio/Agência Petrobras)
Dutos da Unidade de processamento de gás natural (UPGN) de Guamaré/RN (Foto: Giovanni Sérgio/Agência Petrobras)

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Editada por André Ramalho
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PIPELINE Indústria cobra programa de gas release, em meio a sinais trocados do governo sobre abertura do setor. Consultoria contratada pela Abrace destaca lições da Europa, enquanto mercado ainda aguarda posição da ANP sobre um programa de desconcentração.

Distribuidoras vão às compras de gás. Agenda do gás muda de mãos na ANP. Conselho de Usuários de gasodutos ganha forma e mais. Confira:

Indústria pede desconcentração do mercado

Associações ligadas às indústriasprodutores independentes e comercializadores se articulam para cobrar uma redução da fatia de mercado da Petrobras, enquanto o setor ainda aguarda uma posição da ANP sobre um possível programa de desconcentração da oferta (o gas release). Esperam também as diretrizes do governo Lula para o gás.

Um estudo da consultoria internacional Brattle Group, encomendado por um grupo de 14 entidades e liderado pela Abrace (grandes consumidores), recomenda que o Brasil adote um programa de gas release para que a Petrobras passe a responder por, no máximo, 25% das vendas — mas sem a fixação de limites legais.

Trata-se de uma mudança radical num setor onde o agente dominante ainda detém 81% das vendas, segundo a ANP.

O estudo da Brattle mostra como a abertura do mercado na Europa deixa lições importantes para o Brasil.

Na gas week desta semana, apresentamos as propostas da consultoria, com base nas experiências de gas release na Itália, Alemanha, Espanha, dentre outros países.

De cara, a Brattle ressalva: o gas release, por si só, não garante a concorrência. O Brasil precisa de um pacote mais abrangente de medidas para melhorar o acesso à rede e a migração de consumidores para o mercado livre.

1) Não traçar um limite legal à Petrobras

Alguns países fixaram limites legais à participação máxima de mercado de um agente, mas as empresas encontraram maneiras criativas de burlar os tetos.

Na Itália, a Eni contornou os limites fora da fronteira do país.A empresa vendia o gás importado da Noruega a concorrentes, na fronteira entre a França e Alemanha.

Até houve um aumento no número de importadores operando no mercado italiano, mas, no fim das contas, os novos fornecedores nada mais eram do que clientes da própria Eni fora da Itália (e pagavam pelo gás um preço acima do que aquele pago pela própria companhia italiana).

2) Programa deve ser gradual, mas não pode ser pequeno

Mas qual deve ser, afinal, o tamanho do gas release?

A experiência da Alemanha mostra que alguns programas de desconcentração podem ser ineficazes, devido ao seu tamanho pequeno. Lá, o gas release foi um remédio imposto em 2002 para a fusão da E.ON e Ruhrgas, as duas maiores empresas do setor. Mas a liberação da oferta incluía apenas 3,5% da demanda alemã.

A Brattle considera um Índice Herfindal-Hirschman (HHI) em torno de 1.500 como uma meta razoável para o Brasil, para que tenhamos um mercado competitivo. O indicador que mede o grau de concentração está, hoje, em 6.963 no Brasil, de acordo com a ANP.

A consultoria defende que o Brasil deveria definir os volumes a serem liberados gradualmente pela Petrobras tendo a métrica HHI de 1.500 como alvo.

Os volumes podem, assim, flutuar ano a ano, de acordo com a necessidade, dependendo, inclusive, dos níveis de produção de gás novo dos concorrentes — em vez de impor limites pré-estabelecidos ao market share da petroleira.

3) Duração do programa não pode ser muito curta

A Brattle cita que os programas adotados pelos países europeus variaram muito de escopo: na Hungria, durou oito anos; na Alemanha, seis; na Itália, quatro; e na Espanha, apenas dois anos.

O caso espanhol é instrutivo. O governo via o gas release como um “trampolim” para facilitar a entrada de novos agentes e tinha como meta liberar 25% do gás importado da Argélia. Ao fim dos dois anos, a limitação ao agente dominante acabaria.

