Energia

As contas gráficas e a falta de transparência nas tarifas de gás natural

Transparência e modicidade tarifária são direitos, mas que ainda precisam ser muito aprimorados, escreve Clara Diniz

As contas gráficas (modicidade tarifária) e a falta de transparência nas tarifas de gás natural, escreve Clara Diniz, analista de Energia, na Abrace, que representa os grandes consumidores de energia elétrica e gás natural (Foto: Divulgação)
Clara Diniz, analista de Energia, na Abrace, que representa os grandes consumidores de energia elétrica e gás natural (Foto: Divulgação)

A conta gráfica é um mecanismo regulado para dar transparência ao repasse do custo de suprimento de gás natural contratado pelas distribuidoras (molécula + transporte) aos consumidores cativos. Portanto, é um acompanhamento importante para a estabilidade dos custos associados a esse energético, já que tais contratos de fornecimento, em sua grande maioria, possuem reajustes trimestrais ou semestrais.

Tomando por exemplo o estado de São Paulo, a agência reguladora estadual, Arsesp, definiu a conta gráfica em sua Deliberação nº 1.010, de 10/06/2020 como “Conta na qual são registradas as diferenças entre o custo mix contratual e o custo médio ponderado do gás e do transporte. Os saldos da Conta Gráfica são corrigidos mensalmente pela taxa básica de juros – SELIC – definida pelo Banco Central, ou no caso de sua extinção, a que vier a substitui-la”.

Já a parcela de recuperação é definida como o “valor expresso em R$/m³ (reais por metro cúbico), correspondente ao saldo da conta gráfica distribuído pelos volumes projetados para os meses de aplicação, acrescido às tarifas para fim de ressarcimento à Concessionária ou aos Usuários”.

Por sua vez, a Agepar, responsável pela regulação do gás no estado do Paraná, expressa-se através da Resolução nº 6 de 01/02/2021 a definição de conta gráfica como “ferramenta regulatória na qual são registradas e acumuladas as diferenças, positivas ou negativas, referentes ao preço do gás e de transporte, entre os preços contidos nas tarifas de fornecimento aplicadas aos faturamentos mensais dos usuários, pela prestação do serviço de distribuição, e aqueles faturados pelos supridores à Concessionária, de acordo com os Contratos de Suprimento, sendo que os saldos da Conta Gráfica são corrigidos mensalmente pela variação da Taxa Selic, ou da taxa que vier a sucedê-la”.

A parcela de recuperação, dessa forma, vem como maneira de compensar os saldos de conta gráfica computados, isto é, a diferença a mais ou a menos acumulada em relação às atualizações do preço do gás, prospectando-a pelo volume estimado. Esta parcela deve ser acrescida na cobrança da tarifa, a fim de garantir o equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias de distribuição.

No entanto, não são todas as agências reguladoras estaduais que disponibilizam cálculos de acompanhamento e verificação de conta gráfica, apontando para assertividade das tarifas cobradas pelas concessionárias de gás.

Hoje, estados relevantes na distribuição de gás natural, a exemplo do Rio de Janeiro e Ceará, ainda não possuem este acompanhamento transparente e público, com a devida comprovação dos preços do gás cobrados nas tarifas.

Esse rito definido em regulação é importantíssimo, ainda mais no contexto em que estas concessionárias estão negociando gás com diversos supridores, traduzindo para essas contratações diferentes parâmetros para o cálculo e reajuste dos preços.

Vale ressaltar que a expectativa para 2024 é que distribuidoras como CEG e CEG Rio passem a ter quatro contratos compondo seu portifólio. A Concessionária Cegás também irá dispor de cinco contratos na formação do mix a ser ofertado ao mercado regulado, com uma pluralidade de fornecedores e diferentes condições contratuais.

Transparência e publicidade nos reajustes tarifários

Nesse sentido, é iminente a necessidade de transparência e publicidade da gestão desses contratos pelas distribuidoras. Sendo o mínimo de transparência que se espera, dos cálculos de acompanhamento da conta gráfica e formação da tarifa final, a fim de garantir a assertividade e gerar maior previsibilidade na prospecção de cenários futuros pelos consumidores.

Mesmo para estados que possuem esse tipo de informação, o repasse dos dados precisa ser aprimorado. Atualmente, a Arsal, autoridade reguladora do estado de Alagoas, apresenta dados da conta gráfica atualizados até março de 2023.

Vale ressaltar que o último reajuste tarifário da concessionária Algás aconteceu em novembro de 2023 e não há transparência sobre a parcela de recuperação e demais valores que compõe a tarifa final cobrados nos três últimos reajustes tarifários.

As agências da Bahia (Agerba) e Santa Catarina (Aresc) fazem atualização mensal dos dados de conta gráfica e têm como último mês de referência atualizado outubro de 2023. A Arsesp, agência reguladora de SP, também atualiza os dados de conta gráfica mensalmente, e tem como informações mais atualizadas na Comgás, Necta e Naturgy (SP Sul) o mês de setembro de 2023.

Dessa forma, transparência e modicidade tarifária é um direito expresso, mas que ainda precisa ser muito aprimorado. Para a Abrace Energia, o descompasso entre os dados atualizados e o mês de publicação de novas tarifas torna inviável a validação dos cálculos, que deveria acontecer in actu.

Conta gráfica de penalidades

Um exemplo interessante observado atualmente é a publicidade da projeção da conta gráfica, trazido pela distribuidora do Paraná (Compagás), que não só mantém os dados atualizados, como também publica projeções ao longo do ano. Essas projeções são de grande valor na assertividade e previsibilidade dos cálculos e deveriam ser implementadas nas metodologias dos demais estados.

Para além da conta gráfica para acompanhamento do repasse dos custos relativos à molécula do gás e transporte negociados pelas concessionárias locais em prol dos consumidores, ressalta-se a relevância também da transparência de mecanismo de contabilização de receitas e despesas com penalidades, previstas nestes contratos.

A segregação dos custos com penalidades na contratação de molécula e transporte é importante para que o consumidor acompanhe a gestão desses contratos e do portfólio pela distribuidora, a qual deve assegurar a neutralidade no tratamento desses valores.

Vale ressaltar que, hoje, a única agência reguladora que disponibiliza o acompanhamento da conta gráfica de penalidades é a Arsesp (SP). No entanto, este acompanhamento ainda não se mostra suficiente, demandando aprimoramentos como a segregação entre penalidades pagas ao supridor e recebidas dos usuários, de forma a explicitar as suas composições por encargo de capacidade, preço do gás de ultrapassagem, por exemplo.

Tal medida, além de promover maior transparência sobre as informações disponibilizadas, pode servir de insumo para fiscalização da gestão dos contratos da distribuidora pela agência reguladora.

A falta de transparência e atualização no acompanhamento das contas gráficas é um problema recorrente em diversos estados brasileiros, que muitas vezes necessitam de regulações mais eficientes para direcionar o procedimento a ser realizado, metodologia de cálculo, definição de termos e recorrência de atualizações. A desarmonia entre regulações estaduais dificulta ainda mais o processo de previsibilidade nos cálculos tarifários.

Não bastasse a falta de transparência e publicação dos cálculos, são observadas metodologias distintas em diversos estados, que tornam aos consumidores de gás natural uma missão um tanto complexa ter maior previsibilidade da própria tarifa a ser cobrada futuramente, e faturada nas empresas e residências de milhares de brasileiros.

A imprevisibilidade do preço do gás em si, com fórmulas cada vez mais complexas, torna-se somente um dos grandes problemas a serem enfrentados pelos consumidores de gás, que desejam um cenário previsível, com tarifas competitivas, devidamente embasadas e comprovadas a serem cobradas em suas faturas.

Clara Diniz é analista de Energia, na Abrace, que representa os grandes consumidores de energia elétrica e gás natural.