O programa estimulou uma corrida dos novos agentes em busca de contratos de importação de longo prazo – que se somaram à molécula do agente dominante, após o fim do programa. O resultado foi um excesso de oferta.

A consultoria sugere um período de transição de cerca de cinco anos para o Brasil, mas recomenda condicionar o término do programa mais ao atingimento do HHI alvo do que a uma data em si.

4) Não fixar preço de reserva

Alguns países, como a Alemanha, estabeleceram preços de reserva para garantir aos agentes dominantes a recuperação de seus custos. A Brattle desaconselha.

Existe o risco de o preço ser fixado acima do preço real de mercado, o que poderia dissuadir os agentes a participar do programa.

Além disso, se os participantes só puderem comprar gás ao preço médio do agente dominante, será difícil para eles oferecer aos consumidores preços mais baixos.

No caso alemão, os preços de reserva eram 95% do preço médio de importação. Apesar do ‘desconto’, os novos operadores não se mostraram dispostos a comprar mais da metade do gás ofertado na primeira rodada.

Outra questão é se o leilão de gás do agente dominante deve solicitar lances por preços fixos ou indexados (ao petróleo, por exemplo). A Brattle conclui que preços fixos podem ser uma opção para lotes de até um ano. Para produtos de prazo maior, lances por preço fixo podem representar risco.

A estrutura de indexação proposta deve refletir um contrato típico de venda no mercado brasileiro de gás.

5) Liberar só a oferta pode não ser suficiente

Programas de gas release podem ser complementados por medidas de liberação de capacidade na infraestrutura (capacity release) e “liberação do cliente” (customer release).

O gas release não terá impacto se os compradores também não tiverem acesso ao transporte e armazenamento, por exemplo. Também será pouco eficaz se os clientes existentes estiverem amarrados a contratos de gás de longo prazo com o agente dominante.

A Brattle manifesta preocupação, nesse sentido, com o movimento da Petrobras de fechar contratos de longo prazo com as distribuidoras.

Na Alemanha, a concorrência deu um grande passo à frente quando os clientes foram liberados das restrições dos contratos existentes — o que deu aos consumidores liberdade imediata para adquirir de fontes alternativas.

Além disso, a Brattle vê vantagens em liberar as distribuidores de obrigações de longo prazo com a Petrobras.

6) Não pesar a mão na habilitação

A Brattle alerta também para a possibilidade de agente dominante vir a tentar reduzir o número de participantes, exigindo garantias financeiras excessivamente altas, por exemplo.

Requisitos muito rigorosos contribuíram para o fracasso da primeira rodada do gas release alemão, cita.

A consultoria recomenda que as exigências de crédito para compradores não sejam mais onerosas do que os requisitos exigidos das distribuidoras.

E mais

Leilões regionais podem ser mais eficazes. A Brattle recomenda dividir o país, conceitualmente, em mercados regionais separados, dadas as peculiaridades de cada um. Algumas regiões, como o Sul, possuem gargalos de capacidade, enquanto no Norte o sistema é isolado. A consultoria sugere um programa de metas de HHI diferentes por região — cada uma teria leilões separados.

Vale a pena um xerife. A consultoria entende que seria desejável criar uma Autoridade para supervisionar o gas release. Não precisa ser um novo órgão — a autoridade poderia fazer parte da ANP, por exemplo.

Limitar ou não limitar a Petrobras de recomprar o gás liberado? A Brattle pontua que, em alguns mercados, os agentes dominantes têm desempenhado um papel importante no desenvolvimento da liquidez no mercado secundário. A Petrobras poderia, nesse sentido, contribuir para aumentar a liquidez, permitindo que um maior volume de gás seja negociado — desde que haja um monitoramento para detectar se surgem comportamentos anticompetitivos e manipuladores.

Leilões anuais. A Brattle sugere que os leilões ocorram todos os anos e que o produto vendido tenha duração de um ano também, em geral. No entanto, se for útil para as partes terem contratos mais longos, então não há razão para que a Petrobras não possa vender um mix de contratos de um ano, dois anos ou mais. Os compradores, por sua vez, poderiam negociar gás sob contratos de curto prazo em um mercado secundário para dar liquidez.

Será que sai?

O mercado aguarda, desde o ano passado, uma posição da ANP sobre o assunto, depois que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) recomendou que a agência liderasse um diagnóstico sobre as condições concorrenciais e apresentasse uma proposta de desconcentração.

O regulador concluiu o trabalho, mas o assunto ainda está na Procuradoria-Geral Federal junto à ANP, sem previsão de publicação.

A indústria tem se articulado para cobrar a continuidade da agenda pró-abertura, diante dos sinais trocados no novo governo.

Recentemente, o MME solicitou à Petrobras a suspensão, por 90 dias, das vendas de ativos da companhia, enquanto o novo CNPE não define suas diretrizes.

Em paralelo, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates ,questiona os compromissos assumidos pela empresa em 2019 com o Cade para abertura dos mercados de gás natural e refino. Segundo ele, a Petrobras não vai mais, “necessariamente, sair vendendo ativos por decisões governamentais” — o que pode incluir, por exemplo, a venda da TBG.

O diretor de Infraestrutura e Melhoria do Ambiente de Negócios no Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Alexandre Messa, por sua vez, defende a continuidade da abertura e citou que o gas release é fundamental, nessa direção.

Já o superintendente de Infraestrutura e Movimentação da ANP, Hélio Bisaggio, acrescentou que programas regionais de gas release podem fazer sentido.

GÁS NA SEMANA

Distribuidoras vão às compras. Comgás recebeu 14 propostas de fornecimento de gás (incluindo duas propostas de biometano) a partir de 2024. A distribuidora paulista iniciou a fase de análise e negociações.

— Também em São Paulo, a GasBrasiliano abriu chamada pública para contratar até 600 mil m3/dia para 2024; 700 mil m3/dia para 2025; 1 milhão de m3/dia para 2026; e 1,1 milhão de m3/dia para 2027.

— Arsesp, aliás, vai rever a forma como as distribuidoras paulistas compram gás. A pedido da GasBrasiliano, comprometeu-se a revisar a Deliberação 1.243/2021, que traz algumas amarras ao processo. O objetivo é “eliminar risco de redução da competitividade e diversificação” das concessionárias.

Compagas quer complementar contratos existentes. Distribuidora lança nesta sexta (17/03) uma nova chamada pública para aquisição de 300 mil m3/dia a partir de 2024 e até 50 mil m³/dia para a região Norte do Paraná.

— A SCGÁS, por sua vez, planeja contratar 550 mil m³/dia para 2024-2027 e de 160 mil m³/dia a 300 mil m³/dia até 2029.

— Já a PBGás abriu chamada pública para contratar 150 mil m3/dia para 2024-2025 e 220 mil m3/dia para 2026-2027.

— MSGás busca fornecedor de GNC e GNL para interiorizar mercado no Mato Grosso do Sul. O plano é, a partir de 2024, levar gás a até cinco municípios.

GNV mais barato em SP em março. Arsesp aprova redução das tarifas da Comgás, GasBrasiliano e Naturgy

Reformas das regras para gás mudam de mãos na ANP. Cláudio Jorge de Souza passa a ser responsável pela área de superintendência de Infraestrutura e Movimentações (SIM).

Conselho de usuários ganha forma. O grupo, criado para monitorar as transportadoras, elegeu Sylvie D’Apote (IBP) como presidente; Adrianno Lorenzon (Abrace) como vice; e Daniela Santos (ABPIP) como secretaria-executiva. Aguarda, agora, a aprovação da governança pela ANP e espera apresentar seus primeiros posicionamentos em abril.

Petrobras aprova nova licitação das plataformas de Sergipe. A companhia está concluindo os trâmites junto aos sócios para lançar o edital. Serão duas FPSOs afretadas, para operar em águas profundas de Sergipe — que desponta como maior província gasífera offshore, fora as Bacias de Campos e Santos.